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4 HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO DIREITO À FILIAÇÃO NA ORDEM

5.1 CONFIGURAÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

5.1.2 O Ministério Público como órgão interveniente

O Código de Processo Civil de 1973 prevê, no seu artigo 82287, que, na condição de

custos legis, o Ministério Público deve intervir em todas as causas envolvendo interesses de

283 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. O Ministério Público e o papel de fiscal da ordem jurídica no

CPC/2015. Disponível em: <https://www.academia.edu/19868726/O_MINIST%C3%89RIO_P%C3%9ABLI

CO_E_O_PAPEL_DE_FISCAL_DA_ORDEM_JUR%C3%8DDICA_NO_CPC_2015>. Acesso em: 21 fev. 2016.

284 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 1, 3. ed. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 688.

285 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 8 ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 223.

286 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural,

atribuição e conflito. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 9.

287

incapazes, concernentes ao estado da pessoa, poder familiar, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência, disposições de última vontade e que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural. O mesmo enunciado normativo ainda acrescenta a obrigatoriedade de atuação ministerial em todas as demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Além das hipóteses acima, diversos outros dispositivos legais exigem a intervenção ministerial na causa, a exemplo dos conflitos de competência288, da ação de usucapião289 e dos procedimentos de jurisdição voluntária290, sem esquecer as leis especiais que também reclamam tal atuação, como o Estatuto da Criança e do Adolescente291, a Lei da Ação Civil Pública, nos casos em que não for autor292, e o Estatuto do Idoso293.

O novo Código de Processo Civil294 apresenta inovações moderadas no tocante à atividade interventiva. A primeira delas consiste na denominação fiscal da ordem jurídica, em superação ao clássico fiscal da lei, aproximando-se da nomenclatura constitucional. Outra novidade está na revogação das hipóteses inseridas no art. 82, inciso II, do CPC de 1973, acima mencionado. O novo Diploma regulamenta de forma mais genética que será o Ministério Público intimado a intervir nas causas envolvendo interesse público ou social, de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana295, no prazo de 30 dias, o qual, se findar sem oferecimento de parecer, autorizará o juiz a requisitar os autos e dar andamento ao processo, independentemente de manifestação296.

Não paira qualquer dúvida sobre a possibilidade jurídica do legislador ordinário estatuir novas hipóteses de intervenção ministerial, desde que não corrompam a natureza constitucional dada ao órgão, ou seja, desde que não se distancie da destinação prevista na Lex

Mater para a instituição, como preconiza o já mencionado inciso XI do art. 129, o que

autoriza a conclusão de que ao Legislativo não é dado conferir funções atípicas ao Ministério Público.

Expressamente, a atuação como órgão interveniente não consta do rol de atribuições constitucionais do Parquet. Alguns autores enxergam na defesa da ordem jurídica o

288

Art. 116, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973.

289

Art. 944 do Código de Processo Civil de 1973.

290 Art. 1.105 do Código de Processo Civil de 1973. 291 Art. 202 da Lei nº 8.069/90.

292

Art. 5º, § 1º, da Lei nº 7.347/85.

293 Art. 75 da Lei nº 10.741/2003. 294 Lei nº 13.105/2015.

295 Art. 178 do novo Código de Processo Civil. 296

fundamento para atuação interventiva, como Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos297 e Hugo Nigro Mazzilli298. A base constitucional apontada como ratio essendi do mister interventivo, no entanto, mostra-se duvidosa. Isso porque a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, foi conferida à própria instituição, que não pode dela se furtar sob o pretexto de que a natureza de sua atuação no processo é diferenciada, ora como parte, ora como fiscal. Em qualquer hipótese ou posição, o agir ministerial permanece comprometido com os desígnios constitucionais que animam sua participação no processo.

A tarefa outorgada pelo já citado art. 127, caput, da Constituição Federal permite que o Poder Legislativo estabeleça, em muitos casos, como operacionalizar o funcionamento do órgão, mas isso não implica atribuir missão oposta àquela prevista no Texto Constitucional. Desse modo, quando não for parte no processo, mas presente o interesse público justificador, o Ministério Público há de intervir, preservando os valores insculpidos na Carta Magna.

Justamente por isso, mostra-se inevitável oferecer resistência ao posicionamento acolhido por José Galvani Alberton299, para quem a manifestação do Ministério Público, atuando como fiscal da lei em feitos relacionados a direitos individuais indisponíveis, obrigatoriamente há de ser favorável à parte titular desse direito.

Antônio Cláudio da Costa Machado, a propósito, aduzindo que a atividade de fiscalização pressupõe um equilíbrio entre as partes a fim de justificar a liberdade opinativa, sequer reconhece, na intervenção fundada em razão da presença de incapaz, uma autêntica atuação imparcial do fiscal da lei, pois o equilíbrio necessário aqui seria inexistente, de modo que a lei teria ligado o Ministério Público aos interesses do hipossuficiente para defendê-lo300. Hugo Nigro Mazzilli também vincula a atuação interventiva ao interesse, sob o argumento da natureza protetiva de tal intervenção. Com fulcro nesse raciocínio, aliás, caberia ao Parquet contestar em proveito do incapaz, como forma especial de assistência ao litigante, vedada a iniciativa de impulso processual em favor da parte adversa, maior e capaz, preservando, porém, a liberdade de opinião301.

Com a devida vênia, há de se verificar que nem mesmo quando atua como parte é

297 VASCONCELOS, Clever Rodolfo Carvalho. O Ministério Público na Constituição Federal: doutrina

esquematizada e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10.

298

MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 62.

299 ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no processo civil em face da

nova ordem consitucional. Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento. 16 mar. 2011.

Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/ anexos/15816-15817-1-PB.pdf>. Acesso em: 23 set. 2015.

300 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. A Intervenção do Ministério Público no Processo Civil

brasileiro. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 223.

301

possível subtrair do órgão ministerial sua liberdade de compreensão jurídica do caso, não se justificando – ainda que lastreado em respeitável doutrina – o entendimento no sentido de que a consciência do membro estaria submetida à defesa irrestrita da pretensão almejada pelo hipossuficiente.

Reforçando a ideia de que o Ministério Público sempre defende os mesmos interesses e mantém incólume sua independência de convicção jurídica, o novo Código de Processo Civil agora expressa que os motivos de impedimento e suspeição dos juízes aplicam-se aos membros da instituição, aos auxiliares da justiça e aos demais sujeitos imparciais do processo302, sem fazer qualquer ressalva sobre atuação como parte ou fiscal, como na pretérita codificação303, deixando implícito que, em qualquer hipótese, o pronunciamento ministerial deverá estar cercado da necessária imparcialidade.

Em verdade, insuperável seria a contradição de se instituir um defensor da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, porém obrigado a se pronunciar em favor de um interesse antijurídico, exclusivamente porque titularizado por incapaz. O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, já enfrentou o tema, garantindo a preservação da necessária liberdade de opinião do órgão ministerial304.

Rejeitando a divisão da atuação interventiva entre fiscal imparcial e fiscal assistente, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro observa se tratar da reprodução do mesmo equívoco daqueles que pretendem adjetivar a atuação do Ministério Público como parte, de maneira que o

Parquet interveniente pode se pronunciar desfavoravelmente ao destinatário da norma

protetiva, havendo limites, todavia, para certos atos, notadamente o interesse recursal, que deixaria de existir na hipótese de sentença favorável ao incapaz305. Demonstra o autor, assim, que tem enfrentado o tema da forma que melhor se adapta à configuração constitucional do Ministério Público.

Logo, há de se compreender que a atuação ministerial como órgão interveniente, embora a causa do seu chamamento possa ser diversa, exige sempre a postura de custos iuris, comprometido com a destinação constitucional que lhe fora conferida, a qual não dispensa a busca constante pela correta aplicação do direito.

302

Art. 148 do novo Código de Processo Civil.

303 Art. 138, I, do Código de Processo Civil de 1973.

304 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1.260.436/SP. 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda,

Brasília, 22 nov. 2011. DJ de 12 dez. 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/ documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1107192&num_registro=201100671803&data=201112 12&formato=PDF>. Acesso em: 24 set. 2015.

305 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural,