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5. P OSICIONAMENTO DE ATORES DAS INSTITUIÇÕES PENAIS

5.2 O Ministério Público na audiência de Custódia e a prisão de mulheres

Esta subseção tem como objetivo analisar a entrevista de um dos dois promotores representante do Ministério Público na Audiência de Custódia. Esta

audiência é realizada no Núcleo de Prisão em Flagrante que fica em sala anexa à Central de Flagrantes do bairro Iguatemi.

A entrevista se deu em dois momentos, na própria Central, entre os intervalos das audiências.

Trata-se de promotor que ingressou no Ministério Público no ano de 1991. Antes advogava, mas afirmou que o ingresso na instituição se deu sonho de servir à sociedade. Admirava o bonito espetáculo realizado pelos promotores no tribunal do júri.

[...] era um antigo sonho, eu comecei advogando, reconheço as excelências da advocacia, mas a missão maior de servir a sociedade me motivou a ingressar na Carreira do Ministério Público. E quando eu fui assistir um júri em Salvador, que vi a atuação do promotor de justiça eu me apaixonei, me identifiquei, saí da sala do tribunal do júri, dizendo: “Eu já sei o que eu quero ser na vida” [...] eu só atuava na área civil. Especialmente na área de família. Mas eu sempre ia para o fórum Ruy Barbosa para assistir júri. Eu e outros colegas meus que hoje são juízes, são promotores, porque a gente achava bonito o espetáculo.

Para o promotor entrevistado, deve existir um equilíbrio entre prisão e liberdade, acredita que a pena resolve, e também acredita ter uma perspectiva crítica. Vê como radical as correntes reformistas como o direito penal mínimo.

Porque tem determinados posicionamentos hoje que eu não concordo, em relação a determinadas matérias, eu acho que tem que ter um equilíbrio entre prisão e liberdade, por exemplo. Você não pode estar soltando todo mundo, você também não pode estar prendendo todo mundo. E existem algumas correntes aí, no Direito, que ou radicalizam pra um lado ou radicaliza para o outro, achando que prisão não resolve que é direito penal mínimo.

Há, portanto, o pressuposto de determinados sujeitos precisam ser presos e outros não. Principalmente aqueles com ficha criminal extensa.

Você tem que ter critérios, você tem que analisar caso a caso. Se chega um sujeito aqui, com uma ficha criminal extensa, que praticou um assalto a ônibus, com um revólver, devidamente municiado, que coloca em risco as vidas que ali se encontram e outras que estão em torno da situação, como não requerer a conversão do prisão em flagrante em prisão preventiva? Muitas vezes até com o emprego de violência contra pessoas idosas, contra crianças, xingamentos, agressões físicas e verbais [...] Você não pode vir com a cabeça dizendo que vai soltar todo mundo, e nem vir com a cabeça dizendo que vai prender todo mundo. Tem que analisar critérios caso a caso, aqueles critérios de gravidade, claro que tem que haver encarceramento. E os casos que não oferecem risco à sociedade, à ordem pública, esses podem ser beneficiados com a liberdade provisória, com a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão.

Baseia sua atuação em leituras como Fernando Capez, Damásio Evangelista de Jesus, Nelson Hungria, Basileu Garcia e Aníbal Bruno. Para atualização, utiliza- se da internet e do seu olhar crítico.

Quando questionado sobre as audiência de custódia que tinham uma flagranteada mulher, ele sente grande dificuldade para lembrar. Ao se recordar lembra de dois casos específicos, um que se trata de mulheres armazenando substâncias psicoativas dentro da vagina e o outro em que a mulher exerce o cuidado com o sequestrado.

No momento não vem assim um caso específico, mas eu vi alguns casos de mulheres levarem drogas em suas partes íntimas para dentro do presídio. Quantidade até significativa e que felizmente foram flagradas e foram autuadas em flagrantes. Houve outro caso também de uma mulher que ficou tomando conta de reféns em sequestro, e aí ela fazia os trabalhos domésticos, lavava roupa do sequestrado, cozinhava para o sequestrado, uma situação assim, bastante peculiar. Ela foi incumbida, no grupo, de fazer esse serviço e terminou presa quando a Polícia descobriu o cativeiro, invadiram e prenderam os meliantes e libertou o refém que era um senhor de mais de 70 anos, e a mulher participou ativamente dessa situação.

A quantidade de substâncias psicoativas no interior de suas vaginas, que normalmente se trata de gramas, são tidas como “quantidades enormes”, “incrível quantidade” que se destina não somente para o consumo de seus companheiros, mas para a comercialização dentro do sistema prisional.

A maneira como elas acondicionam pedras de crack. Quantidade de maconha dentro de saquinhos e vão introduzindo na vagina, quantidades enormes que quando vão sendo retiradas ou fotografadas você vai ver a incrível quantidade que elas conseguem esconder dentro do próprio corpo para ser levados para os companheiros. É uma coisa que chama muita atenção, não seria uma quantidade assim, para consumo imediato, mas uma quantidade para comercialização no sistema prisional, um tráfico, é isso que chama atenção. Não seria uma quantidade para um companheiro apenas consumir, mas para distribuir entre aqueles que se encontram no sistema prisional. [...] É esse o meu olhar sobre a participação da mulher nesse “tráfico” de drogas e entorpecentes para dentro do sistema prisional, achando eles que a mulher, é assim, não chamaria a atenção, tanto quanto se fosse um homem levando aquela droga. Mas os órgãos de Segurança estão atentos a isso, porque cada vez mais as mulheres têm uma participação ativa nos delitos de crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas, infelizmente.

As mulheres que chegam na audiência são vistas como mulheres sofridas com habilidade nata para serem cabelereiras, manicures, sacoleira de vender roupas. Deixam essa habilidade e para se dedicar ao que chama de criminalidade pela perspectiva “ilusória” do ganho financeiro maior.

A partir disso, começam a ter um processo atrás do outro, o que já significa que deixaram de ter a perspectiva de ter uma vida lícita e regular. E não é regular de modo geral, mas associada às funções de cabelereira, manicure vendedora de diversos produtos.

O entrevistado ainda acrescenta que o Estado deve chegar junto dessas comunidades e capacitá-las para o trabalho, não pela universidade, mas pelos cursos técnicos. Porque assim, elas não irão opinar pelo caminho da criminalidade que é considerado para ele, um caminho fácil.

Algumas delas são mulheres sofridas, da periferia da cidade, algumas até com um (pausa na fala), habilidade de cabelereira, de manicure, de sacoleira de vender roupas, mas que no envolvimento com o companheiro que também tem envolvimento com roubos, com os assaltos, terminam deixando de mão essa atividade lícita, essa habilidade que ela possui para se dedicar a criminalidade acredita na perspectiva ilusória que o ganho financeiro é maior, e aí acabam se complicando, ficam respondendo processos, aí depois tem mais outro processo, e quando vê já se enveredou pelo mundo da criminalidade. Deixou a perspectiva de uma vida lícita e regular como cabelereira, como manicure, como vendedora de diversos produtos e aí se enveredam completamente na criminalidade. E aí mais uma vez eu digo: Onde está o Estado que não chega junto dessas comunidades, onde essas mulheres moram, dessas pessoas novas, oferendo oportunidade de capacitá-las e estar ali presente, capacitá-las para o mercado de trabalho, oferecendo cursos técnicos, oferecendo educação pedagógica, enfim, várias oportunidades para que elas não optem pelo caminho fácil da criminalidade. Eu acho assim também uma omissão do Estado propiciar às mulheres e às pessoas de modo geral que vivem nessas periferias. A opção pela criminalidade, não justifica, não justifica, mas o fato de um sujeito se ver sem uma perspectiva de uma qualificação profissional, ele se torna vulnerável à ação dos criminosos que arregimentam para a criminalidade, criminosos esses que exercem uma influência muito forte na comunidade, a ponto até de determinar comportamentos, expulsar pessoas que acham inconvenientes, ou que acham que sejam informantes da polícia.

Para o entrevistado, a vulnerabilidade desses indivíduos se dá basicamente pela atuação do tráfico e pela falta de educação das pessoas que moram nessas comunidades e que delas não podem sair.

A perspectiva é de saída desses lugares a partir do momento que algum membro adquire qualificação suficiente para ir par “um lugar melhor”, porque ali não é possível viver em paz.

É o tráfico, basicamente, o tráfico de drogas e a falta da oportunidade dessas pessoas, que não tem uma capacitação profissional, não tem uma educação que lhe permita galgar coisa melhor, sair daquela comunidade, entendeu? Ir para um lugar melhor em que ele possa viver em paz sem a pressão dos comandantes do tráfico. Então essas comunidades ficam reféns, à revelia dos criminosos.

Ao final da entrevista, perguntei se ele gostaria de acrescentar alguma coisa fora as perguntas que eu havia feito, ele novamente responde na perspectiva de mudança da sociedade a partir do cumprimento das leis.

Devemos acreditar em Deus, em primeiro lugar (porque sou católico), e acreditar na humanidade também, nós vamos mudar essa sociedade, que ainda vale a pena ser honesto, ser ético, que vale a pena cumprir a lei, apesar de todo esse lamaçal que a gente vê na classe dominante, na classe política. Nós não devemos ver isso como um exemplo negativo e, volto a repetir, que vale a pena ser honesto, ser honrado, sempre praticar o direito e a justiça.

O entrevistado acredita ter uma missão com a sociedade, mas considera que aqueles que trilharam o “caminho da criminalidade” estão fora dessa sociedade honesta. A prisão funciona e deve ser mantida como está.

Os lugares em que se concentram essa criminalidade devem ser deixados, lá estão só aqueles que não tiveram uma oportunidade de melhorar de vida, de ir para um lugar de paz. A criminalidade, para ele, arregimenta jovens que esperam o ganho fácil com esse caminho.