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O Ministério Publico no trato da violência contra mulheres: a

Nesse capítulo, delineio brevemente a formação do Ministério Público como órgão estatal no Brasil e demonstro a interlocução entre o espaço jurídico, o Serviço Social e a Psicologia na história jurídica e das práticas judiciárias brasileira. Aproveito o desenvolvimento histórico do órgão e das profissões para apresentar as modificações na legislação brasileira no que se refere aos direitos das mulheres e de como espaço jurídico lidou com as agressões contra elas. Com isso, inicio a pensar a questão central desta tese: quais são as tensões e os conflitos na produção e na circulação de conhecimentos sobre violência contra mulheres, no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, após a promulgação da Lei Maria da Penha. Tais tensões se que se apresentam por meio da interlocução de três campos de conhecimento – Direito, Psicologia e Serviço Social, na disputa em torno de uma demanda ou um desejo: a justiça.

Para além dos instrumentos legais, busco trançar como campos de conhecimentos distintos se entrelaçam, se aproximam e se distanciam na produção cotidiana do espaço jurídico. A partir daí, pretendo compreender e demonstrar as criatividades e os dilemas emergentes a partir de uma lei (nº 11.340/2006). Afinal, se há inovações ou alterações, há certeza da existência de mudanças e de resistências, já que nenhuma modificação das práticas sociais e dos modos de vida acontecem sem disputa. Como apontou Roque de Barros Laraia, “cada mudança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre tendências conservadoras e inovadoras” (LARAIA, 2006[1986], p. 99).

Estou ciente de que, nos métodos da ciência histórica, há debate sobre as dificuldades, tensões e dilemas sobre como construir narrativas não ficcionais. Nessa seara, tenho em mente de que, para fazer história, nos marcos contemporâneos, é necessário ir além daquilo que as fontes de informação provêm, conectando-as aos acontecimentos de época e às posições sociais e de poder daquela pessoa que fala. Essa seria o modo mais adequado de tratar todo esse capítulo.

Porém, reconheço que não há, nesse momento, como debruçar-me minuciosamente sobre a história dos órgãos jurídicos, do Poder Judiciário, a história das ideias penais e da interlocução entre campos de conhecimento. Estou dos possíveis deslizes e de que as escolhas sobre o que escrever fazem-me incorrer nesse risco, de não abarcar a complexidade devida a

cada elemento e momento de época. Ainda assim acredito que o esforço de mostrar o desenrolar dos acontecimentos e dos saberes e das práticas jurídicas, psicológicas e sociais pode ser útil para pensar o presente.

2.1 – O Ministério Público e o sistema de justiça

O Ministério Público no Brasil, como órgão estatal, com função de manter a ordem social e jurídica, com estrutura e com atribuições definidas, surgiu na legislação brasileira no Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. Entretanto, a literatura especializada indica que algumas das atribuições atuais do Ministério Público já estavam previstas no ordenamento jurídico português, durante o período colonial. De acordo com Hugo Mazzilli:

os primeiros traços do nosso Ministério Público provêm diretamente do velho direito lusitano. Embora sejam preferentemente citadas as Ordenações Manuelinas, de 1514, como fonte da instituição do Ministério Público, nas próprias Ordenações Afonsinas, de 1447, vemos traços que foram desenvolvidos nas ordenações posteriores. No Tít. VIII das Ordenações Afonsinas, cuida-se “Do procurador dos nossos feitos”; no Tít. XIII, trata-se “Dos procuradores, e dos que não podem fazer procuradores” (Liv. I). Nas Ordenações Manuelinas, o Liv. I tinha dois títulos de maior interesse: o XI, que cuidava “Do procurador dos nossos feitos”, e o XII, que tratava do “Promotor de justiça da Casa da Sopricaçam [Suplicação]”. Nas Ordenações Filipinas de 1603, há títulos que cuidam do procurador dos feitos da Coroa (XII), do procurador dos feitos da Fazenda (XIII), do promotor de justiça da Casa da Suplicação (XV), do promotor de justiça da Casa do Porto (XLIII), todos do Liv. I. (MAZZILLI, 1991, p. 05)

Nos períodos colonial e imperial, não se pode falar de Ministério Público como órgão estatal estruturado independente da magistratura ou dos tribunais. A figura de “procurador da Coroa” era responsável por alguns ofícios que hoje são atribuídos ao Ministério Público, c o m o fiscalizar o cumprimento da lei e promover a acusação criminal . A função de procuradoria da Coroa era, no período colonial, exercida, no Brasil, por “um dos desembargadores que compunham o Tribunal de Relação [(similar à 2ª instância do Poder Judiciário atual)] (GARCIA, 2012, p. 135).

Ressalta-se que a acumulação de atividades judiciais, políticas e administrativas por “magistrado da Relação” tornava essas pessoas braços do governo colonial com objetivo principal de defender Portugal contra insurgências pró-independência e, muitas vezes, com interesses explícitos na manutenção do modo de produção material do Brasil colonial. Segundo Antônio Wolkmer (2015, p. 78 - 80), o recrutamento de profissionais da justiça, em Portugal a serem enviadas ao Brasil, os incentivos para permanência dessas pessoas na

colônia e a articulação de juristas com as oligarquias agrárias, firmaram uma administração colonial em que o sistema judicial teve papel central.

No que tange às ligações entre ordenamento jurídico colonial e as dinâmicas de construção das famílias e das relações familiares no Brasil, é importante apontar que as Ordenações Filipinas, código que se aplicava à Portugal e aos territórios ultra-marinhos, permitiam que os maridos assassinassem suas esposas caso suspeitassem que elas estivessem sendo infiel. Essas normas legais baseavam-se na defesa da honra portuguesa:

Um deles [costumes] era a importância dos laços sanguíneos, uma vez que era através desses que se passava de geração a geração não só a herança de um homem, mas também sua honra – que em muitos casos valia mais que a própria vida. Inicialmente, a honra era um bem adquirido através do sangue, da tradição familiar, e, para que esse bem fosse mantido, era necessário que seu detentor se portasse de forma ilustre, bem como as mulheres que eram mantidas sob o seu domínio. Ou seja, para que o pai se mantivesse honrado, era necessária a pureza sexual de sua filha, e, para o marido, a exímia fidelidade de sua esposa (RAMOS, 2012, p. 56).

A sentença à morte dada pelo marido sequer abriria espaço para que a mulher pudesse, em algum momento, se defender da acusação de imoralidade: “e toda mulher que fizer adultério a seu marido, morra por isso” (PORTUGAL, Ordenações Filipinas, Livro 5, título 25)35. Friso que não havia a necessidade de flagrante da infidelidade. Bastava que se

suspeitasse da esposa ou que houvesse algum boato.

Para se livrar da pena, o marido precisaria comprovar o adultério por meio de testemunhas. Não se pode esquecer que as mulheres eram designadas como possuidoras de fraco entendimento, ou seja, consideradas como pouco capazes de pensamento e fala próprias, o que não as permitia serem testemunhas em qualquer situação, a menos que não houvesse homem vivo para testemunhar. Logo, era esperado que um homem fosse chamado como testemunha em favor de uma mulher considerada adúltera (viva, para evitar sua condenação à morte natural36, ou morta, para não livrar o marido assassino da penalização).

Havia somente um caso previsto nas Ordenações Filipinas para a punição do marido assassino. Se o marido traído fosse um peão e o amante da mulher fosse um fidalgo, o marido-assassino poderia ser condenado a exílio na África (WESTIN; SASSE, 2013). Se o

35 Cópia das Ordenações Filipinas podem ser consultadas em:

http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1175.htm Acesso em 21 de março de 2016. O Livro V, além das normas referentes ao adultério feminino, contém uma série de regulações sobre casamento, sexo, estupro, relacionamentos entre cristãs, judias e mouras, dentre outras.

36 De acordo com Jaime de Souza, Daniel Brito e Wilson Barp (2009), morte natural se referia ao enforcamento. A pessoa acusada ficaria pendurada pelo pescoço até naturalmente falecer.

marido fidalgo flagrasse sua esposa com um peão, ao cônjuge traído era garantido o direito de assassinar a esposa e o amante dela. O ordenamento legal era baseado na desigualdade entre homens e mulheres, na honra familiar garantida pelo controle feminino e na legitimidade da estratificação social – fidalgos eram mais importantes que peões e portanto deveriam ser respeitados primeiramente.

Tais ordenamentos jurídicos [Ordenações Manuelinas e posteriormente no Livro V das Ordenações Filipinas eram compostos, cada um deles, por um conjunto detalhado de normas que buscavam definir não apenas as relações dos indivíduos para com a Coroa portuguesa, como também normatizavam as relações privadas. Nesse sentido, regulavam comportamentos e atribuíam punições para as transgressões relativas à vida moral, à convivência doméstica e às relações conjugais (SOUZA; BRITO; BARP, 2009, p. 65).

O ordenamento jurídico estatal português-brasileiro do período colonial não se abstinha de gerir as relações hoje pensadas como privadas, como se essa vida privada e/ou doméstica fosse sinônimo de ausência da regulação estatal. Ao contrário, a organização das relações familiares (e a produção de moralidades e de habitus) certamente foi influenciada pelo poder coercitivo da lei. As Ordenações Filipinas diziam que “não praticava ato censurável aquele que castigasse criado, ou discípulo, ou sua mulher, ou seu filho, ou seu escravo” (PORTUGAL,Liv. V, Título. 36, §1o, e 95, §4o). Outro exemplo dessa regulação colonial pode ser encontrado em outra parte do Livro V, das Ordenações Filipinas, que consagra a existência feminina como propriedade e a relação de submissão da mulher ao homem (SOUZA; BRITO; BARP, 2009, p. 67).

Que nenhum homem case com alguma mulher virgem, ou viúva honesta, que não passar de vinte e cinco anos, que será em poder de seu pai, ou mãe, ou avô vivendo com eles em sua casa ou estando em poder de outra alguma pessoa, com quem viver, ou a em casa tiver, sem consentimento de cada uma das sobreditas pessoas. E fazendo o contrário, perderá toda sua fazenda para aquele, em cujo poder a mulher estava, e mais será degradado um ano para a África (PORTUGAL, Ordenações Filipinas, Livro V, Título 22: Do que casa com mulher virgem ou viúva que estiver em poder de seu pai, mãe, avô, senhor, sem sua vontade).

Voltando às atribuições do Ministério Público, no Brasil imperial, foi iniciada a sistematização das ações de procurador. A Constituição de 1824 atribuiu ao “procurador da Coroa e da Soberania Nacional […] a acusação no juízo de crimes” e o Código de Processo Criminal do Império tinha “uma seção reservada aos promotores, com os primeiros requisitos para sua nomeação e o elenco das principais atribuições” (MAZZILLI, 1991, 06). De acordo com esse Código, as funções de promotoria de justiça eram:

Art. 37. Ao Promotor pertencem as atribuições seguintes:

1º Denunciar os crimes públicos, e policiais, e acusar os delinquentes perante os Jurados, assim como os crimes de reduzir à escravidão pessoas livres, cárcere privado, homicídio, ou a tentativa dele, ou ferimentos com as qualificações dos artigos 202, 203 e 204 do Código Criminal; e roubos, calunias, e injúrias contra o Imperador, e membros da Família Imperial, contra a Regência, e cada um de seus membros, contra a Assembléia Geral, e contra cada uma das Câmaras.

2º Solicitar a prisão, e punição dos criminosos, e promover a execução das sentenças, e mandados judiciais.

3º Dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões, e prevaricações dos empregados na administração da Justiça (BRASIL, Lei de 29 de novembro de 1832, Promulga o Código do Processo Criminal de primeira instância com disposição provisória acerca da administração da Justiça Civil).

A legislação imperial brasileira foi marcada pela “paradoxal conciliação liberalismo- escravidão” (WOLKMER, 2015, p. 90). O liberalismo conservador fundamentou a proposta de modernização brasileira, de superação do passado colonial, e se tornou “indispensável na projeção das bases da organização do Estado e na integração nacional” (ibidem, p. 93). A Constituição de 1824 e o Código de Processo Criminal devem ser compreendidos nesse contexto, em que não houve manifestação popular – pensando povo como a minoria branca e mestiça que tinha acesso à participação política – para formulação e consagração legais (GARCIA, 2012, p. 137).

No Brasil Império, a “comédia ideológica” se deu de modo diferente da hipocrisia europeia revolucionária (SCHWARZ, 1973, p. 151). Roberto Schwarz aponta que, se na Europa, as ideias liberais de trabalho livre e de igualdade escondiam as condições de exploração do trabalho sob a égide capitalista, no Brasil, o véu encobria outra coisa:

A Declaração de Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituição brasileira de 1824, não só não escondia nada como tornava mais abjeto o instituto da escravidão. A mesma coisa pra a professada universalidade de princípios que transformava em escândalo a prática geral do favor (SCHWARZ, 1973, p. 151)37.

A fórmula liberal de consagrar direitos individuais inalienáveis era contradita pela

37 A importação do que Roberto Schwarz chama de “ideias fora de lugar”, ou seja, trazer da Europa liberal ideias que constarão na legislação e nas discussões jurídicas brasileiras, não parece poder ser desconectada dos movimentos intelectuais e de desenvolvimento capitalista da época. Marilena Chauí destaca sobre isso que “essa importação é determinada pelo ritmo internamente necessário do capitalismo brasileiro para ajustar-se ao compasso da música internacional”. A autora segue comentando que “a importação não é indiscriminada nem recolhe in toto as constelações ideológicas metropolitanas” (CHAUÍ, 2014[1978], 26), o que ajuda a compreender como a Constituição imperial conjugou liberalismo e escravismo no texto legal.

pretensão de manutenção da maior parte da população em situação de escravidão, de subserviência e alheia à vida política (WOLKMER, 2015, p. 90). As ideias do Direito brasileiro constitucional estavam desconectadas das práticas sociais cotidianas de favor, de clientelismo e do regime econômico de base agrária e escravista: “a burocracia e a justiça, embora regidas pelo clientelismo, proclamavam as formas e teorias do estado burguês” (SCHWARZ, 1973, p. 154).

No caso das instâncias jurídicas estatais brasileiras, parece adequado dizer que as ações das procuradorias da Coroa e da Soberania ocorriam para controle: cuidar da lei significava proteger a ordem estabelecida. Ou seja, se correlacionava a proteção da lógica imperial e de sociedade estratificada. Também é relevante apontar que “o magistrado imperial ocupava uma dupla função de apaziguador dos conflitos sociais cotidianos e administrador público” (CARVALHO, 2010, p. 179), situação que possivelmente fazia borbulhar as disputas em torno de a quem era devida a proteção legal.

Acrescenta-se que o texto constitucional de 1824 não tinha compromisso com valores democráticos e, ao assegurar direitos, também se remetia às “desigualdades naturais” entre as pessoas. O discurso jurídico se mesclava ao discurso racial, que era acionado para justificar desigualdades e a manutenção das hierarquias (WOLKMER, 2015, p. 98 – 99), seja na Escola de Direito de Recife ou na Escola de São Paulo (a partir de marcos racialistas diferentes).

Dessa maneira, enquanto na Escola de Recife um modelo claramente determinista dominava, em São Paulo um liberalismo de fachada em cartão de visitas para questões de cunho oficial , convivia com um discurso racial, prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias, explicar desigualdades sociais. A teoria racial, quando utilizada, cumpria o papel de deixar claro como para esses juristas falar em democracia não significava discorrer sobre a noção de cidadania. Assim, se em Recife o indivíduo foi sempre entendido como uma amostra de seu grupo; em São Paulo, com a adoção de um liberalismo de cunho conservador e cada vez mais antidemocrático, a questão da cidadania como que desaparecia e com ela a vontade do indivíduo. Como dizia uma artigo publicado em 1914 na revista da escola paulista, "o indivíduo no Brasil sempre foi letra morta... e afinal, quem se importa" (SCHWARCZ, 1994, p. 142, grifos no original).

Como é possível notar, há conflitos sobre direcionamentos teórico-ideológicos que seriam adotados na formação e na atuação jurídica formal brasileira, além das tensões entre os códigos legais de viés liberal e a organização social brasileira imperial. Tensões traduzidas principalmente na formação e militância política abolicionista versus formação e militância voltada para a ajuste do Estado brasileiro nos moldes liberais e burocráticos, sem

questionamento do regime escravocrata.

Como exemplo das modificações legais em direção a certa garantia de direitos individuais, Wolkmer (2015, p. 99) cita que o Código Criminal do Império era “um avanço” em comparação “aos processos cruéis das Ordenações Filipinas”, embora mantivesse a pena de morte38. Segundo este autor, o Código se baseava no princípio da culpabilidade e da

proporcionalidade entre crime e pena, de inspiração no Iluminismo legal.

Outro exemplo dessa inspiração seria a adoção do princípio da pessoalidade, em que a aplicação da pena passou, na legislação, a ser restrita à pessoa condenada, sem ser estendida aos descendentes (WOLMER, 2015). Ressalta-se que o Código Criminal tinha a obediência ao regime escravista como valor e isso parece ter se traduzido no fato de as “penas mais graves previstas […] eram sempre destinadas aos escravos” (ibidem, p. 101). Esse tipo de norma não se referia à proteção de todas as pessoas, mas à proteção dos senhores e da propriedade privada da Casa Grande. Estava presente na legislação imperial, portando, o racismo colonial, como estrutura de poder, de assujeitamento e de hierarquização entre grupos sociais, no país.

A maior inovação imperial teria sido a criação do “Juiz de Paz”, em 1827, com função descentralizadora da atividade judiciária, e o estabelecimento do júri popular, criado em 1824 e reforçado em 1832 (ibidem, p. 111). As disputas em torno dessas duas experiências permaneceram ao longo do Brasil Império. Por exemplo, as funções e a abrangência do juízo de paz e do Júri foram alteradas duas vezes somente no período imperial.

O novo Código Criminal do Império também teve como objetivo firmar a autonomia brasileira no controle penal. Com a nova organização judiciária, pôde-se acabar com os rastros do sistema legal criminal português. No que tange à compreensão da formação do Ministério Público atual, foi esse Código Criminal que tornou a denúncia a ação principal da procuradoria da Coroa e da Soberania e a iniciativa do processo judicial em todos os casos que coubesse denúncia pela procuradoria da Coroa. Sobre a função da promotoria, Augusto Ferreira explica que:

o promotor seria nomeado pelo Presidente da Província, a partir de lista tríplice da Câmara Municipal, existindo um para cada termo da comarca. Não era requisitado o diploma de bacharel em direito para ocupar o cargo,

38 Camila Prando (2016) chamou atenção para o fato de que, muitas vezes, essa comparação evolutiva, entre uma suposta crueldade das práticas punitivas em direção a uma modernidade não cruel, faz parte de um modo de narrar a história das ideias penais que já contém, em si, uma valoração dos modos de punição modernos, que se consolidam a partir do século XVII. Entretanto, de acordo com Prando, há de se considerar que as punições taxadas como cruéis, a partir de uma perspectiva histórica, tinham significados e sentidos às épocas em que essas práticas eram amplamente utilizadas.

apesar da recomendação de que seriam preferidos os instruídos nas Leis. Dentre algumas de suas atribuições, estava a acusação dos criminosos perante o Júri e a de dar parte nos casos de negligência, omissão e prevaricações por parte dos membros da administração da Justiça. [em 1841, com a reforma do Código] Antes realizada somente por autoridades locais (vereadores, juízes de paz e párocos), o procedimento de listagem e revisão passaria a ter participação dos delegados, juízes de direito e promotores – autoridades nomeadas pelo governo central (FERREIRA, 2009, p. 04 - 07).

No que tange às mulheres e à honra masculina, o Código Criminal do Império não mais previa a pena de morte para mulheres acusadas de infidelidade marital, embora tenha mantido criminalização e penalização para elas. Talvez esse tenha sido um dos “avanços” citados por Wolkmer. O Código previa também punição para homens que tivessem cometido adultério, mas somente se mantivessem economicamente suas amantes. A seção III traz as seguintes penas, nesses casos:

Art. 250. A mulher casada, que cometer adultério, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a três anos;

A mesma pena se imporá neste caso ao adúltero;

Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente (BRASIL, Lei de 29 de novembro de 1832, Promulga o Código do Processo Criminal de primeira instância com disposição provisória acerca da administração da Justiça Civil, Seção III).

É possível dizer que o Código Criminal do Império manteve na letra da lei a preocupação, antes colonial, com a honra e manteve juridicamente não só a desigualdade entre homens e mulheres, mas também entre duas categorias de mulheres: as honestas (conceito baseado no controle da sexualidade feminina) e as prostitutas. A figura da mulher

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