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4 – A Política de Desenvolvimento: a inserção de Políticas Públicas na aplicação de Políticas de Desenvolvimento.

4.3 O Modelo de Desenvolvimento Regional como paradigma entre os anos de 1960 –

As argumentações para a seleção de uma nova escala geográfica de desenvolvimento fundamentavam-se na suposta tentativa de diminuir as disparidades regionais nas forças produtivas, aumentando a produtividade, de modo a integrar todo a país num projeto industrializante de envergadura nacional.

Se até as décadas de 1970/80 os estudos sobre região respondiam ao modelo/padrão de ordenamento ou “organização” do espaço para o “desenvolvimento nacional” (à medida que buscavam a inserção de áreas no sistema de competição do capital), a região era interpretada nas suas diferenciações. Considerava-se o estudo regional importante, por que aludia às diferenças regionais, estas que eram tanto apropriadas, quanto criadas, em proveito da reprodução do capital. A questão regional exercia papel fundamental e as regiões constituíam-se palcos de ações públicas e privadas que garantiram a expansão do capitalismo no Brasil.

A proposta de desenvolvimento regional nesse contexto estava em consonância com os pressupostos do regime de acumulação fordista que comandou a expansão capitalista no Brasil, até o final da década de 1970 do século XX, quando se chegou ao período de desaceleração econômica.

A classe dominante brasileira ainda perseguia a meta não concretizada de inserção do país no seleto grupo de nações industrializadas, porém a proposta cepalina já não exercia significativa influência, pois gestava-se uma modernização conservadora do parque produtivo, cujo elemento principal era a apropriação/dominação de novas regiões – subsumida num discurso de desenvolvimento regional – no bojo do processo de acumulação de capital em escala nacional, subordinada ao capital financeiro internacional.

A Política de Desenvolvimento Regional da Ditadura Militar apresentava-se sob a influência da teoria dos Pólos de Crescimento de François Perroux (1964). Segundo esse autor o desenvolvimento é resultado da combinação das transformações de ordem mental e social duma população que lhe possibilita o aumento cumulativo e duradouro do seu produto real global.

Esta teoria assentava-se numa compreensão de desenvolvimento que se imbricava perfeitamente com o corolário do pensamento do período no Brasil: mover os meios necessários para elevar substancialmente o total da riqueza produzida no país a despeito da estrutura e relação de classe predominante.

Despindo o estratagema das políticas de desenvolvimento territorial no Alto Sertão Sergipano: o (des)mascaramento da territorialização do capital por meio da sociabilidade reificante

Perroux postulava que o desenvolvimento não se irradiava uniformemente e ao mesmo tempo sobre o espaço, todavia os pólos de crescimento teriam a atribuição de servir como forças motrizes, de onde se propagaria o desenvolvimento para os lugares mais marginalizados.

O pólo de desenvolvimento é uma força motriz ou um conjunto formado por várias dessas unidades. Uma unidade simples ou complexa, uma empresa, uma indústria, um complexo de indústrias dizendo-se motrizes quando exercem efeitos de expansão sobre outras unidades que com ela estão em relação (PERROUX, 1964: p. 192).

Nesse sentido a política de desenvolvimento regional no Brasil calcada em estudos elaborados por varias instituições ligadas ao Estado brasileiro, especialmente a SUDENE, promoverá a implantação dos Distritos Industriais nas principais capitais brasileiras, elegendo-os como pólos de crescimento, que com fartos subsídios estatais tinham como propósito lograr a produtividade em diversos setores, a fim de aumentar o conjunto da riqueza nacional.

Porém é possível captar contradições no processo de materialização do postulado de Perroux pela política de desenvolvimento regional no Brasil. Perroux ressaltava em seus escritos, que os efeitos da força motriz, exercida pelo complexo industrial, deveriam concorrer para dinamizar a economia local, conforme vemos neste excerto:

O crescimento e o desenvolvimento dum conjunto de territórios e de populações não serão, por conseguinte, conseguidos senão através da organização consciente do meio de propagação dos efeitos do pólo de desenvolvimento.[...] Para que este objetivo seja alcançado, a grande empresa ou industria terá de reinvestir no local parte dos seus lucros e contribuir para o desenvolvimento técnico e humano. As regiões de crescimento e desenvolvimento acelerados deveriam (e não é o que acontece) auxiliar as regiões menos favorecidas (Ibid, p. 194).

Mas o que se observou no decorrer dos 20 anos, em que o desenvolvimento regional esteve na crista da onda das políticas públicas engendradas no país, foi a concentração e centralização do capital na região Centro-Sul do Brasil. Parte significativa da renda produzida no Nordeste brasileiro, por exemplo, tomava o caminho em direção sul, bem como os produtos industrializados nessa região dependiam, na sua maior parte, dos insumos comprados na região Sudeste. Destarte há que se destacar que a divisão nacional e internacional do trabalho condicionava o processo de desenvolvimento brasileiro, consolidando os papéis exercidos internamente, ao tempo que aprofundava a inserção/subordinação ao capital mundial.

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Araújo (2000), a partir de Francisco de Oliveira afirma que o modelo de desenvolvimento caracteriza o desaparecimento do arquipélago regional brasileiro e a constituição de uma economia nacional regionalmente localizada38.

Ou seja, sob a ótica da acumulação, as regiões deixaram de existir (como lócus de acumulação autônoma), embora não se dê uma homogeneização total. Ao contrário especificidades locais existem, e novas até são criadas. Mas as dinâmicas regionais se soldam na expansão e na crise (ARAÚJO, 2000: p. 19 e 20).

A política de desenvolvimento regional no Brasil chega, em meados da década de 1970, amalgamado a problemas que só reforçavam a sua inexequibilidade. A tão aguardada melhora no desenvolvimento desigual das regiões brasileiras sucumbiu-se diante da dinâmica desigual engendrada pelo próprio processo de acumulação capitalista. Além disso, conforme Gómez (2006) os pólos de desenvolvimento – espinha dorsal do discurso econômico militar – tornaram- se fontes de um colapso financeiro diante dos estratosféricos custos de implantação dos distritos industriais. As sucessivas crises que enredam o capitalismo na década 1970 provocam mudanças no funcionamento da economia mundial, tendo rebatimentos nas economias nacionais.

Naquela ocasião os desdobramentos da crise do capitalismo impuseram abertura das economias regionais/nacionais (LISBOA, 2007).

Este movimento, em consonância com os Estados-nacionais diminuiu as barreiras espaciais, fazendo com que a produção mudasse de lugar, valorizando as diferenciações entre os lugares, que passaram a se constituir atrativas, levando esses lugares a serem capturados, transformados em territórios para o consumo (HARVEY, 2005). A partir daí, se altera a lógica do desenvolvimento regional que começa a ser comandado pelo lugar, enquanto território, e este passa a responder pelo conteúdo espacial produzido.

O desenvolvimento regional, na nova realidade, ou seja, desde os anos 1980/90, procura se realizar na busca de territórios dinâmicos - enquanto parcelas do espaço dominado/apropriado pelo exercício do poder do capital, ou das empresas, sofrendo interferências de políticas públicas e privadas. Dessa forma os lugares entram em disputa uns com os outros, para ver quem consegue atrair mais investimentos e oferecer mercado e mercadorias específicas, conforme exigências da acumulação flexível.

Nesse sentido é organizado um novo processo de acumulação que pressupõe a intensificação na reestruturação produtiva – considerando que sendo um processo, ela já vinha

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sendo gestada – elevação da precarização do trabalho e uma nova/velha orientação política do Estado capitalista. Esta consiste da implantação do neoliberalismo travestido de redentora saída ao suposto abismo em que se encaminhava as relações capitalistas, diante de sua contradição indissolúvel: relações de produção versus desenvolvimento da força produtiva.

Com o neoliberalismo o Estado tem seu raio de atuação redefinido39, devendo ater-se às garantias de acumulação do capital em patamares sempre maiores e mais imunes às perturbações, advindas da dinâmica da luta de classes. Dessa forma, o Estado de inspiração Keynesiana deixa de imprimir o ritmo das políticas públicas, metamorfoseando-se em uma organização supraestrutural que aparenta estar ausente, estando devidamente presente. Ou seja, os propósitos estatais imiscuir-se-ão com o do capital ao tempo que procura fazer-se representar, diante dos trabalhadores, com uma política social austeramente enxuta.

[...] o Estado mínimo que os neoliberais advogam não é um retorno puro e simples ao “Estado guarda-noturno” que é o seu ideal – são forçados a reconhecer-lhe um pouco mais que a mera guarda da propriedade: por um lado, combatem os sistemas de segurança e previdência social; por outro, toleram alguma ação estatal em face do pauperismo (NETTO, 2001: p. 79 e 80).

Nesse contexto é eleita uma nova política de desenvolvimento pautada, agora, no local. Muda-se a escala de beneficiamento, como também a iniciativa de promovê-lo. Isso significa que os efeitos do neoliberalismo se mostram altissonantes nesse modelo de desenvolvimento, pois o Estado, que era o principal indutor do mesmo, tem seu papel reconfigurado, devendo, nesse momento, colaborar, secundariamente, nas iniciativas que partirão dos atores locais.

39 É importante frisar que a proposta neoliberal não é o esvanecimento do Estado, mas uma roupagem diferenciada.

A crítica de Netto (2001) é esclarecedora sobre o Estado neoliberal “A grande burguesia monopolista e o oligarquia financeira, em todas as latitudes,[...] desejam e pretendem em face da crise contemporânea da ordem do capital, é erradicar mecanismo reguladores que contenham qualquer componente democrática de controle do movimento do capital. [...] não é ‘reduzir a intervenção do Estado’, mas encontrar as condições ótimas (hoje só possíveis com o estreitamento das instituições democráticas) para direcioná-la segundo seus particulares interesses de classe” (Ibid, p. 80 e 81).

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