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O Modelo do Espectro Impulsividade/Compulsividade

VII. Obsessões religiosas

2.3 O Modelo do Espectro Impulsividade/Compulsividade

Nos últimos anos tem havido um aumento do interesse nos modelos de espectro no diagnóstico das psicopatologias, em oposição às categorias estanques propostas no DSM-IV e

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na CID-10. Perfis comportamentais e sintomatológicos podem incluir diversas categorias, e numa avaliação diagnóstica mais rigorosa predominam os quadros de comorbidades.

Alguns autores (Stein, 2000; Bienvenu et al, 2000; Nurnberg, Keith & Paxton,1997; Skodol & Oldham, 1996; Hollander & Cohen, 1996) têm proposto a utilização de um modelo de espectro no desenvolvimento de desordens impulsivas e compulsivas, uma vez que a pesquisa psicobiológica tem levado à descoberta de anormalidades em funções neurotransmissoras específicas, numa ampla variedade de desordens distintamente classificadas. O crescente número de pesquisas focadas em anormalidades nas funções serotoninérgicas e a experiência positiva, resultante da utilização dos inibidores da recaptação da serotonina, em quadros psicopatológicos diversos, como TOC, depressão, fobias e transtornos alimentares, sugerem a necessidade de uma reavaliação das categorias atualmente em uso para a identificação de transtornos psicopatológicos.

Entre os transtornos impulsivos estão incluídos os transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas, as parafilias, a bulimia e a cleptomania, enquanto que os transtornos compulsivos envolvem o transtorno obsessivo-compulsivo, a anorexia nervosa, o transtorno dismórfico corporal, a hipocondria e a tricotilomania (Skodol e Oldham, 1993). Ambos os transtornos impulsivos e compulsivos envolvem uma falha em resistir a um impulso em agir de uma maneira que é potencialmente auto-danificadora, e ambos compartilham a característica da diminuição da habilidade para inibir respostas motoras a estados afetivos (Kavoussi & Coccaro, 1993), o que resulta no desempenho de comportamentos repetitivos. Porém, no pólo impulsivo do espectro de TOC encontra-se a busca do risco e do prazer , enquanto na outra extremidade, no pólo compulsivo, tem-se a fuga do risco e do sofrimento. Para Stein e Hollander (1993), compulsividade e impulsividade representam dois pólos em um continuum de controle versus desinibição, incluindo o TOC no primeiro extremo e o transtorno de personalidade borderline no segundo. Conforme estes autores, fazem parte deste espectro, além dos dois transtornos acima citados, o transtorno dismórfico corporal, o transtorno de despersonalização, a anorexia nervosa, a hipocondria, a tricotilomania, a Sindrome de Tourette, as compulsões sexuais,o jogo patológico, e o transtorno de personalidade impulsiva (que inclui borderline e personalidade anti-social). A inclusão do TOC no pólo controle está adequada com algumas características deste transtorno: a necessidade de ordenar, classificar, limpar, checar, refazer, assim como a presença de regras rígidas no desempenho dos comportamentos ritualizados. Porém, o próprio caráter repetitivo do comportamento compulsivo e sua natureza ego-distônica, indicam também uma incapacidade em inibir certos comportamentos, o que poderia incluí-lo no outro pólo. Os

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autores que utilizam o modelo do espectro impulsividade/compulsividade na abordagem do TOC ressaltam que a distinção entre comportamentos impulsivos e compulsivos não apresenta uma fronteira claramente definida, e alguns transtornos podem ter características impulsivas e compulsivas, situando-se no meio do eixo espectral, entre estes dois extremos. Contudo, vale ressaltar que a própria distinção entre compulsividade e impulsividade, não é claramente estabelecida: no dicionário, encontramos compelir como sinônimo de impelir . Esta confusão reflete-se na maneira diversa com que os autores que utilizam este referencial, distribuem os transtornos ao longo do eixo.

Nos últimos anos tem sido buscada a associação entre certos genes e vários transtornos comportamentais, tendo sido descoberto que uma alteração genética previamente encontrada como associada ao alcoolismo, também é encontrada em maior freqüência entre pessoas com outro transtorno aditivo, compulsivo ou impulsivo, como abuso de drogas, tabagismo, comer compulsivo e obesidade, transtorno de deficit de atenção, TOC, Síndrome de Tourette e jogo patológico, o que vem a reforçar a idéia do modelo de espectro. Alguns autores (K.Blum, J.G.Cull,E.R.Braverman e D. E. Comings, 1996) acreditam que estes transtornos são ligados entre si por um substrato biológico comum, o sistema cerebral que propicia prazer no processo de recompensar certos comportamentos.

Parece promissora a contribuição do modelo de espectro, na medida em que as pesquisas têm confirmado a sobreposição de sintomas em quadros diversos e mostrado alguns sistemas neurofisiológicos equivalentes. Além disto, embora a distinção entre impulsividade e compulsividade não esteja claramente definida, a inclusão do TOC neste continuum reforça a importância da compreensão dos fenômenos envolvidos, incluindo aqui o comportamento de busca de prazer, e o mecanismo de inibição e desinibição das ações, assim como seus correspondentes substratos biológicos.

2.3.1 O TOC e seus Transtornos-irmãos : A Síndrome de Tourette e o Transtorno de Tiques

Dentro do espectro compulsividade/impulsividade , encontramos dois transtornos comumente associados ao TOC: o transtorno de Tourette e o transtorno de tiques.

No DSM-IV, o transtorno de Tourette, também conhecido como síndrome de Tourette, está incluído numa categoria maior dos transtornos de tique, que inclui também o transtorno de tique motor ou vocal crônico, o transtorno de tique transitório e o transtorno de tique sem

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outra especificação. Considera-se como tique um movimento motor ou uma vocalização súbita, rápida, recorrente, não rítmica e estereotipada.

Frequentemente os pacientes com TOC apresentam como comorbidade a síndrome de Tourette(ST), e outros transtornos de tique e vários aspectos contribuem para a sugestão de uma correspondência entre estes dois transtornos. Há uma grande incidência de TOC e transtornos de tique entre familiares de pacientes com síndrome de Tourette, e vice-versa. Os sintomas de ambos os transtornos são similares e se superpõem : pacientes com síndrome de Tourette apresentam com freqüência sintomas obsessivo-compulsivos, mesmo de maneira transitória, e a presença de tiques em pacientes com TOC também é comum. Estudos relacionados à neuroquímica destes transtornos, mostram uma exacerbação dos sintomas da ST com a utilização de agonistas da dopamina, e uma resposta terapêutica com a introdução de bloqueadores da dopamina, enquanto que a resposta terapêutica do TOC se dá através de medicações serotonérgicas. Estes resultados sugerem que a ST apresenta-se como um transtorno da função dopaminérgica, enquanto o TOC vem sendo considerado como um transtorno da função serotonérgica. Contudo, numa avaliação mais cuidadosa, o quadro se mostra mais complexo: existe uma interligação significativa entre as vias serotonérgicas e dopaminérgicas. Agentes dopaminérgicos podem desencadear uma série de estereotipias que se assemelham a sintomas obsessivo-compulsivos, estando diretamente envolvidos no sintoma de colecionismo. O TOC nem sempre responde a medicações serotonérgicas, e alguns pacientes com TOC respondem bem a bloqueadores da dopamina.

A síndrome de Tourette é definida como um fenômeno compulsivo caracterizado por uma série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, tendo seu início antes dos 18 anos, e acometendo com uma freqüência três a quatro vezes maior o sexo masculino. Estudos de prevalência têm mostrado uma taxa de 1 % a 2,9%, mas este índice é dez vezes maior em crianças e adolescentes. Porém, os estudos também têm indicado que 40% dos pacientes estarão livres dos tiques até o final da adolescência. O início da apresentação dos sintomas costuma ser entre 5 e 10 anos, e estes tornam-se mais pronunciados entre 10 e 13 anos.

Este transtorno foi descrito como uma síndrome pela primeira vez ,em 1884, por George Gilles de la Tourette, no Hospital Salpetriere, na França, ao observar pacientes que apresentavam múltiplos tiques motores e vocais, geralmente obscenos ou bizarros. Essa síndrome foi depois batizada por Charcot com o seu nome. Para Charcot, que teve um papel importante nos primórdios da psicanálise, influenciando Freud na investigação dos fenômenos histéricos, existiam dois tipos de tiques: o tique neurológico, que era considerado o

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verdadeiro , e o histérico, de etiologia psíquica. Desde então, a síndrome de Tourette vinha sendo avaliada como psicogênica, porém, a partir da década de 50, com os avanços na compreensão dos processos psicobiológicos, começaram a ser criadas hipóteses para uma origem biológica deste transtorno. A apresentação de múltiplos tiques após infecções estreptocócicas, com comprometimento dos gânglios basais, tem sido observada, o que vem a reforçar tais hipóteses.

Embora não exista ainda uma compreensão precisa de sua etiologia, a síndrome de Tourette é hoje considerada como um transtorno de natureza neuropsiquiátrica e provável origem genética, havendo uma taxa de concordância maior que 50% para gêmeos monozigóticos, enquanto que para gêmeos dizigóticos é de aproximadamente 10%.(Loureiro et al, 2005; Hounie e Petribú, 1999).

Foram apresentados os conjuntos mais significativos de caracterizações e classificações do transtorno obsessivo compulsivo: DSM-IV, Rasmussen e Eilen, Leckmann e Rapoport. Cada sistema de classificação apresenta agrupamentos segundo concepções explicativas diversas, abarcando também as próprias definições de obsessões e compulsões e discriminando conteúdos homogêneos. Interessa-nos usar tais classificações como parâmetro, e adotar o princípio de busca da raiz ou centro da sintomatologia, conforme proposto por Rapoport, mas com a peculiaridade de conduzir a análise para a identificação dos sistemas funcionais, sob a inspiração da perspectiva evolucionista.