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VII. Obsessões religiosas

2.4 Os principais modelos psicológicos do TOC

Na busca da compreensão dos transtornos mentais, vários modelos foram sendo desenvolvidos ao longo do século XX, cada qual trazendo sua concepção sobre o funcionamento psíquico, cada qual trazendo o seu olhar sobre o lugar que o homem ocupa no mundo, a partir de diversos referenciais teóricos, e mesmo filosóficos, que ora privilegiam abordagens empíricas, ora levam o seu foco para reflexões analíticas. Neste contexto, foram escolhidos dois modelos que trazem uma contribuição específica para a compreensão do transtorno obsessivo-compulsivo, dada uma longa história de investigação teórico-clínica deste fenômeno.

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2.4.1 O TOC e a Psicanálise

A investigação dos estados obsessivos, teve uma contribuição fundamental na construção dos alicerces da teoria psicanalítica e de sua formulação do conceito de inconsciente. Contudo, constitui-se como um paradoxo o fato de que há poucas evidências, atualmente, da eficácia da psicanálise no tratamento desta patologia (Stein, 1997; Nemiah, 1984)

Um dos casos clínicos mais bem estudado por Freud refere-se a um quadro obsessivo: o caso do homem dos ratos , presente em Notas sobre um caso de neurose obsessiva

(Freud, 1909).

Freud via a idéia obsessiva como um substituto de uma idéia original ameaçadora à integridade do ego. Segundo Freud, a neurose obsessiva se origina a partir de uma incompatibilidade enfrentada pelo ego, ao se deparar com idéias, experiências ou sentimentos, que desencadeiam um afeto de tal maneira perturbador, geralmente de natureza sexual, resultando num esforço defensivo para suprimir tais idéias, separando-as de seu afeto, que então se liga a outras idéias que não são por si incompatíveis, e que se tornam idéias obsessivas.

Ainda de acordo com a teoria psicanalítica, os sintomas do transtorno obsessivo- compulsivo se formam a partir de uma regressão defensiva a uma organização psíquica pré- genital caracterizada por ambivalência, impulsos anais excessivos e preocupação com questões relacionadas a controle, agressão e sujeira, e pela influência de um superego severo e punitivo. Para Freud, os sintomas obsessivo-compulsivos são apenas aparentemente sem sentido, isto é, ...nas ações obsessivas tudo tem seu significado e pode ser interpretado. (Freud, 1907), na perspectiva do paciente. Assim, idéias obsessivas de caráter agressivo, eram compreendidas como resultado de impulsos agressivos reprimidos, da vivência de sentimentos ambivalentes de amor e ódio relacionados ao conflito edípico. As obsessões por ordenação estariam relacionadas a uma tentativa de controle destes impulsos.

Ernest Jones, outro autor importante nos primórdios da psicanálise, publicou em 1913 Ódio e Erotismo Anal na Neurose Obsessiva , seguindo a proposição de Freud ao afirmar que o conflito entre amor e ódio subjaz à alternância entre a compulsão e a dúvida na neurose obsessiva, caracterizada por impulsos libidinais sádicos, próprios da fase anal de desenvolvimento psíquico.

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Segundo Stein(1997), enquanto o conceito de erotismo anal proposto por Freud e Jones, é cada vez mais discordante dos constructos psicológicos atuais, a sugestão de estruturas cerebrais cognitivo-afetivas, intimamente ligadas com sujeira e contaminação, presente nas atuais investigações psicobiológicas do TOC, permanece intrigante.

Uma outra contribuição da abordagem psicanalítica diz respeito à similaridade apontada por Freud entre os mecanismos de formação de obsessões e compulsões e os processos de formação dos tabus; rituais religiosos podem ser entendidos como elaborações obsessivas coletivas. Este tema será retomado no tópico ...

2.4.2 A teoria da aprendizagem e o modelo comportamental do TOC

Os autores que utilizam o referencial comportamental para a compreensão do TOC, acreditam que os sintomas do TOC foram aprendidos, através dos processos de condicionamento clássico e condicionamento operante. O modelo comportamental do TOC, considera que a ansiedade vivenciada pelos pacientes com TOC, é uma resposta que ficou condicionada, em algum momento da sua história de vida, a certos estímulos que inicialmente eram neutros. Esta ansiedade pode ter sido desencadeada inicialmente por algum evento traumático ou situação de grande estresse. Estímulos neutros, por contingência (isto é, por ter ocorrido ao mesmo tempo) se tornam posteriormente estímulos desencadeadores de ansiedade. Estes estímulos podem ser objetos, lugares, ou mesmo pensamentos (que se tornam então as idéias obsessivas), e podem se tornar generalizados, e assim, outros estímulos semelhantes ou que ocorreram num momento próximo, também passam a desencadear ansiedade. Casualmente estes indivíduos descobrem que os rituais e os comportamentos de evitação reduzem esta ansiedade, e assim estes comportamentos são reforçados, e por meio de um processo de condicionamento operante, passam a ser desempenhados sucessivamente toda vez que a ansiedade é desencadeada. Este modelo, contudo, não explica uma qualidade que é justamente a mais marcante no transtorno obsessivo-compulsivo: a universalidade de seus sintomas. Assim, se na abordagem comportamental, compreende-se que os comportamentos se tornam ritualizados, por uma contingência casual com as idéias geradoras de ansiedade, como explicar a homogeneidade dos rituais compulsivos? Da mesma maneira, como explicar que as idéias geradoras de ansiedade, que se tornam as idéias obsessivas, apresentam igualmente uma uniformidade em seus conteúdos?

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ênfase na investigação dos processos cognitivos, identificando nos indivíduos com TOC a presença de crenças errôneas ou distorcidas. Tais crenças estão baseadas principalmente numa exacerbação da própria responsabilidade, o que gera um constante sentimento de culpa, e numa exacerbação da própria fragilidade. Assim, por exemplo, no primeiro caso o indivíduo pode se sentir responsável por causar uma catástrofe ou impedi-la com a realização dos rituais compulsivos, enquanto no segundo caso pode exagerar no risco de contrair alguma doença. Outra crença errônea está relacionada a uma valorização excessiva dos próprios pensamentos, como a idéia de que pensar em algo ruim pode fazer com que isto aconteça.

Outra inadequação nos processos cognitivos do indivíduo com TOC, está ligada a um desajuste no mecanismo de retroalimentação (feedback), que gera a constante sensação de que as ações não foram completadas, levando à repetição e a sensação de dúvida constante.

A forma mais comum de terapia cognitivo-comportamental do TOC baseia-se na exposição e prevenção de resposta: o paciente é exposto a situações que usualmente desencadeiam suas obsessões ou compulsões e treinado a evitar que estas aconteçam, num processo de dessensibilização.

Tendo como referencial o modelo comportamental, Pitman investiga a psicobiologia dos comportamentos compulsivos, propondo uma distinção empírica da aprendizagem em hábito e memória para a sua compreensão, referindo-se a proposição de Mishkin et al. (1984), baseada em experimentos com primatas, da existência de dois sistemas neurais maiores, um sistema de hábito corticoestriatopalidal, ligado aos gânglios basais, filogeneticamente primitivo, e um sistema de memória corticolimboencefálico, mais avançado. O sistema de hábito funcionaria de acordo com o modelo estímulo-resposta da teoria comportamental de aprendizagem, e o sistema de memória envolveria processos cognitivos mais complexos. Pitman afirma que o reforço ou recompensa teria um papel fundamental na gênese do comportamento compulsivo, desde suas formas mais simples, como tiques, até o transtorno obsessivo-compulsivo.

Não se pode negar o papel reforçador das ações compulsivas : remetendo-se a proposição feita por Blum e colegas (1996) de que os transtornos do espectro impulsivo/compulsivo compartilham uma alteração ou disfunção no sistema cerebral que propicia prazer no processo de recompensar certos comportamentos, faz-se importante neste ponto ater-se a compreensão do funcionamento deste sistema.

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2.5 O papel do sistema cerebral de reforço/recompensa, prazer ou busca no