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Parte I – Revisão da literatura e enquadramento teórico

2. Contabilidade Pública

3.1 O modelo contingencial das inovações da contabilidade pública

3.1.3 O modelo do Processo de Reforma da Gestão Financeira

Como referido, Lüder (2002) mudou a designação do seu modelo para “Modelo do Processo de Reforma da Gestão Financeira”. Mantendo a perspetiva contingencial, entendeu que a reforma do sistema contabilístico se insere num processo mais alargado de reforma do sistema de gestão financeira pública em geral, o qual poderá ser mais ou menos suscetível a inovações e reformas de acordo com uma combinação de fatores contextuais (por exemplo, organização administrativa e ordenamento institucional), comportamentais (incluindo quem

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promove, orienta e é afetado pelas reformas, como os políticos e os técnicos administrativos) e instrumentais (como sejam a forma de implementação e o tipo de inovações em si, designadamente a passagem de um sistema em regime de caixa para um em regime de acréscimo). A conjugação destes fatores permitem identificar contextos com influências mais ou menos favoráveis especificamente nos resultados do processo da reforma da contabilidade pública dos diversos países. A componente principal do modelo, tal como na sua versão inicial, são os estímulos para o processo da reforma, como seja o caso de uma crise financeira no país (Jorge, 2005).

Esta versão mais atual do modelo (Figura 5), embora continuando a dar muita importância às variáveis contextuais, corrige a ênfase no contexto sobre o comportamento dos atores da reforma. Além disso, estabelece a ligação dos comportamentos e atitudes dos atores no processo da reforma, com os resultados da reforma, permitindo que o modelo seja aplicado nas diversas fases do processo, ou seja, antes das reformas acontecerem, mas também a posteriori (Jorge, 2003).

Segundo Jorge (2003, p. 1): “O Modelo de Contingência do Processo de Reforma da Gestão Financeira Pública, do professor Lüder, é uma ferramenta que esclarece essencialmente a relação entre variáveis contextuais e comportamentais e a condução a reformas num sistema de contabilidade pública de um determinado país, de modo que este se torne mais informativo”.

O Modelo (inicial) de Contingência distingue claramente os utilizadores e os produtores/preparadores da informação contabilística, apresentando-os em módulos separados (Lüder, 1994; Jaruga & Nowak, 1996). No Modelo FMR a dicotomia entre os utilizadores e os produtores foi ultrapassada.

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Figura 5 – Modelo do Processo de Reforma da Gestão Financeira

Fonte: Lüder (2002, p. 24)

O modelo FMR (Figura 5) relaciona dois conjuntos de variáveis contextuais (estímulos e ordenamentos institucionais), três de variáveis comportamentais (indutores da reforma, promotores políticos da reforma e stakeholders) e dois de variáveis instrumentais (conceito da

ESTÍMULOS  Crise Económica/Financeira  Escândalo Financeiro  Doutrina Dominante  Requisitos da Reforma do Sector Público RESULTADO DA REFORMA OU DE UMA FASE DA REFORMA Linhas de Influência

Linhas de Impacto Feed Back Loops

ESTRATÉGIA DE IMPLEMENTAÇÃO  Autoritária/ Participativa  Orientação Central  Uma fase ou várias fases

INDUTORES DA REFORMA  Comissões Governamentais  Associações Profissionais  Instituições de Auditoria  Entidades Normalizadoras  Empresas de Consultoria  Redes de investigadores e académicos  Comunidades Epistémicas

PROMOTORES POLÍTICOS DA REFORMA  Membros do Governo  Membros do Parlamento CONCEITO DA REFORMA ORDENAMENTOS INSTITUCIONAIS  Sistema Legal  Estrutura do Estado  Estrutura Administrativa  Função Pública  Cultura STAKEHOLDERS  Público em Geral  Parlamento  Departamentos/ Direcções/Divisões  Gabinetes de Estatística

 

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reforma e estratégia de implementação). Estes grupos de variáveis relacionam-se entre si por ligações de influência, impacto e feedback (Lüder, 2002).

No que respeita às variáveis do Modelo FMR, pode-se referir o seguinte (Lüder, 2002):  Estímulos – os estímulos permanecem, em geral, inalterados durante um período de tempo

relativamente longo. Contudo, no Modelo FMR a crise orçamental enquanto estímulo para as reformas, foi substituída por uma crise económico-financeira, na qual geralmente está subjacente o fator da crise orçamental. Os requisitos de informação derivados de uma reforma administrativa foram adicionados para tornar claro que a reforma da contabilidade do sector público pode ser incluída num processo mais alargado de reformas administrativas. Os estímulos são considerados somente como tendo impacto direto no comportamento dos políticos responsáveis pela iniciação/promoção da reforma.

 Indutores da reforma – correspondem aos profissionais e instituições que possuem algum reconhecimento, moldam a reforma de acordo com o que entendem mais adequado às suas preferências e promovem a reforma através da sua publicitação oral ou escrita. Eles tentam tornar a reforma num assunto político, influenciando deste modo as decisões políticas. Os mesmos fornecem os motivos dos problemas e as suas soluções.

 Promotores políticos da reforma – todas as reformas necessitam de promotores ou iniciadores (e.g., os políticos que iniciam a reforma e possuem o poder para a tornar efetiva). Estes promotores normalmente são membros do governo. No que diz respeito à reforma da contabilidade pública, em geral o Ministro das Finanças e o Primeiro-Ministro de um dado país desempenham um papel chave. O papel do Ministro das Finanças não é apenas político, mas também de um profissional promotor da reforma em termos políticos. Isto quer dizer que possui um papel chave de orientar a reforma de acordo com os conselhos dos indutores da reforma.

 Ordenamentos institucionais – abrangem as variáveis contextuais e estruturais, na versão anterior do modelo, considerados fatores sociais, políticos e barreiras à implementação. Apesar das várias categorias permanecerem bastante amplas Lüder (2002) expõe algumas explicações adicionais: sistemas legais – em termos gerais, podem ser classificados em sistemas de direito civil e de direito comum – diversos sistemas legais podem estar associados a diferentes tipos de governações. O sistema legal também envolve o sistema eleitoral e a flexibilidade da lei do orçamento; estrutura administrativa – alude-se a características organizacionais, da administração e da divisão de poderes entre unidades

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organizacionais, nomeadamente: centralizada/descentralizada, concentração/fragmentação das funções de gestão financeira; função pública – refere-se à qualificação dos funcionários públicos em geral, e dos da área da contabilidade em particular, pela influência que têm na implementação da reforma (modo, custo e duração); cultura – menciona-se a cultura social, política e administrativa nacional, que pode ser particularmente descrita como “favorável ao risco/aversa ao risco”, “individualismo/coletivismo”, o “grau de abertura” dos processos políticos e administrativos e o seu “grau de resposta” às carências e reivindicações do público em geral.

 Stakeholders – correspondem às instituições ou pessoas que influenciam de forma positiva ou negativa a reforma (mas não são os indutores da reforma nem os promotores políticos), sendo também afetados por ela, tais como o público em geral, o Parlamento, os departamentos governamentais e organizações públicas e as instituições responsáveis pelas estatísticas nacionais. Os promotores tendem a moldar a reforma seguindo os indutores, pelo que, deste modo, tenderão a ter visões da reforma que são aproximadas, enquanto a visão dos stakeholders se distancia daqueles. As capacidades dos stakeholders para influenciar a implementação da reforma dependem da sua posição e poder formal no processo da reforma.

 Conceito da reforma – corresponde às inovações que permitem que o sistema de contabilidade pública ofereça informação mais útil de forma a garantir a adequada prestação de responsabilidades financeiras (accountability) e apoiar a gestão financeira; abrange mudanças conceptuais e não somente nos procedimentos. Possui um impacto direto na estratégia de implementação.

 Estratégia de implementação – a estratégia de implementação influencia o sucesso ou o fracasso da reforma, bem como os desvios entre o conceito pretendido para a reforma e o resultado finalmente obtido. Na implementação da reforma as estratégias têm determinadas características, podendo ser mais autoritárias ou mais participativas, conduzidas centralmente ou por nível de governo, envolvendo uma ou várias fases com ou sem teste piloto, com um período de implementação mínimo ou considerável, e ainda com ou sem o treino sistemático das equipas.

Os feed back loops correspondem às linhas representativas das consequências no mundo real dos resultados da reforma (ou de uma das suas fases), desta forma possibilitando a ligação dos comportamentos e atitudes dos atores centrais no processo de reforma, aos

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resultados, tendo em conta a possibilidade de um processo multi-faseado (Lüder, 2002). Consoante a dimensão das diferenças ainda existentes entre o resultado e o conceito inicialmente estabelecido para a reforma, o feed back conclui o processo ou inicia uma nova fase, com ou sem modificação do conceito da reforma (Lüder, 2002).

3.1.4 Aplicações do Modelo de Contingência e do Modelo FMR às reformas na