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O mundo das crianças e a Literatura Infantil

Como constatámos nos pontos anteriores, a educação ambiental é considerada como uma resposta pragmática aos problemas da degradação ambiental, com que nos deparamos actualmente. Numa educação a favor do ambiente, é consensual que seja estimulada a construção de uma proposta formativa para que os indivíduos se tornem conscientes e comprometidos com a conservação e desenvolvimento da sua comunidade, bem como do Planeta. Neste sentido, esta proposta, baseada numa democracia planetária, exige a constante presença de uma cidadania local e activa, a qual deverá ser cultivada desde muito cedo no desenvolvimento humano.

Neste sentido, importa considerar a criança como actor social, capaz de operar mudanças e de contribuir plenamente para uma modificação social de atitudes e comportamentos mais pró-ambientais. De facto, as crianças revelam uma curiosidade inata sobre os fenómenos e acontecimentos que as rodeiam, sendo capazes de elaborar perspectivas, opiniões e juízos críticos que as ajudam a dar explicações às temáticas ambientais. Para além disso, elas podem ter um efeito positivo nos conhecimentos e atitudes dos adultos, facilitando a mudança, embora sem a influir de forma directa. Assim, por exemplo, pais e filhos integram um processo recíproco de influência social, pressupondo, de ambas as partes, o desempenho de um papel activo.

Tal como aponta Saramago (2001), as crianças possuem um complexo conjunto de características, de práticas e de representações singulares que lhes concedem uma identidade única. Todavia, esta perspectiva acerca da criança é

uma ideia moderna e resultado de uma construção histórica. Em meados do séc. XIX aviva-se a reflexão sobre a criança, emergindo novas disciplinas, nomeadamente a Pedagogia, a Pediatria e a Psicologia do Desenvolvimento. Estas áreas do saber, para além de contraporem as teorias antecedentes que viam a criança apenas como um adulto em miniatura, deram origem às modernas abordagens interpretativas da infância. Muda-se de concepções que caracterizavam a criança como indefesa, sujeito social passivo (dependente do meio e dos adultos), para perspectivas que definem a criança como construtora social do seu mundo e de si própria, ganhando reconhecimento a especificidade do mundo infantil.

Em 1989, com a Convenção dos Direitos das Crianças, as Nações Unidas, para além de exporem os direitos civis e políticos das crianças, enfatizam a contribuição das mesmas nas tomadas de decisão, em assuntos seus, a nível local, regional, nacional e internacional, conferindo-lhes o poder de participação pública. No entender de Soares (2005), esta participação pressupõe exactamente o respeito pelos direitos da criança: de ser ouvida e consultada; de liberdade de expressão e opinião; de acesso à informação e da tomada de decisões em seu benefício. Efectivamente, a criança passou a ser reconhecida como indivíduo pleno e com uma perspectiva própria, não tendo menores capacidades do que os adultos, mas sim capacidades diferentes. A infância é, então, assumida como um mundo diferente e independente do mundo adulto, no qual a criança se afirma no seio de um grupo social próprio, influenciado por factores sociais externos (Saramago, 2001). Neste sentido, em várias etapas, a criança constrói a representação do mundo físico, arquitectando a sua representação do mundo social. Todavia, a forma como cada sujeito vivencia cada etapa é condicionada pela amplitude da informação que é capaz de reger, a qual vai crescendo de acordo com a actividade de cada indivíduo (Liublinskaia, 1979). Este enfoque cognitivo-estrutural sobre o desenvolvimento do conhecimento social das crianças tem gerado abordagens e perspectivas divergentes. Assim, alguns autores, como é o caso de Piaget, acreditam que existe um progresso homogéneo, em que o sujeito constrói determinadas estruturas, aplicando-as em diferentes campos. Paradoxalmente, outros autores ostentam a ideia de existirem desenvolvimentos distintos, que se processam em áreas e ritmos diferentes. Por fim, numa posição intermédia, alguns defendem que existem algumas estruturas gerais, comuns a

todos os indivíduos, e outras parciais, específicas de cada indivíduo e que se desenvolvem de forma independente (Coelho, 2005).

Para além do exposto, importa salientar que uma das características primordiais na representação infantil do mundo social é que a criança está muito centrada na realidade que a rodeia, tendo dificuldade em efectuar uma descentralização e, por conseguinte, a mudança social não ocorre facilmente (Liublinskaia, 1979). No entanto, as crianças não são apenas sujeitos com interesses individuais, são também membros de uma comunidade social e têm interesses que fazem parte dos interesses colectivos dessa unidade (Soares, 2005). Assim, assumindo características divergentes, adultos e crianças relacionam-se na sua diferença e similaridade.

Com o novo paradigma New Sociology of Childhood, que surge no início dos anos 90 e com a construção de uma imagem da criança como sujeito activo de direitos e deveres, verificou-se um aumento da investigação sobre crianças, inclusive na área do ambiente. A investigação com crianças nesta área tem sido desenvolvida por diversos teóricos e tem abordado diferentes aspectos como:2

I) as preocupações das crianças, atitudes e comportamentos pró- ambientais, investigada por Malkus e Musser em 1991;

II) a biofilia, estudada por Kahn em 1997, corroborando-se esta hipótese pelo facto das crianças possuírem uma intrínseca afinidade com a natureza e, em particular, com os seres vivos;

II) as concepções das crianças em relação ao ambiente, estudadas por Bonnett e Williams em 1998, por Alerby em 2000, por Jeronen e Kaikkonen em 2002, por Loughland em 2002 e 2003, Littledyke em 2004 e, ainda, Shepardson em 2007.

III) a diferença da descrição da natureza entre os adultos e as crianças, abordada por Cobern, Gibson e Underwood em 1999 e, posteriormente, por Hyun em 2005, revelando que os adultos dão prioridade a uma visão científica e representam a natureza como um suporte de acção ou contexto em que as coisas sucedem, e, inversamente, as crianças salientam referências como a arte e beleza,

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Ver Revisão emRODRIGUES, L. (2007). Espaços Verdes ou Contextos de Relação: Perspectivas e Preocupações das Crianças acerca do Ambiente. Dissertação de mestrado em Educação Ambiental: Angra do Heroísmo

a religião, a fruição emocional, a preservação ambiental, a sustentabilidade e as suas experiências pessoais anteriores;

V) os animais preferidos das crianças, estudados em 2005 por Lindeman- -Mathies, verificando-se que estas podem gostar tanto de animais domésticos como de selvagens.

VI) a categorização das perspectivas acerca do ambiente de um grupo de 75 crianças, residentes na ilha Terceira e a frequentar o 4º ano de escolaridade, investigação feita recentemente por Rodrigues (2007). Deste estudo surgiram várias concepções que caracterizaram o conceito de ambiente aos ―olhos das crianças‖, tais como: a Terra-mãe, o nosso planeta; os vigilantes da natureza, o mundo das plantas, o nosso meio, o quintal, os parques e jardins; tudo à nossa volta, espaços de paz, as ilhas afortunada. Neste trabalho um dos resultados apresentados incide exactamente na confusão entre as fronteiras dos conceitos de ambiente e natureza, levando muitas crianças a identificar o ambiente como natureza.