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Domínio V Super/Hipervigilância e inibição

4. Relacionamentos Amorosos da Vida Adulta

4.1. Relações amorosas e vinculação.

4.2.2. O narcisismo e o amor.

“[…] o amor fortalece o Self e este, fortalecido, é capaz de estabelecer e desenvolver relações verdadeiras e com profundidade.”

(Mesquita, 2013, p. 14)

Em 1980, Freud demonstra que, o amor romântico se refere a uma troca, onde a pessoa para ser amada, atrai para si o desejo do outro. Por sua vez, Lacan (1987) diz que, o amor não deixa de ser narcísico, pois, apesar de se amparar no outro para a escolha do objeto, o que realmente procura é o retorno do amor. Nesta perspetiva, pode-se considerar o amor romântico, como a metáfora do narcisismo (Lacan, 1992), visto o outro fazer parte da escolha anaclítica e da própria constituição do amor. Refletindo tais ideias, Lasch (1988), referiu que, a modernidade sustenta “uma cultura do narcisismo”, pois, visa exclusivamente o culto do “eu” e é decorrente do insucesso familiar como sistema de orientação moral, do evitamento de conflitos (através de concordâncias) e da relevância dada à gratificação instintiva. No mesmo sentido, Costa (1998a; 1998b) também alega que, “Vivemos numa cultura narcísica, inibidora da experiência amorosa (…) O outro só é desejado se enriquece nosso ser. Se, ao contrário, nos pede sacrifícios, é rejeitado de pronto.” (p. 133). Segundo o autor, a terceirização da economia, contribuiu sobremaneira, para o crescimento de patologias narcísicas, fazendo emergir, com o engrandecimento do “eu”, caracteres individualistas e autocentrados e, consequentemente relações assépticas e impessoais. Percebe-se então que, quando o investimento amoroso vai ao encontro do pretendido pelo ego, o amor é considerado como qualquer outra função do ego, contudo, quando contraria as suas pretensões, o sujeito sente em si uma falha, percebendo o amor como algo que expõe a sua ferida narcísica (Lacan, 1992). Assim, o sujeito ama de acordo com a escolha narcísica, pois, o ego não consegue alcançar o seu ideal, não consegue amar segundo a escolha anaclítica (Freud, 1914). Pode-se até inferir que, a predominância exclusiva da dimensão narcísica leva a uma “hipoacusia” relacional. Atualmente é comum nas relações, não se escutar o outro, não se ter uma preocupação autêntica pelo “universo” do outro, mas nutrir-se apenas, o interesse de avaliar, se esse convém àquele lugar privilegiado dentro do sumptuoso projeto pessoal. Tais atitudes fazem lembrar a diferenciação feita por Buber (1993), entre a relação onde o sujeito vê o outro como um objeto de satisfação das suas necessidades (relação Eu-Isso) e, a relação na qual ele se abre para a unicidade do outro com o único propósito do encontro (relação Eu-Tu). Posto isto, verifica-se que, por um lado,

o narcisismo pode influenciar positivamente as relações afetivas, ao possibilitar o investimento amoroso num objeto total, reunificando os aspetos fragmentários deste objeto (papel unificador) e, por outro lado, pode facilmente conduzir a um deslize para a paixão e egoísmo. Mesquita (2012) indica que, um self estável e uma conceção própria mais positiva, leva o sujeito a escolher um objeto amoroso que o complemente e desenvolva de forma saudável; enquanto, um self incompleto, tenderá a relações que o completem, transmitindo- lhe uma melhor visão de si (em casos neuróticos) ou proporcionando-lhe a “coesão do seu Self mais ou menos fragmentado (no caso dos estados borderline ou psicóticos)” (Mesquita, 2012, p. 140). Como o amor envolve entrega e a perda de algo na gestão narcísica, torna- se por isso mesmo, tão problemático neste contexto atual. Na atualidade, as caraterísticas do outro interessam cada vez menos no laço amoroso, pois apenas importa ao sujeito, a maximização do seu gozo, enaltecendo-se o narcisismo individual e promovendo-se o agravamento de alguns distúrbios característicos das personalidades narcísicas, que agravam perante a panóplia de relações disponíveis e a facilidade de as descartar (Juchem, 2010). Assim, numa era em que, o amor é crescentemente baralhado com desejo, e este, assiduamente depravado na hipersexualização ostentosa, que mais não é do que um camuflado sentimento de desencanto e solidão, também os relacionamentos se afiguram cada vez mais frágeis e pouco duradouros, terminando de formas cada vais mais frívolas, impessoais e banais. Neste sentido, importa olhar para o desamor espelhado por essas relações, considerando-o como o próprio conceito indica - des(falta) + amor (http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/desamor). Deste modo, no âmbito vincular, se por um lado, uma relação mãe-bebé saudável beneficia a fundação do vínculo amoroso, por outro lado, os casuais desvios ou desencontros nessa interação poderão incorrer em perturbações na herança afetivo-relacional, originando sujeitos, que se fecham em sua existência narcísica e solitária, receando confrontar-se com os sofrimentos que as relações humanas lhe impõem e experienciando o desamor sob fachadas de carências afetivo-emocionais, recalcadas e patologicamente interiorizadas. Desta forma, o amor romântico (e eterno) do passado é substituído pelo desamor onde imperam afetos e relacionamentos cada vez mais fluídos, inseguros e arriscados, que promovem nos pares, a procura de respostas possíveis, através de um controlo ciumento da relação (Dufour, 2001). Todavia, apesar da criatividade e da imensa inteligência que o sujeito dispõe, a mesquinhice e a inveja leva-o num caminho cada vez mais virado para a procura de um auto-apaixonamento, para um amor pelo próprio ego, que ninguém supera e com o qual ninguém concorre. Dá-se muito menos do que se pode dar e do que teoricamente se deveria dar, impõem-se as regras próprias ao outro e se este não as aceita, impõe-se-lhe o desamor, o rancor, a traição, num vaivém de jogos egóicos, onde a raiva e as imposições do “eu” prevalecem.

“O amor a “olho nu” parece tão simples, tão natural…, no entanto quando vivido … sentido, vira um sentimento complexo e ambíguo… algo capaz de nos mover e paralisar, de nos instigar ou desmoronar, de fazer feliz ou dilacerar. Mas… quem disser, não o conhecer ou não o desejar, é porque sofre de desamor… de desalento afetivo…. Então é urgente tratar essa falha… resolver-se!”

(Carla Almeida, 24-12-2014, 22:30h)