• Nenhum resultado encontrado

Domínio V Super/Hipervigilância e inibição

4. Relacionamentos Amorosos da Vida Adulta

4.1. Relações amorosas e vinculação.

4.2.1. Vulnerabilidade narcísica.

Por esta altura, compreende-se que, ao longo da infância desenvolvem-se no ambiente familiar, laços afetivos e conceções vinculares que, uma vez internalizadas, determinarão o modo de cada pessoa entender formas de amar e de ser amada. Também já se sabe que, quando nessa fase se é vítima de supressão das necessidades emocionais e abusos morais e/ou físicos, o sujeito tende a absorver modelos relacionais falhados que, se não forem reorganizados/reestruturados, perdurarão pela sua vida. Assim, perante uma estrutura emocional deficitária, o indivíduo transporta a sensação de vazio e de vulnerabilidade para todo e qualquer relacionamento que viva. Deste modo em função de uma grande falta de autoestima, a pessoa, tende a escolher regularmente, parceiros emocionalmente deficitários, indisponíveis e negligentes, reproduzindo o modelo por ela conhecido, aprendido e interiorizado. Neste sentido, o sujeito narcísico, tem subjacente ao seu narcisismo, uma vulnerabilidade narcísica, desenvolvida em criança por forma a proteger-se da angústia de perda e/ou separação (Freud, 1914), que se tornou morfológica ao nível de toda a sua vida mental e condicionadora de todas as suas relações interpessoais (Bishop & Lane, 2002). Lemaire (2005) refere que, nas relações amorosas que estabelecem, algumas pessoas, buscam desmesuradamente manter o modelo fusional das

suas etapas precoces da vida, tornando-se incapazes de realizar um luto adequado após o seu rompimento, vivendo a dor de uma ferida narcísica e, colocando em dúvida a sua capacidade de ser amado, devido ao ressentimento e ódio sentidos, pela perda das ilusões depositadas na relação ou, contestando o seu valor próprio, adquirindo um desejo de “exterminar” o outro. Assim, pode-se inferir que, o narcisismo é um género de sofrimento ou “maldição silenciosa”, que cria feridas narcísicas sempre que o ego tenta manter o status quo infantil frágil e subjugado, por vontades passivas de alguém que se culpa em vez de atuar, que se deprime ao invés de encarar as suas perdas. Deste modo, percebe-se que, é no vínculo amoroso, que as pessoas procuram um outro que as complemente e atenue a ferida narcísica intrínseca aos pares, por não se sentirem completos (Rios, 2008). Neste sentido, a ferida narcísica do passado obstrui um aproveitamento normal das relações atuais e das satisfações daí decorrentes. Quando as relações acontecem abruptamente ou surgem como uma promoção narcísica e de expectativa de valorização dos outros, pode acontecer degenerarem numa procura egocêntrica de prazer, com pouca consideração pelos objetos levando por isso a novas deceções, abandono e relações exibicionistas (Rios, 2008). Neste âmbito, a vulnerabilidade narcísica, representa as fraquezas e instabilidade que o ego do sujeito adquire (ao nível da representação do self), por não se sentir completo como desejava e pela sua necessidade de aprovação e valorização pelos outros (Mosquera, 2008). Esta fragilidade surge então como resultado da comparação que o indivíduo faz entre o seu ego real (arranjo intrapsíquico ligado ao registo do imaginário, ou seja, é aquilo que a pessoa almeja ser) e o seu ego ideal (arranjo intrapsíquico ligado ao registo do simbólico, ou seja, é aquilo que a pessoa pretende alcançar e seguir) (Grinblat, 2004; Laplanche & Pontalis, 2001; Raffaelli, 2007). Para Kernberg (1975), estes sujeitos, apenas apresentam uma falha nas estratégias de funcionamento habituais, não se deprimindo verdadeiramente (“depressões aparentes”, sem existência de remorso, tristeza e autorreflexão crítica, mas com sentimento de profunda raiva e ressentimento). Para Mesquita (2012) o sujeito com vulnerabilidade narcísica tem dificuldade em estar com o outro como duas individualidades separadas, pois precisa dele para que “sejam colmatadas falhas sentidas no desenvolvimento do Self do próprio”, ou seja, “o outro é procurado como um complemento do que falta ao próprio para que este tenha uma representação de si diferente e aceitável.” (p. 149). Segundo Mesquita (2012), o funcionamento de um indivíduo com self frágil, tenta constantemente retificar essa fraqueza e amenizar o sofrimento emocional por ela causada (e.g., sentir-se ignorada, desrespeitada ou exposta, Mosquera, 2008). Decorrente disso, o sujeito desenvolve atitudes protetoras “quer da autoestima - visão mais colorida do próprio - quer do sentimento de colapso do Self, no sentido da sua desintegração” (Mesquita, 2012, p. 148). Neste âmbito, Mesquita (2012) considera que, de acordo com o funcionamento do self e as práticas levadas a cabo para obtenção de uma visão mais positiva do self ou, um sentimento de coerência e firmeza ao longo do tempo, a vulnerabilidade narcísica pode ser

entendida segundo quatro dimensões: 1) Diferenciação do self - está relacionada com a inabilidade de desvinculação da mãe e da não inclusão do pai (cuja função é a de permitir ao filho, o desenvolvimento do seu “eu”, a sua diferenciação e, individuação), impossibilitando o alcance da posição triangular mãe-filho-pai (Mollon, 2006, cit. por Mesquita, 2012) e, consequentemente constituindo-se como um obstáculo, ao conhecimento do próprio self, por inexistência da “terceira dimensão que permita essa perspetiva” (Mesquita, 2012, p. 149); neste âmbito a dupla amorosa, deve viabilizar a colmatação de falha(s) do self, promovendo uma saciedade mental, que evite a vivência do sentimento de incompletude, criado pela ferida narcísica e, dessa forma possibilitar melhorias da autoestima e autoconceito, e por conseguinte, evitar o afastamento do sujeito vulnerabilizado da relação, como forma de proteger a sua integridade e assumir que não necessita do outro para se sentir completo; 2) Self subjetivo - noção que o próprio tem acerca da aptidão de autonomia e de, despertar no outro, sentimentos eficazes que o completem a si; quando este sentimento, mostra falhas precoces, revelam-se sentimentos de incapacidade na autonomia, de habilidade para orientar a própria vida e alcançar objetivos, “de que não se recebe o suficiente, de que se dá mais do que o que recebe, ou que nunca será possível receber o que se necessita, pelo que o melhor será a retirada da relação” (Mesquita, 2012, p. 150); isto resulta no aparecimento de estratégias compensatórias de elevada submissão em relação ao outro sentindo-se ilusoriamente completo (Jeanneau, 1991, cit. por Mesquita, 2012), “filando-se” ao(s) objeto(s) em arrebatamentos desvairados ou “com ilusões de autossuficiência, de não necessidade do outro sob a forma de negação ou desmentido, para compensar ilusoriamente, este sentimento de inaptidão” (Mesquita, 2012, p. 150); pode-se desenvolver um falso self que antagonicamente recusa a necessidade do outro ou se sedimenta em relações orientadas pela crença de que o outro o salvará e poderá transformar, pois, é através dele que o próprio conseguirá revitalizar a sua existência subvalorizada; 3) Self objetivo - refere-se à forma, como o sujeito se autoavalia e avalia a sua autoestima; este tipo de relação exploradora e maioritariamente objetal pode, por um lado, manifestar-se no sentido do próprio se submeter à vontade do outro para receber afeto e consideração e, por outro lado, no sentido do sujeito se autovalorizar (se narcisar) depreciando o outro (narcisismo mais demolidor pela desnarcisação do outro) de forma a poder alcançar (ilusoriamente) “a libertação dos sentimentos de menor valia pela transposição desses para o outro” (Mesquita, 2012, p. 152); e, 4) Exclusividade do self - relaciona-se com a precisão que o sujeito com vulnerabilidade narcísica tem, de se sentir como único/exclusivo na relação (devendo o outro, dedicar-se inteiramente a ele), decorrente da ausência do conceito da posição triangular; esta falha manifesta-se na idade adulta, através de “sentimentos mais depressivos ou de desorganização em estados mais graves”, podendo levar a condutas “masoquistas, de submissão aos desejos do outro, de forma a obter segurança e colmatando a sua

fragilidade.” (Mesquita, 2012, p. 152) que, segundo Gear, Hill e Liendo (1981, cit. por Mesquita, 2012) advêm de uma “situação de mutilação do espaço psíquico, sendo que, apenas lhe é possível adotar uma de duas posições: de domínio sobre o outro ou de submissão.” (p. 152).