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2.1 A transição paradigmática

2.1.3 O naufrágio da modernidade e a pós-modernidade

Com a globalização, o mundo “é progressivamente visto como ‘um só lugar’” (FEATHERSTONE, 1997, p. 117), mas paradoxalmente as demais culturas que

coabitam o planeta passam a ter maior visibilidade. A comunicação sem fronteiras gerada pela expansão tecnológica contribui para que o tempo e o espaço dissolvam- se no simultâneo, presentificando cada vez mais intensamente as ocorrências. Os Estados-Nação constituídos na modernidade já não são mais as mesmas fortalezas, encontram-se submersos pelas novas regras de distribuição desigual do poder global.

Tal reorganização do cenário deixa à mostra que o projeto da modernidade passou por mudanças, para alguns, que ameaçam ou exaurem sua existência (FEATHERSTONE, 1997). A informação internacional deixa transparecer a complexidade da vida e do mundo, as simbologias trazidas pelas migrações e contatos entre as culturas revelam alguns dos sintomas desta exaustão. “A cultura contemporânea vive nesta tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade” (CANCLINI, 1996, p. 249), visível especialmente na cultura urbana, que tem sua imagem associada ao mercado (shopping centers, shows, vitrines, espetáculos de todo tipo) e a arte vinculada ao consumo (música/CD, grafite, cinema/DVD, mangá). Como pode este contexto ameaçar a modernidade? A modernidade significou o rompimento com o sagrado, com os valores tradicionais; por sua vez os novos valores e a arte produzida por eles gerou uma estetização da vida cotidiana como cultura do consumo, que realiza o duplo movimento de alterar no tecido social a tradição tradicional e a tradição moderna (FEATHERSTONE, 1997). “O feitiço virou- se contra o feiticeiro”, se assim posso dizer.

Mas isso não é tudo, as premissas de progresso e superação constante nas quais se assenta a modernidade têm na razão e na ciência suas fontes geradoras do aperfeiçoamento da vida social.

Juntamente com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a expansão do capitalismo industrial, a administração pública e o desenvolvimento dos direitos da cidadania eram vistos como uma prova convincente da superioridade fundamental e da aplicabilidade universal do projeto da modernidade (FEATHERSTONE, 1997, p. 105).

A suficiência e superioridade do desenvolvimento científico e tecnológico estão sendo questionadas, frente aos seus frutos destruidores por toda parte associados à expansão capitalista, a exemplo dos agentes poluidores dos alimentos, da água, do

ar e da terra como criadores de progresso. O que se vê é a necessidade premente de reverter os efeitos devastadores do progresso e expansão capitalistas que tendem a inviabilizar a vida no futuro.

Além disso, é imprescindível reconhecer que as homogeneidades construídas (e muitas vezes falseadas) no interior dos territórios – de modo a criar uma identidade cultural favorável ao surgimento dos Estados-Nação, ou de regiões21 –, fizeram nascer a noção de cultura unitária, e junto com ela a noção de progresso como processo unitário, igual para todos. É contra estas noções que o pós-moderno se posiciona e propõe compreender a experiência de fim da história, como dissolução da categoria do novo (VATTIMO, 2002), que tem no progresso e na superação constantes sua expressão.

A ciência, como mola propulsora do progresso, torna-se uma força de produção do capitalismo, que passa a financiar departamentos de pesquisa, institutos e empresas. Prioriza uma formação universitária que busca formar competências e não mais ideais; com as competências, a legitimação do desempenho (LYOTARD, 2002) da ciência, senão de seus efeitos para o progresso.

Deste modo, o saber passa a ocupar outras posições na sociedade pós-industrial, acelera o desenvolvimento da capacidade produtiva dos Estados-Nação e, ao mesmo tempo, gera maior distanciamento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A própria idéia de desenvolvimento pressupõe o horizonte de um não-desenvolvimento, supondo-se que as diversas competências estão envolvidas na unidade de uma tradição e não se dissociam em qualificações que seriam objeto de inovações, debates e exames específicos. (LYOTARD, 2002, p. 37).

O padrão adotado para definir e comparar Estados-Nação desenvolvidos, ou não, também tem sido questionado. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, desenvolveu o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como uma forma de verificar aspectos anteriormente não revelados pelo Produto Interno Bruto (PIB), capaz de indicar a melhoria da qualidade de vida das populações, como expectativa de vida, tempo de escolaridade, entre outras variáveis.

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Remeto ao estudo de Durval Muniz A Invenção do Nordeste e Outras Artes (1999), sobre o Nordeste como uma invenção político-econômica vinculada aos interesses das elites.

É também observável que a nova divisão internacional do trabalho e sua distribuição formaram áreas de especialização e novos espaços de prosperidade no planeta (os tigres asiáticos são um exemplo), junto ao reconhecimento das diferenças culturais, colocando em evidência o deslocamento do poder ocidental.

Desse ponto de vista o pós-modernismo pode ser relacionado com os vários modos pelos quais os intelectuais ocidentais detectaram sintomas dessa alteração no equilíbrio global do poder, embora, obviamente, alguns deles possam ter interpretado essa alteração como um processo interno que se deu no interior da modernidade (ocidental). Seria mais apropriado, portanto, referir-se ao fim da modernidade como o fim da modernidade ocidental ou, para colocar as coisas de maneira menos dramática, o fim da modernidade ocidental está à vista; o Ocidente chegou a seu auge e isso se faz acompanhar por um senso de exaustão. (FEATHERSTONE, 1997, p. 119-120).

Diante de tais circunstâncias, pode-se considerar que as forças de transformação social estão por toda parte na sociedade ocidental? Que há um conjunto de elementos culturais, políticos, econômicos, sociais que indicam a disseminação dessa transformação? Parece que o esgotamento da modernidade ocidental aponta a necessidade de problematizar a complexidade da configuração global e suas conseqüências para a vida social nos Estados-Nação. É a isso que se refere o pós- modernismo para o entendimento das transformações em curso – problematizar o interior das sociedades atuais, a partir da globalização.

A transformação social pode ser considerada para o pensamento pós-moderno como uma possibilidade sempre aberta, descentrada, contingente e sem um agente, mas com agentes múltiplos.