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O nosso processo de treino

No documento Um Treinar Para Um Jogar (páginas 38-43)

3. Relatório de estágio – Varzim S.C

3.2 O nosso processo de treino

Depois de reflectirmos sobre as diferentes maneiras de análise do treino de Futebol, tirámos as nossas ilações e traçámos um trajecto a seguir.

Esta equipa vinha de um ano difícil, visto ter descido de divisão no ano transacto. Como tal, tentamos incutir, desde o início, uma mentalidade ganhadora com uma cultura táctica que lhes permitisse ter confiança para assumir o comando de todos os jogos.

Tendo como objectivo a evolução da cultura táctica do jogador e a possível integração do mesmo num plantel profissional, procurámos trabalhar o jogo através do jogo, dando-lhes a conhecer alguns princípios que serão importantes ao longo das suas carreiras, assim como os princípios por nós adoptados e que fazem parte do nosso Modelo de Jogo.

Entendemos, juntamente com Garganta (1997), o jogo como um fenómeno complexo pela interacção existente entre os jogadores e os adversários, que tornam o jogo e as suas dinâmicas imprevisíveis e aleatórias. Pelo que a formação táctica específica da modalidade, torna-se fundamental para o êxito desportivo, como refere Ivoilov (1973).

Concordando com Oliveira, J.G., 2004, para haver uma evolução da cultura táctica dos jogadores, é importante que aprendam a lidar com aleatoriedade e imprevisibilidade que o jogo provoca. Desta forma, analisámos o jogo na sua globalidade para podermos perceber as interacções que ele evidencia dentro e fora, quais os conhecimentos que provoca, como organizá- los, direccioná-los e de certa forma entender a sua dinâmica e complexidade.

Como o Futebol é predominantemente um jogo de julgamentos e decisões (Hughes, 1994), os problemas prioritários que se colocam aos jogadores nas acções a realizarem, são de natureza táctica. O jogador deve saber “o que fazer”, para poder resolver o problema subsequente, mas também deve saber o “como fazer”, através da selecção e utilização da resposta motora mais adequada (Garganta & Pinto, 1994).

Para o jogador saber o que queremos e seleccionar a resposta mais adequada é importante termos linhas que guiam todo o processo de treino. Sendo que a forma de um jogador perceber o jogo e de nele se expressar,

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depende de um fundo, que poderemos chamar de Modelo de Jogo (Garganta, 1997).

Assim, um dos aspectos mais importantes no nosso processo de treino foi a criação de um Modelo de Jogo, que surge para nós, no estágio, como o guia de todo o processo. É ele que define e orienta como as variadas componentes devem ser tratadas. O Modelo de Jogo é fundamental para se conceber e desenvolver um processo coerente e específico preocupado em criar um jogar (Oliveira, J.G., 1991).

Porém, não existe apenas um Modelo de Jogo, existem vários, pois cada treinador tem as suas ideias e princípios, logo objectivos comportamentais diferentes. O Modelo de Jogo depende de vários factores sendo um deles as ideias que o treinador tem do jogo (Oliveira, J.G., 2004). O que acontece é que cada treinador constrói uma “paisagem de observação”, compreendida como um conjunto de estímulos organizados em relação ao ponto de vista que ele possui sobre o jogo, ou seja, guarda o que lhe aparenta pertinente, interpreta os dados dispersos e organiza-os dando-lhes um sentido próprio (Garganta, 1997).

Desta forma, no decorrer do estágio, a criação do Modelo de Jogo, a planificação dos “morfociclos1” e dos treinos, centram-se na concepção de jogo

idealizada por nós, isto é, depende da maneira como olhamos para o jogo de Futebol.

Autores como Teodorescu (1984) e Castelo (1996) dividem o jogo de Futebol em duas fases, fase ofensiva e fase defensiva. Caracterizando a fase ofensiva como sendo a posse de bola, onde a equipa através de acções

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Preferimos chamar de morfociclo em vez de microciclo porque o plano semanal tem uma configuração própria que assume uma forma particular, ou seja, está condicionado à forma dos exercícios e à forma do nosso modelo de jogo, que deve ser identificadora de uma forma mais macro que é o jogo que pretendemos implementar, tal como refere Frade (2006). Segundo o mesmo autor, chama-se morfo porque queremos que adopte forma do nosso modelo de jogo, e para isso acontecer existem alguns processos, como o da continuidade, onde a semana de treino em algumas dinâmicas será sempre a mesma, o que se alterna são os objectivos que poderão surgir dentro dos problemas apresentados no jogo, por isso, Morfociclo, porque queremos modelar a equipe a uma certa forma.

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colectivas e individuais, sem infringir as leis de jogo, tenta marcar golo. E entendendo a fase defensiva como sendo caracterizada pela equipa não ter a posse de bola, onde através de acções colectivas e individuais procura ganhá- la de maneira a evitar o golo na sua baliza, isto, sem infringir as leis de jogo.

Fazendo uma leitura diferente, Oliveira, J.G. (2004) e Frade (2006) consideram fundamental a perspectivação do jogo segundo momentos e não fases, pela inexistência de uma sequencialidade destas mesmas fases. Não basta “só” defender ou “só” atacar, é imprescindível “ligar” estes dois momentos, no sentido de os potenciar para um rendimento superior com base num entendimento global do jogo.

Desta forma, vários autores (Van Gaal citado por Mourinho, 1999; Mourinho, 1999; Valdano, 2001; Oliveira, J.G., 2004; Frade, 2006, Gomes 2008) optam por uma divisão diferente. Para nós, o processo de treino tem como objectivo desenvolver uma determinada forma de jogar e, portanto, defender, atacar e transitar entre estes dois momentos. Assim, partilhamos a ideia que no jogo de Futebol existem quatro momentos: o momento de organização ofensiva, o momento de organização defensiva, o momento de transição ataque-defesa e o momento de transição defesa-ataque. Conscientes que a representação do todo é muito importante, a inter-relação dos quatro momentos são um factor chave.

Oliveira, J.G., (2004) caracteriza os quatro momentos no seu estudo da seguinte forma: o momento de organização ofensiva é caracterizado pelos comportamentos que a equipa adopta quando tem a posse de bola, com o intuito de preparar e criar situações ofensivas de forma a marcar golo; o momento de transição ataque-defesa é assinalado pelos comportamentos que se devem ter imediatamente após se perder a posse de bola (estes segundos iniciais revelam-se de particular importância, uma vez que ambas as equipas se encontram momentaneamente desorganizadas para as novas funções que têm de assumir, como tal, ambas tentam aproveitar as desorganizações adversárias); o momento defensivo é representado pelos comportamentos que a equipa deve assumir quando não tem a bola em seu poder, tendo como meta a organização da equipa de maneira a impedir que a equipa adversária crie e prepare situações de finalização e consequentemente marque golo; e por último, o momento de transição defesa-ataque diz respeito aos

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comportamentos que a equipa deve revelar nos segundos imediatos ao ganho da posse de bola (esse momento inicial é importante porque as equipas encontram-se desorganizadas para as novas funções e o objectivo é aproveitar essa desorganização para benefício próprio).

Baseados nesta ideia, a criação de um Modelo de Jogo assume, para nós, um papel importante neste estágio profissional, abrangendo os princípios/comportamentos desejados para a equipa, nestes quatro momentos.

Para este ano, tivemos como objectivo trabalhar ao nível da cultura táctica de cada jogador (não esquecendo o resto). Concordando com Oliveira, J.G. (2004) assumimos a importância da dimensão táctica como estimuladora das qualidades de desempenho e como gestora e direccionadora do processo de treino, com o intuito de preparar os jogadores para poderem jogar em qualquer equipa, independente do modelo de jogo e da estrutura que o treinador possa vir a utilizar.

Tendo sempre presente que na construção da atitude táctica, o crescimento das possibilidades de escolha de um jogador depende do conhecimento que este possui do jogo, estando a sua forma de actuação fortemente condicionada pela maneira como ele concebe e entende o jogo (Garganta, 1997).

Para isso, assentamos a base da nossa concepção de jogo, nos princípios específicos do jogo, pois acreditamos que se os conseguirem perceber e aplicar em qualquer situação, conseguirão aumentar o seu entendimento do jogo e actuar em qualquer equipa, em qualquer estrutura, independente do modelo de jogo, tornando-os auto-suficientes em jogo.

Foi atribuída, portanto, grande importância ao aumento da cultura táctica específica do jogador, com o objectivo da evolução colectiva e individual ser constante e permanente.

Sustenta-se, frequentemente, que a expressão mais elevada da performance, no Futebol, decorre de um alto grau de desenvolvimento e especialização de diversos factores, tradicionalmente agrupados em quatro dimensões: táctica, técnica, física e psicológica (Kunze, 1981; Bangsbo, 1993; Millher, 1995; Garganta, 1997).

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Desta forma, o futebol conta com quatro principais dimensões de rendimento: o físico, o psicológico, o técnico e o táctico (Queiroz, 1986; Pinto, 1988; Garganta, 1997; Castelo, 2002).

Nós, tendo em conta a análise do jogo escolhida, teremos a dimensão táctica como orientadora das restantes dimensões (técnica, física e psicológica). No entanto, apesar de ser a dimensão táctica que direcciona todo o processo de treino, as restantes dimensões não são menos relevantes, pois a dimensão táctica necessita delas para se manifestar. Assim, o táctico, não é o físico, não é o psicológico, não é o estratégico, mas sem eles não pode existir, pois o táctico só é táctico se incorporar todas as dimensões, isto é, a interacção entre elas. Na mesma linha de Faria (2002) e Frade (2006) favorecer o táctico e a organização do jogo foi o propósito principal do nosso processo de treino, pois ao estarmos a privilegiar o táctico, estamos a privilegiar todas as outras dimensões do rendimento, porque por necessidade do táctico surgem todas as outras componentes.

Estamos conscientes que apesar da dimensão táctica orientar as restantes, o mais importante é conotá-los e considerá-los sempre como uma globalidade, como referem Queiroz (1986) e Tavares (1998).

Tendo a dimensão táctica como orientadora, procurámos através do processo de treino criar hábitos relativos a princípios/comportamentos do nosso Modelo de Jogo nos quatro momentos. Os hábitos resultam de conhecimentos que são criados através das experiências que ficam gravadas na memória, sendo a finalidade dos hábitos, preparar o cérebro antecipadamente para os cenários possíveis, tendo em conta um determinado envolvimento, e criar mecanismos para que o cérebro consiga reagir o mais rapidamente possível a uma situação específica (Damásio, 2000; McCrone, 2002).

Tendo esta ideia presente, no inicio da época realizámos treinos todos os dias da semana, sendo o Sábado ou o Domingo, destinado a jogos treinos, que serviam como avaliação da equipa, em que analisávamos se os comportamentos/princípios estavam a ser assimilados e a transformarem-se em hábitos.

Decidimos ter treinos todos os dias, pois achamos importante nessa fase, tendo o táctico e a organização do jogo como principal objectivo, dar-lhes

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alguma intensidade de treino. Pretendendo trabalhar acima de tudo a cultura táctica dos jogadores, não descurando as restantes dimensões.

Assim, manipulámos o treino de forma a criar adaptação. Sendo que quando essa adaptação atinge níveis altos, por consequência o rendimento também os atinge, concordando com Bompa (2009). Desta forma, com uma elevada intensidade nos treinos pretendíamos criar adaptações por parte da equipa e por parte dos jogadores, para que muitos dos comportamentos que pretendíamos que acontecessem, aparecessem muitas vezes com naturalidade, isto é, que se tornassem hábitos.

No documento Um Treinar Para Um Jogar (páginas 38-43)