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O novo lugar do demônio na IURD

No documento OS DEUSES DA ÁFRICA NO INFERNO UNIVERSAL (páginas 107-145)

CAPÍTULO IV – Do rito à razão

3- O novo lugar do demônio na IURD

Passado pouco mais de uma década entre a primeira e a última observação de campo na IURD, fica claro que há um novo lugar para os cultos de exorcismo das entidades afro-brasileiras em sua liturgia. O demônio, agora muito menos performático que antes, embora ainda importante na doutrina, já não tem lugar de destaque nos cultos. Tudo isso nos indaga pelas causas dessa mudança nos cultos e nas diretrizes da própria igreja. Certamente há motivos externos e internos para tal.

3.1. Mudanças sociais na última década.

Como já observamos, há uma evidente mudança no perfil dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, exigindo desta até mesmo uma maior institucionalização. Tal alteração se deve ao fato de que, na última década, mudanças substanciais se

deram em todo o país, onde a pobreza foi bem mais erradicada e a migração dos mais pobres para a classe média tornou-se uma realidade. Há não só um novo perfil nos fiéis da IURD; há um novo perfil das classes sociais brasileiras.

Dentre os muitos fatores que sofreram alteração na última década, alguns se destacam e são fundamentais para entendermos o porquê das mudanças ocorridas também na IURD:

a) Alteração nos índices de Pobreza. É notório que a Igreja Universal do Reino de Deus, em seus primórdios, tinha como público participante, membros das classes menos abastadas da sociedade. Os primeiros templos eram galpões transformados em igrejas próximos aos locais de passagem dos trabalhadores que dependiam de transporte público. Terminais de ônibus e estações de trem eram locais contemplados pelos templos, proporcionando facilidade de acesso aos mesmos. A pobreza, no entanto, não é a mesma dos primórdios. Alguns índices podem nos dar ideia do tamanho da transformação. Tomando como fonte a fundação Getúlio Vargas, onde “A pobreza medida pela combinação PNAD/PME 8 cai: 31,9 % na era FHC

incorporando o Real e a redução do imposto inflacionário; 50,64 % na era Lula entre dezembro de 2002 e dezembro de 2010 (...), 67,3 % desde o Real até Dezembro de 2010”. 9 Tal redução da pobreza não se dá, é claro, de forma isolada, mas é um

primeiro indicador de que o perfil da população está mudado. Na tabela abaixo podemos perceber a clara diminuição dos índices do percentual de pobres na população:10

8 PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios / PME – Pesquisa Mensal de Emprebo, ambas

realizadas pelo IBGE.

9 Cfr. Desigualdade de Renda na Década. Fundação Getúlio Vargas. Centro de Políticas Sociais.

Disponível em <http://www.fgv.br/cps/bd/DD/DD_Apresentacao_FIM.pdf> acesso em: 22 de agosto de 2011, p. 5.

Com uma variação de menos 45, 50 % na população mais pobre, percebemos uma migração de indivíduos das classes E e D para as classes C e B. Como consequência da queda nos índices de pobreza, muitos outros índices tendem a mudar para melhor.

b) Deslocamento e ascensão das classes. Como consequência da mudança nos índices de pobreza no Brasil, temos também um grande deslocamento das camadas sociais do país. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, intitulada “A Pequena Grande Década” 11 analisa as mudanças ocorridas no perfil populacional na década de 2000. Nela encontramos a seguinte tabela que nos traz um retrato das mudanças sociais no Brasil: 12

11 NERI, Marcelo C. (Coord.): A Pequena Grande Década: Crise, Cenários e a Nova Classe Média. Rio de

Janeiro, FGV, CPS, 2010.

Pela presente tabela podemos notar que as classes A, B e C, juntas, representam hoje quase 70 % da população. Interessante notar que a classe D pouco decresceu (de 15, 24 para 13, 37). No entanto, a classe E caiu quase pela metade. Isso significa que a Classe D toda transferiu-se para as classes C, B e A e os que a compõem atualmente são oriundos da classe E. Se considerarmos que, de início a população da IURD pertencia à classe D, concluímos que não pertencem mais a ela. Talvez seja esse o número mais importante para o nosso trabalho: mais de 100 % da classe D ascendeu e cerca de 2% da classe E ascendeu duas posições (na década) para as classes mais abastadas. A promessa feita aos fiéis da classe D de que Deus retribuiria o dízimo com ascensão na vida é uma realidade social. Praticamente 14 % do total de brasileiros ascenderam da classe D para a classe C e desta para as Classes A e B quase 4 %.

Em percentuais (%) AB C D E Total dez 2002 12 43,22 15,24 29,54 100 % dez 2009 15,63 53,58 13,37 17,42 100 % Variação + 3,63 +10,36 - 1,87 - 12,12 Migração 3,63 13,99 12,12 Ascenderam - 3,63 13,99 12,12

É bom notar que o movimento inverso não ocorre de um modo geral se considerarmos as classes A e B juntas. Praticamente não há rebaixamento de classe social. Também que a classe C é o setor social que mais recebeu pessoas, a classe E a que mais diminuiu e a classe D a que mais migrou. E ainda que não se pode separar, evidentemente, um quadro de ascensão social de reduções significativas dos níveis de desigualdade social.

Assim percebemos que é nítida a ascensão das classes no Brasil na última década, o que consideramos fundamental para entender a institucionalização da Igreja Universal do Reino de Deus.

c) Queda nos níveis de desemprego. Um país que finalmente fez as pazes

com o crescimento econômico tende a elevar também as taxas de empregabilidade. Uma pesquisa do Dieese assim aponta a variação da taxa de emprego na região metropolitana de São Paulo, metrópole escolhida para nosso estudo:13

13

Segundo a pesquisa,

A taxa média de desemprego total diminuiu de 13,8%, em 2009, para 11,9%, em 2010, retomando sua trajetória de declínio iniciada em 2004 e interrompida em 2009. Essa é a menor taxa desde 1992. No ano em análise, reduziram-se as taxas de desemprego aberto (de 9,9% para 8,8%) e oculto (de 3,9% para 3,1%), com decréscimo nas duas componentes desta última: a taxa de desemprego oculto pelo trabalho precário passou de 2,8% para 2,3% e a de desemprego oculto pelo desalento, de 1,0% para 0,8%.14

Ainda a mesma pesquisa aponta crescimento real dos níveis de emprego relativos a 2010 em relação ao ano 2001, onde a variação é de mais 21,8 %. Portanto, pedir emprego nos cultos da Universal já não está mais em destaque. Agora a Igreja precisa levar o fiel a conservar seu emprego, bem como a melhorar seus níveis de renda.

Desta forma, trazemos à tona o quadro das transformações econômicas do país, onde há ascensão social por um lado e diminuição das desigualdades sociais por

outro, fatores que alterarão substancialmente o modo como a IURD deverá relacionar- se com seus fiéis.

3.2. A racionalização da IURD.

Devidamente inserida na realidade brasileira, a IURD também se sente pressionada a mudar. Não há outra saída: ou se acompanham as mudanças que o país enfrenta ou se está fadada ao declínio. E declínio não é o caso da Universal. Max Weber, ao descrever o processo de formação das religiões e sua relação com a sociedade, aponta vários estágios pelos quais uma religião passa até se estabelecer como tal. Mostra que de início, uma religião é “magicamente motivada”15 onde “As

ações religiosa ou magicamente exigidas devem ser realizadas.” 16 É neste contexto de

magia que são convidados para o cenário religioso os deuses e demônios. Assim, como resultado do processo de estabelecimento da religião “o nascimento, por um lado, da “alma” e, por outro, dos “deuses” e “demônios”, isto é, poderes “sobrenaturais”. A regulação entre estes e os homens constitui o domínio da ação “religiosa”.17

Um segundo passo neste processo é a instituição dos sacerdotes como “funcionários profissionais que, por meios de veneração, influenciam os deuses, em oposição aos magos, que forçam os “demônios” por meios mágicos.” 18 Para Weber, a

distinção ente “magia” e “culto” evidencia a presença de um discurso mais formal na figura do sacerdote que tratará de refutar a atuação dos “profetas” através de discurso elaborado. A profecia, que diz respeito a carismas individuais, acaba por ser cooptada pela religião no discurso sacerdotal.

O sacerdócio é incumbido da tarefa de determinar sistematicamente a nova doutrina vitoriosa ou a velha doutrina defendida contra os ataques proféticos, de delimitar o que é ou não considerado sagrado e de impregnar isto à crença dos leigos para garantir sua própria soberania (...). Também o puro interesse na

15 WEBER, Max: Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Brasília, Editora

Universidade de Brasília, 2000. pp. 279 ss.

16 Ibidem, p. 279. 17 Ibidem, p. 281. 18 Ibidem, p. 294.

consolidação da própria posição contra possíveis ataques e a necessidade de assegurar a própria prática contra o ceticismo dos leigos podem levar a resultados semelhantes. Mas, onde quer que se inicie esse processo, ele acarreta duas consequências: escrituras canônicas e dogmas.19

Se considerarmos a posição de Weber neste processo de elaboração da doutrina, vemos claramente um esquema que podemos utilizar para nossa análise do processo de institucionalização da Igreja Universal do Reino de Deus: Domínio da Magia – defesa contra a posição dos profetas e céticos – discurso institucionalizado. Ou então, Magia – Culto – Doutrina.

Outro passo delineado por Weber, diz respeito ao racionalismo imposto pelo poder econômico e ético-religioso. Para Weber,

Tanto mais forte torna-se, em geral, a inclinação a uma adesão a uma religiosidade congregacional eticamente racional quanto mais nos afastamos daquelas camadas portadoras do capitalismo, sobretudo politicamente condicionado (...), onde há arrendamento de impostos, lucro por fornecimento ao Estado, guerra, pirataria, usura em grande escala e colonização e quanto mais nos aproximamos das camadas portadoras de uma moderna economia empresarial racional(...).”20

À medida em que nos afastamos das classes menos privilegiadas, temos a tendência de atribuir à religião um papel de legitimidade do status social. Para ele, as “camadas positivamente privilegiadas dos pontos de vista social e econômico dificilmente sentem por si a necessidade de salvação. Antes passam à religião, em primeiro lugar, o papel de “legitimar” seu modo de viver e a situação em que vivem.”

21 Finalmente, a religião tende, para Weber, a adquirir um caráter racional e

institucionalizado. Assim, outro esquema religioso pode ser utilizado para a nossa análise: Classes economicamente desprivilegiadas – necessidade de salvação X classes

19 Ibidem, p. 314. 20 Ibidem, p. 328. 21 Ibidem, p. 335.

economicamente privilegiadas – necessidade de legitimação. O conceito de Salvação das classes privilegiadas passa a ter um caráter místico de necessidade de “iluminação” ou seja, uma necessidade de salvação especificamente intelectualizada. 22

Apropriando-nos deste instrumental de análise, podemos perceber na diferença entre os cultos de exorcismo da IURD em suas diferentes fases esse processo de institucionalização descrito por Weber. A necessidade de defesa dos fundamentos da Igreja atravessa uma série de desafios internos e externos que a levam a uma maior racionalização do culto e, por consequência, os cultos de exorcismo com todo seu aspecto carismático, tendem a serem postos em segundo plano. Alguns fatores se destacam nesse processo:

a) Inserção nos meios de comunicação de massa. Uma das estratégias da

Igreja Universal do Reino de Deus desde os primórdios foi utilizar-se de meios de comunicação de massa, sobretudo a rádio. Outro importante instrumento de doutrinação é o jornal Folha Universal que conta hoje com uma tiragem semanal de 2,3 milhões de exemplares, segundo seu editorial, sendo um dos maiores periódicos do país. Mas foi com a aquisição da TV Record em 1990 que a IURD ganhou projeção nacional e, mais tarde, com a Record Internacional, projeção mundial. A partir do episódio do “chute na santa”, transmitido ao vivo em 12 de outubro de 1995, a Record e a Universal enfrentaram uma série de processos judiciais movidos por setores da Igreja Católica e, sobretudo, de movimentos ligados a cultos ou movimentos sociais e culturais afro-brasileiros.

Com metas de tornar a Record a segunda maior rede de TV brasileira, a grade da programação da emissora foi obrigada a mudar. Cultos de exorcismo deram lugar à programação nobre que inclui novelas e noticiários de grande aceitação popular. A adequação a esse novo status da emissora, vai exigir uma linguagem muito menos sectária, muito menos agressiva em relação ao afro-brasileiro, chegando a níveis de verdadeira cordialidade entre a Record e os cultos afro-brasileiros ou o próprio catolicismo. Durante a visita do Papa Bento XVI de 07 a 13 de maio de 2007, por ocasião do V CELAM em Aparecida, a Record não só fez a cobertura do evento, como tratou o papa pelo título de “Sua Santidade o Papa Bento XVI”.

A Igreja é, portanto, muito mais sociável. Até as vestimentas e mesmo os títulos de mãe e pai de santo (ex) são trazidos para dentro dos cultos da Universal. Não há embates e uma trégua aparente é firmada, dando à TV Record imagem de TV civilizada, que atende aos padrões impostos pelo mercado das telecomunicações.

Neste sentido, a crítica adversa, como propõe Weber, atua como elemento institucionalizador da Igreja Universal.

b) Inserção na Vida Política do País. Desde o final da década de 1980, há um movimento das igrejas evangélicas no sentido de constituir uma bancada evangélica no congresso nacional e nas assembleias estaduais e municipais. Tal movimento, podemos dizer, foi encabeçado pela Igreja Universal do Reino de Deus, tendo como seu maior expoente o Bispo Marcelo Crivela. E colocar-se na vida pública é também colocar-se na vitrine da sociedade. Conforme artigo da Folha de São Paulo, datado de 11 de outubro de 2006, vemos que

de acordo com o Diap, foram identificados até agora 30 deputados federais eleitos ou reeleitos, que teriam ligação direta com as igrejas de confissão evangélica (pastores ou bispos) ou que professam a religião abertamente. Outros quatro senadores evangélicos, eleitos em 2002, permanecem no Congresso até 2011.

Na atual legislatura, a bancada chegou a contar com cerca de 70 deputados. Apenas 17 foram reeleitos. Dezesseis sequer tentaram voltar ao Congresso. Um deles, Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, renunciou à vaga depois de ter seu nome citado no caso do mensalão. 23

Assim, a necessidade de manter uma melhor imagem na política, também se impõe como um fator externo à racionalização do discurso na Universal. Uma verdadeira crise se estabeleceu nas eleições de 2006 devido a escândalos envolvendo membros das igrejas evangélicas que acarretou a não reeleição de muitos. Além disso, não há como governar sem alianças. E fazê-las significa ter capacidade de diálogo e de

23 Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u85068.shtml> Acesso em: 25 de

respeito pela adversidade. Eis um fator social que impele a Universal a uma institucionalização maior.

c) Necessidade de contemplar o perfil dos fiéis. Enfim, se considerarmos as

observações do item 4 deste capítulo, veremos uma verdadeira pressão advinda das mudanças sociais do país sobre a IURD. A ascensão das classes e a diminuição das desigualdades sociais do país refletem necessariamente sobre o conteúdo dos cultos da Universal. Se outrora havia a necessidade de expulsar o demônio que fechava os caminhos do fiel para o emprego, agora muito menos. Se a promessa de ascensão social enfatizada na arrecadação do dízimo pela doutrina da prosperidade era uma constante, agora é preciso cuidar para que o fiel mantenha o status social alcançado.

E essa mudança pode ser observada nos lugares de culto. Cada uma das fazes da Universal se dá em um ambiente distinto: a primeira fase nos galpões em lugares de trânsito de pedestres, a de consolidação migra os cultos para antigas casas de cinema e teatro onde o espetáculo do exorcismo tem lugar garantido – o demônio é protagonista do espetáculo. Agora constroem-se verdadeiros shoppings da oração. É o novo perfil da Universal onde os fiéis contam com estacionamento coberto (pago, como não poderia deixar de ser, pois a classe média paga estacionamento em shoppings) e a beleza arquitetônica e comercial dos shoppings centers. Neste espaço não há muito lugar para um demônio violento e selvagem. Até o Drive- Thru da oração foi estrategicamente criado para aqueles que não podem participar dos cultos, mas querem fazer sua doação, sem necessidade de deixar o conforto de seu carro alcançado graças à ação da Igreja.

3.3. Consequências das mudanças sociais nos cultos da IURD.

Além das diversas alterações nos cultos já elencadas neste trabalho, as várias mudanças sociais ocorridas na última década provocaram outras alterações nos cultos e na pregação da Igreja Universal do Reino de Deus.

Já na década de 1980, Francisco Cartaxo Rolim destacava que havia uma vinculação do pentecostalismo com as classes sociais dos fiéis. Servindo-se de um instrumental de análise marxista, onde as classes trabalhadoras são divididas em

dominante e dominada, buscará ver o perfil dos pentecostais na cidade do Rio de Janeiro, onde, analisando o perfil dos membros de igrejas pentecostais:

Todos cumprem funções de execução e nenhum está em posto de direção; somadas as profissões de empregadas domésticas até motoristas, perfazem 62,1% sobre o total; estendidas até a profissão de militar (exclusão de tenente e suboficial), o percentual sobe para 85%. Quando, porém, se observam as profissões que requerem um certo savoir-faire, como as de enfermagem, escritório, datilografia, arquivo, contabilidade, e principalmente de ensino, chega-se apenas a 13,3%. Podemos dizer que a classe média (entendida como classe dominada, não porém essencial) ou a que se situa face à relação capitalista fundamental, e que é preponderante nos pentecostais, se constitui de uma grande maioria que ocupa os patamares mais baixos.24

Foi assim que Rolim associou o pentecostalismo às classes mais baixas da população, num meticuloso estudo das profissões dos frequentadores das igrejas pentecostais. Nessa perspectiva, para ele, o pentecostalismo exercia a função de reforçar a subordinação das classes dominantes às dominadas. Além disso, julgava que o pentecostalismo, ao apresentar Deus como remédio para todos os males, “transfere para o transocial e para o a-histórico uma aspiração de libertação latente nas camadas pobres, encobrindo-lhes a possibilidade de se tornarem autônomas pelas práticas sociais”. 25 Também a Igreja Universal do Reino de Deus em seus primórdios contava

com uma população economicamente ligada às classes menos abastadas da população. Hoje esse perfil mudou completamente. Embora não tenhamos pesquisa que aponte tal fato nos fiéis da Igreja, há outras maneiras de se notar a redução da desigualdade social; nos pátios da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, a grande quantidade de carros populares e de médio padrão atesta essa ascensão. Nesse quadro, como falar que Deus é apresentado como remédio para os males? Como focar a pregação na cura divina se o acesso à saúde é mais fácil? Como focar o

24 ROLIM, Francisco Cartaxo: Pentecostais no Brasil: Uma interpretação Sócio-Religiosa. Petrópolis,

Vozes, 1985, p. 178.

culto no exorcismo se os caminhos já não estão mais fechados pelo “tranca rua”? Tais questões não podem mais ser trabalhadas no campo simbólico, havendo uma migração do simbólico para o real. Há questões concretas a serem trabalhadas nos cultos.

Nesse aspecto a teologia da prosperidade vem dar respostas aos fiéis da IURD. Nela os anseios por uma crescente ascensão econômica são contemplados como compromissos divinos. E mais, vai legitimar o desfrute de todas as benesses proporcionadas às classes mais abastadas. Vai inclusive legitimar e fazer do sucesso financeiro de seus líderes uma vitrine para os demais fiéis. Gastar, ostentar, ambicionar são atitudes não só possíveis, mas desejáveis. O foco muda: não mais a libertação do poder demoníaco, mas a sustentação de um status adquirido pelo fiel, quiçá pelo próprio deus anunciado. Daí os cultos serem focados nas reuniões dos empresários, na ação de graças pelos benefícios alcançados e no dízimo: compromisso bilateral entre o fiel e deus.

Junto à ascensão social, há um quadro de melhor educação, onde a polidez dos pregadores tende a acompanhar o nível de crescimento dos fiéis. Não é qualquer fala que agrada à plateia, tampouco um raciocínio mais bem elaborado se fará necessário. Assim os temas dos cultos mudam, a qualidade dos pregadores é outra. Não mais exorcistas profissionais, mas profissionais do discurso, do espetáculo. Os pregadores devem seguir os padrões televisivos em seus cultos. Nas igrejas principais, os cultos são gravados e alguns até transmitidos ao vivo pela Record. Há que tornar-se mais polido, menos sectário para não abalar a imagem da Igreja junto aos meios de comunicação locais e internacionais.

A necessidade de um discurso menos sectário fez com que a Igreja focasse menos sua ação contra os cultos afro-brasileiros. Até mesmo o livro tão vendido do Bispo Macedo “Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?”não é mais

encontrado em destaque nas livrarias da Igreja. Aliás, como já dissemos, vários elementos desses cultos foram incorporados à Igreja.

Além da presença na mídia, outro fator que faz com que a Igreja Universal do Reino de Deus seja menos sectária é sua presença na política. Ivo Pedro Oro em seu

No documento OS DEUSES DA ÁFRICA NO INFERNO UNIVERSAL (páginas 107-145)