1.4 Comunicação rural: proposta agendada
1.4.4 O novo público rural
Uma proposição fundamental para complementar o conceito de comunicação rural
é a definição de seu público, ou seja, a quem se destinam as políticas de comunicação rural?
Para começar, é apropriada a singular definição de público impressa nas páginas de “Ética na
Comunicação”:
Fica assim configurado o público como um grupo receptor disperso que tem capacidade de intercomunicação por participar de um mesmo processo informativo. Este não se esgota na unidirecionalidade da emissão da mensagem, porque seu circuito se estende tanto para o interior do grupo como para fora dele, reconvertendo-se o receptor em emissor, ainda que esse processo não ocorra de modo simétrico nem equilibrado. Este tema da circulação informativa intragrupal e do seu efeito-resposta oferece, logicamente, distintas graduações, na medida em que falamos não só de públicos locais ou nacionais, como também de públicos externos e transnacionais. (BARTOLOZZI, 2003, p. 117)
O autor espanhol encaixa-se na corrente teórica que atribui ao receptor uma
postura ativa, “com capacidade de intercomunicação”. Portanto, ao adotar esse conceito
descarta-se definitivamente a idéia de um público passivo, omisso, que apenas absorve os
conteúdos da comunicação sem filtros nem resistência.
O público rural brasileiro é bastante heterogêneo. Nesta categoria encontram-se do
analfabeto absoluto ao proprietário com formação superior. Sabe-se que o homem do campo
é também alvo da comunicação de massa, seja através do rádio, dos jornais ou da televisão.
Existem entre os cooperados, embora em quantidade reduzida, produtores rurais que acessam
com freqüência a Internet e estão digitalmente incluídos. Mas o homem do campo, a partir do
momento em que torna-se cooperado, é também objeto e sujeito de uma comunicação
alternativa, dirigida, feita sob medida para ele. Para se filiar a uma cooperativa, o homem
rural precisa ser responsável por uma área produtiva, seja ele proprietário, meeiro ou
comunicação organizacional.
Como a pesquisa limitou-se à produção dos jornais rurais, sem explorar a
recepção, apresenta-se a seguir contribuições enriquecedoras de outros autores sobre o perfil
do público rural contemporâneo. Segundo Matzenbacher (2003, p. 96), “ele é um ser
pensante, crítico e individual, o que vai levar cada um a perceber a mensagem e seus
significados segundo seus valores cognitivos e denotativos próprios”. E mais:
São homens e mulheres bem informados, não apenas sobre a realidade brasileira, mas também a mundial, gerenciam suas propriedades como empresários que são e buscam novas alternativas tecnológicas para obter maior eficiência em seus empreendimentos. Por buscar novos conhecimentos tecnológicos e econômicos, o atual homem do campo tem uma visão muito clara da sua atividade, o que o torna um ser com idéias e conceitos próprios, não se deixando influenciar por informações vazias que não levam em conta suas necessidades. (Ibid, p. 96)
O publicitário paulista Richard Jakubaszko retoma as categorias estabelecidas no
“Perfil do Produtor Rural Brasileiro”, publicado pela Editora Abril no final dos anos 80. Ele
explica que existem o produtor rural, o empresário rural e o produtor alternativo. O primeiro
seria aquele produtor tradicional, que vive da produção agropecuária e mora na zona rural ou
em pequenas cidades do interior. O segundo, chamado de empresário rural, seria o produtor
que tem na atividade agropecuária sua principal fonte de renda, mas também se dedica a
outros negócios. Acredita na tecnologia, acompanha o mercado e tem um bom administrador
para dar suporte à gestão da propriedade rural. O terceiro, produtor alternativo, seria aquele
que mora em grandes centros e vive de outras atividades, como os profissionais liberais,
executivos ou empresários. Atua no agronegócio por opção racional e aplica técnicas
modernas de produção.
Um perfil atualizado do pecuarista brasileiro foi traçado pelo pesquisador Sérgio
transmitida a partir de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que tem como finalidade a
venda de animais através de leilão pela TV. O autor constatou uma mudança no perfil do
homem rural. Segundo o levantamento, 42% dos entrevistados possuem grau superior
completo ou incompleto, “o que desmistifica em parte a visão generalizante de que as
pessoas do campo possuam pouca cultura formal” (BORGATO, 2001, p. 92).
Outra informação interessante está relacionada à idade dos produtores rurais: 90%
têm menos de 50 anos, sendo que a maior concentração (61%) está na faixa etária dos 41 aos
50 anos. Nota-se que uma geração mais jovem está no comando das propriedades rurais. A
pesquisa apresenta dados sobre o domicílio dos pecuaristas. Segundo Borgato (2001, p. 105),
89% afirmaram morar na cidade e 44% disseram viver em Estado diferente de onde está
localizada sua fazenda. O mundo rural ainda é predominantemente masculino: apenas 8% dos
produtores rurais são mulheres.
Os números são significativos e podem, com restrições, ser transferidos para o
estudo sobre as cooperativas. A maioria do quadro social da Coopemar, por exemplo, é
composta por pecuaristas, apesar do foco principal da cooperativa ser a cafeicultura. São
1.016 cooperados trabalhando com a criação de bovinos e 609 cultivando café. Alguns
exercem as duas atividades.
Faz-se necessário também dissociar a imagem do produtor rural do latifundiário,
ainda bastante arraigada e mitificada pela própria imprensa brasileira. A Coopemar informa
que 70% dos associados são pequenos produtores (até 50 hectares ou o equivalente a até 500
m²); 20% são médios (de 51 a 250 hectares, ou de 510 m² a 2.500 m²); e 10% são grandes
(acima de 251 hectares ou 2.510 m²). De acordo com a Cooxupé, 73% dos cafeicultores são
pequenos (de 1 a 300 sacas de café), 20% são médios (de 301 a 1.000 sacas) e apenas 7% são
grandes (acima de 1.001 sacas)5. Portanto estão numericamente mais identificados com a
classe subalterna que a hegemônica. 5
As cooperativas usam diferentes indicadores para medir o “tamanho” dos produtores porque em Marília a diversificação agrícola é mais representativa do que na cooperativa mineira, onde predomina a cafeicultura
Como o foco deste tópico é o público cooperado rural, propõe-se a seguinte
classificação: é essencial distinguir o “produtor rural” –também chamado de agricultor,
agropecuarista, ruralista, fazendeiro, sitiante, proprietário rural ou empresário rural– do
“trabalhador rural” –tratado também por lavrador, camponês, peão, posseiro ou caseiro. Este
sim eventualmente vive no campo, mora na propriedade rural, mas não é o dono da terra.
Continuamos utilizando a expressão “homem do campo” como referência à primeira
categoria, mesmo considerando que boa parte dos produtores rurais (e dos cooperados) vive
em área urbana.
A análise dos dois jornais de cooperativas revela que o público alvo é o produtor
rural e não o trabalhador rural, portanto uma minoria dentro do universo do “homem do
campo”. De acordo com as contribuições dos outros autores e com as entrevistas feitas nas
duas cooperativas, define-se assim o recorte do grupo social que será estudado: o homem do
campo do sul de Minas e do interior paulista é cooperado, portanto, responsável pela terra; é
alfabetizado e, em sua maioria, pequeno produtor; é desconfiado e participa pouco do
processo de decisões tomadas em assembléia. Porém, gosta de ser informado sobre os rumos
da organização. É um público majoritariamente masculino e que decide o que pretende fazer
dentro da porteira. Politicamente é conservador, mas tecnicamente está sempre em busca de
inovações tecnológicas para aumentar a produtividade e reduzir custos.
A definição do público é apenas uma das características da imprensa cooperativa
rural. No próximo capítulo serão detalhados seus objetivos, sua história, sua evolução, seu
perfil ideológico e seu conteúdo, pesquisados a partir da escassa literatura sobre o assunto e
de entrevistas com alguns responsáveis por essas publicações. Antes, é recomendável
conhecer os fundamentos do movimento cooperativista e as transformações que ameaçam