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2 COOPERATIVISMO: ORIGENS, DESENVOLVIMENTO E TENDÊNCIA

3 FOLHA RURAL & INFORMATIVO COOPEMAR

3.4 Títulos que fazem a história

3.4.9 Utilidade política

Veículos de comunicação sempre foram vinculados ao uso político que deles se

faz. No caso da imprensa cooperativista, não há diferença. Essa categoria reúne textos sobre

política, no sentido mais restrito do termo: ocasiões em que os jornais foram usados em

campanhas internas ou externas, a favor de candidatos ou nomeações, em críticas ou elogios

ao poder público. O período selecionado foi rico enquanto cenário para manifestações

políticas: além da sucessão para a presidência da República e nomeação do novo ministro da

Agricultura, a Cooxupé preparava o processo para a escolha do novo presidente, o primeiro a

substituir Isaac Ferreira Leite.

Tratando-se de política interna, o Informativo Coopemar revela-se mais sutil,

sem grandes apelos em favor dos dirigentes. Mas essa aparente imparcialidade pode ser fruto

do próprio contexto no período avaliado: não havia nenhuma situação de disputa, como na

Cooxupé. A Folha Rural foi um dos suportes adotados pela diretoria da Cooxupé na sucessão

interna. Apesar da chapa única, o presidente valeu-se do editorial para fazer campanha a favor

“de membros que tenham, como prioridade, manter a estabilidade da Cooperativa”.

No editorial de março de 2003, intitulado “Presidente da Cooxupé coordena

sucessão”, o dirigente afirma que os cooperados podem “ficar tranqüilos” pois não haverá

disputa pelo poder na Cooxupé ocorreu em 1995, quando Isaac Ferreira Leite venceu com

80% dos votos. E ele aproveita este espaço para mostrar, com números, como a Cooxupé

cresceu de 1995 a 2003. Outras situações de auto-promoção que conferem status político aos

dirigentes serão apresentadas no próximo tópico.

Antes, porém, convém evidenciar as relações políticas externas à cooperativa. No

âmbito municipal, o Informativo Coopemar patenteava as relações amistosas entre a

cooperativa e a prefeitura. De acordo com François Regis Guillaumon, os últimos três

secretários municipais de agricultura foram indicados pela cooperativa. Entre 2002 e 2003,

Heleno Gual Nabão acumulava essa função pública com a de diretor administrativo da

Coopemar e essa condição era sempre enunciada nas matérias em que o dirigente era

entrevistado.

O bom relacionamento com o poder público municipal manifestava-se ainda no

espaço aberto para a publicação de fotos e depoimentos do prefeito de Marília, Abelardo

Camarinha (PMDB), e dos vereadores que prestigiavam os encontros e festas agrícolas

promovidas pela cooperativa. Um projeto de lei em que a Câmara Municipal concedia o título

de Cidadão Mariliense ao presidente da Coopemar selava essa conduta editorial. Uma análise

mais aprofundada sobre essa homenagem será elaborada adiante.

As poucas menções da Folha Rural ao poder público municipal estão registradas

não nos títulos, mas nos textos sobre as inaugurações de novas filiais, quando as prefeituras

contribuíam geralmente com a cessão de terrenos em regime de comodato. “Se viemos a Serra

do Salitre, foi porque o prefeito Cresmar Dornellas, junto ao engenheiro [...] e um grupo de

produtores nos procuraram na Matriz, manifestando interesse para que aqui atuássemos”,

afirma o presidente da Cooxupé no editorial de outubro de 2002.

As relações com os governos estaduais mostram-se mais distantes e eventuais nos

dois periódicos. Um telefonema do governador Geraldo Alckmin (PSDB), em julho de 2002,

Escritório de Desenvolvimento Rural de Marília não seria transferido para outra regional,

como prenunciavam alguns boatos. O prefeito estava ao lado do governador, na capital, no

momento do telefonema. Outra situação registrada pelo Informativo Coopemar e que

denotava um relacionamento aparentemente amigável com o governo era a presença do

secretário estadual de Agricultura em aberturas oficiais de eventos técnicos promovidos pela

cooperativa. As relações políticas da Cooxupé com o governo de Minas Gerais são

editorialmente desprezíveis. A Folha Rural publicou três textos apenas transcrevendo

modificações na legislação estadual.

O uso político dos dois jornais é mais explícito ao retratar as relações das

cooperativas com o governo federal, nas instâncias executiva e legislativa. Os personagens

que têm espaço liberado nas duas publicações são os mesmos: o deputado federal Xico

Graziano (PSDB) e o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. O primeiro foi, sem sombra

de dúvida, o deputado que mais visitou a Coopemar nos últimos anos, com uma média de dois

a três contatos pessoais a cada ano. Todas as visitas foram divulgadas no Informativo

Coopemar e no período estudado Graziano esteve na cooperativa para agradecer à votação expressiva que recebeu na região. Na Folha Rural, sua participação manifestou-se através dos

artigos sobre reforma agrária.

O tratamento dispensado ao ministro Roberto Rodrigues pelo jornal da Cooxupé

mereceria um capítulo à parte, porque foi ele o pivô de uma pseudo-redenção do líder

cooperativista de Minas no processo eleitoral de 2002. Também cabe uma análise mais

criteriosa sobre a postura editorial da Folha Rural em relação aos então candidatos à

presidência José Serra e Luís Inácio Lula da Silva. Nesta fase de procedimentos descritivos,

antecipa-se que nenhum dos dois foi citado nominalmente durante o processo eleitoral,

embora a transparência da campanha a favor do candidato da situação tenha sido praticamente

inexcedível.

de construção de Cenário de Representação Política (CR-P) na Folha Rural.

[...] o CR-P é o espaço específico de representação da política nas “democracias representativas” contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e pela mídia...[...]. (LIMA, 2001, p. 182)

Essa formulação tem início com a divulgação de que dois deputados mineiros da

base governista –um do PSDB e outro do PMDB – estariam tentando junto ao governo federal

a renegociação de dívidas dos produtores rurais. Essa publicação é de julho de 2002 e está no

texto “‘Investimos para exportar qualidade’, afirma dr. Isaac”, sob o intertítulo “Temos

aliados políticos”.

Na edição seguinte, em agosto, o presidente da Cooxupé explica como vão

funcionar medidas recém-adotadas pelo governo federal para tentar conter a crise no setor. A

Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) passará a comprar café em leilões, com

preço mínimo acima do valor de mercado na época. O teor do texto “‘Medidas ajudam, mas

falta dinheiro na mão do produtor’, afirma dr. Isaac” é menos político e mais técnico.

Em setembro, o presidente pede no editorial que os cooperados, antes de votar,

lembrem-se das importantes medidas anunciadas pelo governo no mês anterior para atenuar a

crise da cafeicultura. E que rejeitem candidatos favoráveis à reforma agrária através de meios

violentos e invasões, em prol de um outro que respeite o direito à propriedade. A história

política de Lula sempre esteve associada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,

inimigo declarado dos proprietários rurais. O título do editorial é “‘Valorize o agronegócio

com seu voto’, afirma dr. Isaac”.

Luís Inácio Lula da Silva venceu a eleição no segundo turno, em 27 de outubro de

2002, mês em que o editorial da Folha Rural não abordou questões políticas. A partir de

apresentando-o com um provável indicado ao Ministério da Agricultura e elogiando seu

caráter conciliador. Em seguida, já confirmada a nomeação, a Cooxupé compromete-se

definitivamente com o futuro ministro, anunciando que junto com outras entidades do setor,

foi responsável pela indicação. A manchete do jornal na edição de dezembro é: “Roberto

Rodrigues no Ministério da Agricultura: ‘o homem certo no lugar certo’, afirma presidente da

Cooxupé”.

Em janeiro, sete páginas, das 20 que circularam, foram destinadas à cobertura da

posse do ministro. Mas em todos os momentos, não há vinculação de Roberto Rodrigues com

o PT ou com Lula. O nome do novo presidente da República permanece oculto na Folha

Rural. Era como se o novo ministro, amigo pessoal de Isaac Ferreira Leite, não fizesse parte de uma equipe de governo.

O Informativo Coopemar foi menos passional na cobertura das eleições presidenciais. As mesmas medidas de socorro à cafeicultura foram anunciadas positivamente

na edição de agosto/setembro. Na edição seguinte, François Guillaumon reconhece que a

situação só não é pior em função dos leilões, mas ainda assim, afirma que os produtores estão

“no fundo do poço”. Em dezembro, com o resultado da eleição já conhecido, o editorial trata

apenas de assuntos internos.

Em março de 2003 o presidente da Coopemar elogia a nomeação de Roberto

Rodrigues para o ministério e demonstra esperança: “Isso mostra parte do respeito que este

governo do Lula poderá ter por nós, diferentemente dos governos passados, que pouco se

importaram com os agricultores e Cooperativas”. É a primeira e única vez que o nome do

presidente empossado é publicado nos dois jornais, e mesmo assim, sem a preocupação ou o

cuidado de quem refere-se respeitosamente a um presidente da República.

Se nos depoimentos coletados com os dirigentes, as cooperativas negam que a

política partidária seja abordada em seus veículos de comunicação, é pelo menos curioso que