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3.4 ÉTICA E RELACIONAMENTOS

3.4.2 É vedado prejudicar o outro

3.4.2.1 O orgulho

Segundo Os Guinness (2006), o orgulho é considerado o pior vício entre os sete pecados capitais.23 Ele é o desejo de satisfazer o “deus” que há dentro de cada um, custe o que custar, ou, dito de outra maneira, cada um de nós tem dentro de si um “deus” ou uma criança que está sempre exigindo: “quero mais”. O contraponto do orgulho é a humildade e Calvino (2008, p. 32) diz que “Deus não se agrada em absoluto daqueles que são ambiciosos e altivos, cujos corações estão cheios de orgulho e presunção.”

Calvino (2008, p. 41) ainda alerta para o perigo do orgulho, ou seja, daqueles que pensam serem melhores em relação ao outro:

Seu dever é mostrar uma verdadeira humanidade e misericórdia, oferecendo sua ajuda com espontaneidade e rapidez como se fosse para si mesmos. A piedade que surge do coração fará com que se desvaneça a arrogância e o orgulho, e nos prevenirá de termos uma atitude de reprovação ou desdém para com o pobre e o necessitado.

O profissional orgulhoso de si e de seus feitos, no sentido de “se dar valor” ou ter “amor próprio”, virá mais cedo ou mais tarde a ignorar o que ensina a ética cristã em relação ao amor a Deus e ao seu próximo. Para Calvino (1996, p. 133), “o orgulho ou autoglorificação é a causa e ponto de partida de todas as controvérsias, quando cada um, reivindicando para si além de sua capacidade, está ávido em ter outros sob seu poder.” Assim, na sua visão, podemos dizer que o orgulhoso apaga totalmente a ideia de que tudo o que temos, que somos ou que recebemos é, na verdade, providência de Deus.

23 No século IV, o Monge Evagrius teria feito uma relação de oito pecados, mas, no século VI, a lista sofreu alteração pelo Papa Gregório, que a reduziu ao número de sete, juntando a vaidade ao orgulho, trocando a acídia pela melancolia e acrescentando a inveja. Onze séculos depois, teólogos, entre os quais, Tomás de Aquino, fizeram uma avaliação da lista, o que resultou em mudança: a melancolia foi substituída pela preguiça. Daí por diante, os sete pecados capitais não ficaram restritos à vida monástica, mas passaram a ser compreendidos como perigos morais da alma em meio à vida diária, só podendo ser descobertos sondando o mais profundo do coração humano. São eles: orgulho, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria, os quais se opõem às sete virtudes, respectivamente: humildade, amor, paciência, diligência, generosidade, temperança e pureza do coração. Esses sete pecados são chamados de “capitais”. Capital vem do latim caput, que quer dizer cabeça. São pecados “cabeças”, isto é, que geram muitos outros. São a “fonte” ou a “raiz” de todas as outras formas de maldade humana. Como bem disse Chaucer Parson, “os sete pecados capitais estão entrelaçados. São como o tronco da árvore de onde os outros se ramificam.”

Pois ninguém possui coisa alguma, em seus próprios recursos, que o faça superior; portanto, quem quer que se ponha num nível mais elevado não passa de imbecil e impertinente. A genuína base da humildade cristã consiste, de um lado, em não ser presumido, porque sabemos que nada possuímos de bom em nós mesmos; e, de outro, se Deus implantou algum bem entre nós, que o mesmo seja, por esta razão, totalmente debitado à conta da divina graça. Em outras palavras, não devemos vangloriar-nos em coisa alguma (no dizer de Cipriano), porque nada possuímos. (CALVINO, 1996, p. 134-135).

Os talentos que recebemos devem ser utilizados para facilitar nossa vida, bem como de nosso próximo, sempre atentos para o que nos orienta a ética cristã. Assim, diz Calvino (2008, p. 36) que, “se prestarmos atenção às instruções das Escrituras, observaremos que nossos talentos não nos pertencem, mas que são dons que o Senhor nos dá em Sua graça infinita.” Ele ainda afirma que o “orgulho ou autoglorificação é a causa e ponto de partida de todas as controvérsias, quando cada um, reivindicando para si além de sua capacidade, está ávido em ter outros sob seu poder.” (CALVINO, 1996, p. 56).

Para Tomei (1994), o orgulho toma o lugar da humildade, por ser esta interpretada de forma errada e, portanto, não ter lugar no comportamento humano. Diz a autora que “a prática da humildade talvez seja o comportamento mais difícil de compreender e desempenhar. Nossa cultura confunde as manifestações de humildade com as humilhações, fraquezas e falsas modéstias.” (p. 46).

Ainda, Calvino (2007) orienta que, para vencer o orgulho, a pessoa deve abandonar toda a preocupação consigo mesma e buscar a modéstia.

Donde procede o insulto feroz ou a austeridade insolente, senão de alguém que se exalta em sua própria avaliação e despreza orgulhosamente os demais? Desvencilhemo-nos da arrogância; e busquemos maior modéstia em nossa conduta para como os outros. (CALVINO, 2007, p.160-161).

Nas palavras de Zigarelli (2003), o proceder de forma orgulhosa desagrada a Deus e prejudica os demais funcionários, sendo o ideal colocar-se no lugar do outro, servindo o próximo sempre que necessário. O autor afirma que

[...] a habilidade de uma pessoa para tomar decisões dentro de um padrão de conduta cristã é, em grande parte, uma função da disposição desta para adotar o papel de servo e por as necessidades de outros à frente das próprias. Por outro lado, decisões que são alimentadas pelo orgulho tendem a desagradar a Deus e não ser benéficas para os funcionários. (ZIGARELLI, 2003, p. 55).

Devemos, ainda, ter claramente em mente que nenhum de nós está imune ao orgulho, ou seja, todos nós somos passíveis de ser por ele contaminados. Calvino (1995) qualifica o orgulho como uma enfermidade e também é da opinião que a sua raiz está presente em cada ser humano. Ele assim diz:

Devemos notar que os resíduos desta doença chamada orgulho persistem mesmo nos santos, de modo que eles mui amiúde precisam ser reduzidos a extremos, a fim de despir-se de toda a sua autoconfiança e aprender a humildade. As raízes deste mal são tão profundas no coração humano que ainda o mais perfeito dentre nós jamais se livra inteiramente delas, até que Deus o confronte com a morte. Podem os perceber o quanto a nossa autoconfiança desagrada a Deus, ao vermos como, a fim de cura-la, temos de ser condenados à morte. (CALVINO, 1995, p. 23).