• Nenhum resultado encontrado

O papel da angústia na experiência do aprendizado

No documento Revista (páginas 35-40)

ANGÚSTIA E APRENDIZADO

3. O papel da angústia na experiência do aprendizado

A relação entre cognição e afeto é um tema que despertou o interesse de grandes cientistas na contemporaneidade. Para Piaget (1986, p.22) há um paralelo constante e indissociável entre vida afetiva e a intelectual, formando os dois aspectos da conduta humana. As emoções são o grande motor do processo de aprendizagem. Como afirma Vygotsky “sempre eu comunicamos alguma coisa a algum aluno, devemos procurar atingir seus sentimentos”. (200, p.142) Isso se dá porque as nossas emoções negativas ou positivas interferem no cognitivo. Como

33 afirma Piaget, segundo Bringuier (1977), “Para que a inteligência funcione, é preciso um motor que é o afetivo. Jamais se procurará resolver um problema se ele não lhe interessa. O interesse, a motivação afetiva é o móvel de tudo” (BRINGUIER, 1977, p. 71-72). Para Piaget, o afeto retarda ou acelera o desenvolvimento das estruturas cognitivas.

Segundo La Taille (1992), Piaget afirma que:

O desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a motivação possa ser despertada por um número cada vez maior de objetivos ou situações. Todavia, ao longo desse desenvolvimento, o princípio básico permanece o mesmo: a afetividade é a mola propulsora das ações, e a razão está ao seu serviço (LA TAILLE, 1992, p: 65)

É a partir dessa discussão que põe a afetividade no centro do processo de aprendizagem que buscamos compreender o papel da angústia nas experiências humanas de aprender.

O aprendizado constitui uma experiência dolorosa e provoca muita angústia. Para que haja aprendizado é inevitável certa dose de frustração. Frustração porque não se sabe algo ou porque se está confuso e se sentindo ignorante. A capacidade de suportar esses sentimentos determina a capacidade de aprender. Segundo o psicanalista Bion, o pensamento deriva da contenção das experiências emocionais. “A capacidade de tolerar frustração possibilita que a psique desenvolva o pensamento como um meio através do qual se torna mais tolerável à frustração que for tolerada”. (BION, 1994, p.130). Para Bion 6, a capacidade de suportar a frustração possibilita o aprender com a experiência. Ou seja, o aprendizado é uma experiência que nos proporciona satisfação, sucesso, mas também insatisfação e fracasso.

Poder tolerar as insatisfações e fracassos significa, no dizer de Freud, regular o princípio do prazer pelo o princípio da realidade.7 (1994, 129). Portanto, a

6 Wilfred Bion - passou a infância na Índia. Aos oito anos passou a viver em um pensionato na Inglaterra e

nunca mais retornou a Índia, que amava. Formado em medicina, seu interesse na psicanálise aumentou. Submeteu-se então, a um treinamento em análise supervisionado pela psicanalista Melanie Klein - pioneira no estudo da relação mãe e filho, na idade de latente - que influenciou o pensamento de Bion. Bion foi psiquiatra no exército britânico durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhando em maneiras de melhorar a seleção dos oficiais e tratando vítimas. Estudos psicanalíticos revisados. 3ª Ed. Revisada.

7 Princípio do prazer e princípio da realidade. Freud estabeleceu desde o início de seu trabalho clínico um

sistema de princípios do funcionamento mental, cuja aplicação adequada seria um fator determinante na psicopatologia de um indivíduo. O princípio de prazer é o desejo de gratificação imediata. Tal desejo conduz o

34 capacidade de suportar esses sentimentos determina a capacidade de aprender. Certamente as dificuldades de aprendizagem são decorrentes dessa dificuldade de suportar as dores inevitáveis do processo, como: frustração, raiva e angústia.

A capacidade de regular os estados emocionais é, portanto, fundamental para o desenvolvimento social e cognitivo. Logo, a capacidade do indivíduo de lidar com a angústia determina o seu preparo para lidar com a própria vida.

O neurologista Antônio Damásio afirma de forma convincente que a emoção auxilia o raciocínio e que as evidências neurológicas indicam que “as emoções bem direcionadas e bem situadas parecem constituir um sistema de apoio sem o qual o edifício da razão não pode operar a contento” (DÁMASIO apud EMANUEL, 2005, p.74). Este ponto de vista corrobora as ideias de Bion de que a capacidade de pensar nos fatos de uma experiência emocional exige a contenção da emotividade, especialmente a angústia.

Segundo Claúdio Eizirik, é no campo destas relações entre o bebê e os pais, permeadas de percepções fortes, como a fome e o desconforto ou a saciedade e o prazer, sentimentos de frustração e ódio e também de amor e gratidão, sentimentos de abandono e desamparo alternados com o conforto e a sensação de segurança que é construído o processo de desenvolvimento, incluindo a capacidade de pensar. (2001, p.48).

Podemos concluir disso que os primeiros aprendizados da criança são de natureza afetiva, inclusive aprender a lidar com as emoções desconfortáveis através das primeiras relações com a mãe que funciona, como diz Bion, “o continente das angústias do bebê”. (BION, 2003).

Uma mãe equilibrada tem condições de receber essa (angústia) e responder terapeuticamente, ou seja, de um modo eu faça a criança sentir que lhe está sendo restituída a sua personalidade assustada, porém num estado que ela consegue tolerar – os medos tornam-se controláveis para a personalidade da criança.

Aprender dói. Parece uma visão negativa da experiência do aprendizado se levarmos em conta a perspectiva contemporânea que associa dor a doença ou anormalidade. Mas se considerarmos que dor é sinal de vida porque viver dói, a

indivíduo a buscar o prazer e evitar a dor. O princípio de prazer opõe-se ao princípio de realidade, o qual caracteriza-se pelo adiamento da gratificação.Faz parte do amadurecimento normal do indivíduo aprender a suportar a dor e adiar a gratificação. Ao fazer isso o indivíduo passa a reger-se menos pelo princípio de prazer e mais pelo princípio de realidade. Humberto Nagera. Metapsicologia. 1970, p.37.

35 experiência do aprendizado sem dor seria uma experiência sem vida. Daí, podemos afirmar que o negativo das angústias do aprendizado não seria a dor em si, mas a incapacidade de suportar essas dores que se constituiria, talvez, a origem ou uma das origens das dificuldades de aprendizagem apresentadas pelas crianças na escola. Não seria, portanto, uma incapacidade de aprender, mas de suportar as dores inerentes ao aprendizado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo o aprendizado como uma experiência angustiante, querendo compreender a dimensão afetiva do aprendizado e como a angústia influencia na capacidade do indivíduo aprender. Partimos do princípio de que a afetividade é o motor do processo de maturidade e crescimento pessoal do indivíduo .

Nesse sentido, utilizamos o ponto de vista de autores psicanalíticos que contribuíram para o campo da educação e para compreender o processo de maturidade psíquica. Verificamos que na Psicanálise, em suas diversas vertentes, a afetividade ocupa um lugar central. Para a Freud a afetividade é a expressão da vida pulsional que regula, inclusive, as primeiras relações objetais. Para Klein e Bion suportar a angústia é condição fundamental para crescer e aprender, pois a experiência da aprendizagem abre feridas narcísicas que são inevitáveis, as quais devem ser contidas pelo indivíduo como aspectos positivos do processo de maturidade.

REFERÊNCIAS

BION, W. R. Estudos psicanalíticos revisados. 3ª Ed. Revisada – Rio de Janeiro: Imago, 1994.

BOWLBY, JOHN. Apego e Perda. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

BRINGUIER, J. C. Conversando com Jean Piaget. Rio de Janeiro – São Paulo, 1977.

36 CUNHA, ANTÔNIO EUGÊNIO. Afeto e Aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008.

EMANUEL, RICCKY. Angústia: conceito de psicanálise vol. 10. São Paulo: Relume Dumará, 2005.

EIZIRIK, ClAÚDIO, . Noções básicas sobre funcionamento psíquico: O ciclo da

vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2001.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição Standard. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 320p

IMBASCIATI, ANTÔNIO. Afeto e Representação. São Paulo: Editora 34, 1998.

LA TAILLE, Yves de et alii. Piaget, Vigotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 8ª edição, São Paulo: Summus, 1992.

PIAGET, JEAN. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: forense Universitária, 1986.

37

DEPRESSÃO E O ENVELHECIMENTO: EFEITOS NOCIVOS DO

No documento Revista (páginas 35-40)