1 DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR
1.5 O papel da pós-graduação na formação do docente do Ensino
Conforme mencionado anteriormente, a pós-graduação, a partir da edição da Lei Federal nº. 9.394/96, passou a ser o espaço legitimado para a formação de professores do Ensino Superior no Brasil. Ainda que este não seja um caminho obrigatório para quem pretende ingressar na vida acadêmica, é o único legalmente sugerido. Vale destacar, também, que, apesar de a pós-graduação englobar tanto os cursos "lato sensu" quanto os "stricto sensu", o desejável e mais valorizado são estes últimos, pois são eles requeridos para, no mínimo, um terço do corpo docente das instituições de Ensino Superior.
A partir de agora, então, este estudo referir-se-á apenas aos cursos de mestrado e doutorado, pois eles representam o percurso idealizado para a formação dos docentes das universidades e faculdades. Formação esta que, com a necessidade de avanços tecnológicos, buscando maior competitividade no mercado internacional, passou a ser focada mais intensamente na pesquisa, deixando de lado as preocupações em relação ao ensino.
Com isto, apesar de a formação para a docência constituir objetivo dos cursos de mestrado e doutorado, é na formação de pesquisadores que está o enfoque principal da pós-graduação. “Há uma desvalorização do ensino como produção de conhecimento, ficando este e suas formas de produção, apropriação e circulação restritos à pesquisa – isolada como atividade na pós-graduação” (FERNANDES, 1998, p. 99).
Significa dizer que o profissional que decide ingressar na vida acadêmica e procura um mestrado ou doutorado para se tornar professor, pode concluir seu curso sem ter um único contato sequer com a docência, ainda que teoricamente.
Considerando que os programas de mestrado e doutorado em áreas diversas da educacional se voltam para a formação de pesquisadores em seus campos específicos, e não à formação de professores, permanecem estes sem condições institucionais de se formar na docência (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 154).
No caso dos professores que passaram por uma licenciatura ou pelo curso de pedagogia, a situação é amenizada, assim como no caso dos profissionais que
buscam mestrado e doutorado em Educação ou temas afins, visto que nesses cursos os saberes da docência são discutidos.
Porém, considerando a questão discutida nesta pesquisa, como ficaria a formação dos profissionais de Direito que se interessam em dar aulas e optam pelo mestrado em Direito? Eles estão legalmente habilitados a lecionar no Ensino Superior, possuem o diploma, entretanto, poder-se-ia afirmar que estão habilitados pedagogicamente? Repetindo a colocação e a pergunta de Masetto (2003, p. 183),
o mestre ou doutor sai da pós-graduação com maior domínio em um aspecto do conhecimento e com a habilidade de pesquisar. Mas só isso será suficiente para afirmarmos que a pós-graduação ofereceu condições de formação adequada para o docente universitário?
Na maioria das vezes, essa resposta é negativa, uma vez que “ser um reconhecido pesquisador, produzindo acréscimos significativos aos quadros teóricos existentes, não é garantia da excelência no desempenho pedagógico” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 190).
Evidencia-se, desta forma, uma lacuna grave na formação de professores de Ensino Superior, e as consequências podem ser facilmente imaginadas. A proposta inicial da pós-graduação deve ser relembrada, pois, ao enfatizar exclusivamente a pesquisa, deixou sem formação uma gama de profissionais que procuravam e procuram qualificar-se para a docência. É imprescindível reavaliar o papel da pós- graduação e entender que
não se trata de um processo excludente: ou formar o pesquisador ou
formar o docente. Trata-se, ao contrário, de chamar a atenção para a
complementaridade dessas duas ênfases, uma vez que o mesmo indivíduo será, necessariamente, pesquisador e docente concomitantemente (VASCONCELOS, 1998, p. 86, grifo do autor).
Uma mudança de cenário fica a critério das próprias instituições de ensino, pois, em relação à pós-graduação "stricto sensu", “como a legislação não é precisa quanto à formação pedagógica de mestres e doutores, as universidades fazem como julgam que devem (ou não fazem)” (VASCONCELOS, 1998, p. 86).
A inclusão de uma disciplina relacionada aos saberes pedagógicos, geralmente intitulada Metodologia do Ensino Superior, nos cursos de mestrado e doutorado, pode ser encarada como uma iniciativa de mudança. Sua carga horária varia de 45 a 60 horas, mas nem sempre é obrigatória, ou seja, mesmo que o curso ofereça a disciplina, o aluno pode decidir por não cursá-la, uma vez que ela é optativa em algumas instituições.
Considerando os cursos que oferecem tal disciplina e que o aluno a tenha escolhido como parte de seu currículo, ainda assim existe a agravante que diz respeito à forma como é ministrada.
Também é importante que se considere que, para além do conteúdo proposto nessa disciplina, as formas de ensino e de sua construção são determinantes e fundamentais para uma apreensão bem-sucedida por parte do professor-aprendiz. Uma preparação pedagógica que conduza a uma reconstrução de sua experiência pode ser altamente mobilizadora para a revisão e construção de novas formas de ensinar (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 250).
Para que essas mudanças ocorram, é crucial que o responsável por conduzir essa disciplina tenha conhecimento pedagógico e seja capaz de incentivar a reflexão e a discussão sobre a docência. Infelizmente, a situação não reflete a realidade em muitos casos, já que a Metodologia do Ensino Superior nem sempre é “desenvolvida por profissionais que dominam os saberes necessários à docência” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 108).
Vale ressaltar, ainda, que “a introdução de uma disciplina sobre docência universitária tanto pode redundar em resultados burocráticos e cartoriais, quando isoladamente implantada, quanto levar a processos de revisão da ação docente” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 256).
De qualquer forma, é uma iniciativa que deve ser considerada e analisada criticamente, pois representa uma forma, ainda que discreta, de resgatar a formação de professores, não apenas de pesquisadores, nos cursos brasileiros de pós- graduação. Até porque, ela representa
para muitos docentes universitários, a única oportunidade de uma reflexão sistemática sobre a sala de aula, o papel docente, o ensinar e o aprender, o planejamento, a organização dos conteúdos curriculares, a metodologia, as técnicas de ensino, o processo avaliatório, o curso e a realidade social onde atuam (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 108).
Experiências mais efetivas também já estão ocorrendo em algumas universidades brasileiras. A Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Centro Universitário de Jaguaré do Sul (UNERJ) e a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP) são exemplos dessas experiências, pois estão trabalhando no processo de reflexão dos docentes através de alguns recursos, como memorial de formação, auto-avaliação do docente elaborada pelo discente, palestras e conferências com especialistas convidados (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Apesar de isoladas, essas experiências já demonstram a percepção, por parte das instituições, quanto à necessidade de investir na formação de professores para o Ensino Superior.
Uma analogia com as palavras de Cunha (2008), ao referir-se a espaço, lugar e território, permite concluir que a pós-graduação ainda é espaço, local delimitado, para a formação de professores do Ensino Superior. A existência do espaço de formação não garante a efetivação da mesma. A transformação do espaço em lugar se dá através do preenchimento desse espaço por sujeitos que lhe atribuem significado. A transformação do lugar em território se dá quando se explicitam os valores e dispositivos de poder de quem atribui os significados.
A pós-graduação já é espaço de formação para a docência superior e vem se constituindo em lugar, mas ainda está longe de ser território.