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CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS

1.3 PROBLEMA DE PESQUISA

1.6.1 O Papel da Polícia Civil e dos órgãos de fiscalização

A Constituição Federal, em seu Artigo Nº 144, inciso IV, §4º, ao dispor sobre a segurança pública como dever do Estado, elenca a atribuição da Polícia Civil:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio dos seguintes órgãos:

IV - Polícias civis;

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto os militares (BRASIL, 1988).

Ao contrário da Polícia Militar, responsável por atuar preventivamente para evitar a ocorrência dos crimes, a Polícia Civil é acionada após a ocorrência de um crime para apurar quem foram os responsáveis pela ação delituosa e quais as circunstâncias do fato criminoso (LIMA, 1997).

Analisando o papel da Polícia Civil na democracia, Ribeiro et al. (2012) diferencia o papel da Polícia Militar e Civil, sendo da primeira a proteção das pessoas por meio do

patrulhamento ou prisão de pessoas suspeitas e da segunda o investigativo após serem reportados num órgão policial.

O Código de Processo Penal prevê a forma como a investigação criminal se desenvolve, apresentando de forma detalhada o principal procedimento utilizado para apuração de fatos delituosos: o Inquérito Policial, do qual se valem os policiais para materialização dos atos desempenhados para apuração de autoria e materialidade (BRASIL, 1941).

Ao tratar do papel institucional da polícia, Lima (1997) aborda sobre o inquérito policial como um procedimento administrativo e não judicial, em que não se aplica o princípio do contraditório, sendo iniciado após a existência de indícios suficientes de cometimento de um crime. Sobre o inquérito policial, Misse (2011) discorre que se trata do procedimento mais importante do processo de incriminação, peça insubstituível que além de abrir as portas do processo criminal, também economiza o trabalho dos outros operadores da lei, como juiz e promotor de justiça. Aborda, ainda, sobre o crescente número de registros de ocorrência ocasionado pela necessidade de estatísticas policiais mais fidedignas.

A indispensabilidade da polícia civil para proteção ambiental é citada por Valle (2019), uma vez que durante o desenvolvimento de suas atribuições realiza ações e diligências para responsabilização de autores de crimes ambientais o que, de forma, tangencial, protege o meio ambiente. Assim, verifica-se o Direito Penal como ultima ratio, ou seja, último mecanismo que se vale o Estado para inibição de atividade contrária à lei, devendo ser aplicado quando as penas de natureza administrativa e civis não forem suficientes.

Em pesquisa qualitativa elaborada após a realização de entrevistas com Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul para compreensão de suas percepções sobre as dificuldades para o desenvolvimento de investigações, Azevedo e Vasconcellos (2011) afirmam que em razão do número de ocorrência e inquéritos policiais ser desproporcional à capacidade operacional da Polícia, são priorizados os casos que tem maior chance de serem solucionados e aqueles cobrados pela exposição midiática ou pressão política.

O combate ao desmatamento vem sendo implementado e discutido há considerável tempo, sendo indiscutível a importância das ações de repressão voltadas à punição de infratores de ilícitos ambientais. Nesse sentido, o estudo de Fearnside (2006) no qual destaca a realização da Operação Curupira em 2005 que teve por objetivo reprimir a exploração

madeireira ilegal em vários estados da federação contribuiu para a redução da velocidade do desmatamento naquele ano, porquanto credita importância ao papel exercido pela polícia no enfrentamento ao crime ambiental.

Terá destaque na pesquisa o estudo de Brasil (2016) no qual analisou a relação entre as prisões efetuadas no bojo das investigações denominadas “Amazônia Legal” e Crashwood – voltadas à desarticulação de esquemas criminosos que promoviam a legalização de produtos florestais por meio do esquentamento de madeira – e as taxas de desmatamento, na qual conclui-se ter havido uma diminuição de 38,08% no ano de 2015, em relação ao ano anterior, com a realização do procedimento policial de combate ao desmatamento, o que denota que as ações de comando e controle tem potencial para alterar positivamente a realidade de constante degradação ambiental.

Nesse sentido, o combate ao crime ambiental deve ser aperfeiçoado de modo a acompanhar a evolução e dinâmica dos criminosos por meio da implementação de novos modelos de policiamento, especialmente buscando ferramentas tecnológicas como os veículos aéreos não tripuláveis, os drones, que podem ser utilizados para auxílio do monitoramento e conhecimento de áreas degradadas, especialmente porque se tratam de locais de difícil acesso, além de terem baixo custo e emprego mínimo de pessoal (FARIA; COSTA, 2015).

O estudo de Soares Filho et al. (2005) também será utilizado para reforçar a importância do papel fiscalizatório do Estado frente ao desmatamento, eis que os autores, ao projetar oito cenários distintos de desmatamento entre o período de 2001 e 2050, concluíram que uma ostensiva fiscalização ambiental poderia reduzir cerca de 30% o percentual de áreas desmatadas.

Relacionando a otimização da fiscalização com o implemento da descentralização das competências ambientais dos entes federados com o advento da Lei Complementar Nº. 140/2011, Schmitt e Scardua (2015) destacam que a imposição de punição ao sujeito que afronta a lei ambiental acarreta a diminuição da probabilidade de cometimento de novas infrações, apesar de reconhecerem que o instrumento coercitivo não é o único capaz de frear o desmatamento.

Ocorre que esse envolvimento e aperfeiçoamento dos trabalhos repressivos apenas se iniciaram de forma mais eficaz a partir de 2003, quando os índices de desmatamento passaram a ser divulgados pelo INPE, o que evidentemente dificultou o direcionamento das ações

fiscalizatórias por parte do governo, bem como a própria participação da sociedade conforme afirma Câmara et al. (2006). Mesmo diante da publicização da extensão de área desmatada, no ano subsequente o Brasil atingiu a segunda maior taxa com 26.130km² (INPE, 2019).

O efetivo controle e fiscalização da degradação ambiental tem como importantíssimo auxiliar o papel do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) operado pelo INPE, mencionado pelos autores Lemos e Silva (2011) como sistema para auxílio na análise do desmatamento, pois dentre outras ferramentas, calcula as taxas anuais de mudança de cobertura vegetal, cujos dados servem de subsídio para que se aponte que a deficiência da fiscalização estimula o desmatamento, o que igualmente será utilizado neste estudo.

A eficácia da ação de órgãos públicos fiscalizadores e de efeitos de fatores socioeconômicos sobre as causas do desmatamento foi testada no estudo de Arraes et al. (2012), o qual comparou as taxas de desmatamento acumuladas em 749 municípios da Amazônia Legal com as taxas de 130 países no período 1988 a 2002 aplicando um modelo de escolha discreta multinominal ordenado. Arraes et al. (2012) conclui que a existência de órgão fiscalizatório ambiental e o aumento da instrução, redução da desigualdade de renda e o cumprimento de leis regulatórias para delimitar a expansão da fronteira agropecuária são importantes para conter o desmatamento.

Schmitt (2015), em trabalho voltado para analisar a efetividade da fiscalização para controle do desmatamento ilegal como instrumento de coerção que impeça ou desestimule a prática ilícita, avaliou 11.823 autos de infração lavrados pelo IBAMA após a prática de delitos contra a flora no período de 01.08.2008 a 31.07.2013 sob a ótica da teoria econômica do crime. O autor, a partir do modelo de cálculo do valor de dissuasão, concluiu pela lucratividade da prática do desmatamento ilegal, uma vez que leva o infrator a auferir R$ 3.000,00 e, em contrapartida, o valor a ser pago é de R$ 38,54, tomando como base o desenvolvimento da atividade pecuária. Verificou, portanto, que a forma como a fiscalização se desenvolve motiva o desmatamento, confirmando o velho ditado: o crime compensa.