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EQUADRAMENTO TEÓRICO DA INVESTIGAÇÃO

3. Aprendizagem Cooperativa

3.7. O papel das Relações Interpessoais e Intrapessoais dos alunos

No decorrer de anos de investigação, Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço, centrado nas maturações orgânicas do individuo, afirma que o conhecimento é eminentemente intrapessoal na sua génese (parte de cada um), podendo posteriormente ser confrontado interpessoalmente e adaptado a situações novas. Por sua vez, para Vygotsky (1934- 1986), psicólogo bielo-russo, o sentido é exactamente oposto, existindo primeiro o conhecimento “como interpessoal e passando depois a intrapessoal, ou seja o desenvolvimento cognitivo é avaliado como tendo uma base eminentemente social” (Nunes, 1997). A sua perspectiva “sócio-interaccionista” liga a aprendizagem ao facto do ser humano viver em meio social.

Para Vygotsky (1978), as relações interpessoais têm um papel fundamental na aprendizagem, ao ponto das características e atitudes individuais serem o resultado de trocas com o colectivo. A maturação biológica, só por si, não é suficiente para o indivíduo realizar uma tarefa, pois, na sua perspectiva, ele tem que experienciar práticas/ambientes que propiciem essa aprendizagem. Tudo o que o ser humano construiu é a partir da sua relação com o outro.

Para explicar a forma como a aprendizagem acontece através da interacção do sujeito com a sociedade, Vygotsky argumenta que a capacidade de resolver problemas sozinho (independentemente e sem ajuda) é determinada pelo “nível de desenvolvimento real” e a capacidade de resolver problemas com a ajuda de um parceiro mais experiente pelo “nível de desenvolvimento potencial”. À distância entre esses dois níveis chama “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP) 21

, na qual são activados processos internos que

21 “(...) distância entre o actual desenvolvimento determinado pela resolução independente de problemas e

o nível mais elevado de potencial desenvolvimento determinado através da resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração com pares mais capazes” (Vygotsky, 1978, p. 86).

152 só são capazes de operar quando o indivíduo entra em interacção e cooperação com outras pessoas. É, pois, necessário que as potencialidades das crianças se evidenciem efectivamente na aprendizagem, o que acontece se forem promovidas boas experiências de interacção, pois é justamente na ZDP que a aprendizagem vai ocorrer.

Defende ainda o mesmo autor que esses processos, activados pelas relações interpessoais, são interiorizados, passando a fazer parte das capacidades das crianças, de tal forma que estas passam a poder exercê-los sozinhas.

Por seu lado ao estudar o comportamento associativo, Piaget (1969, cit. por Bordenave e Pereira, 1988, p. 31) também valoriza a dinâmica de grupos, pois esta “estimula a operação da inteligência em situação cooperativa, tirando a pessoa do seu egocentrismo”, o que leva à melhoria das suas relações interpessoais e intrapessoais.

A aprendizagem é, reconhecidamente, um processo que é influenciado por uma variedade de factores externos, incluindo as interacções em grupo e as intrapessoais. Apesar de existirem diferenças significativas entre o pensamento de Piaget e de Vygotsky, é de salientar que ambos reconhecem a importância da interacção directa com os outros, com recurso ao diálogo, como forma de resolver conflitos ou problemas, o que estimula o aparecimento de níveis de pensamento mais elevados. O contributo destes investigadores, curiosamente nascidos no mesmo ano, foi fundamental para o reconhecimento da importância do Trabalho Cooperativo na melhoria das interacções sociais, dado que ambos deixaram bem patente que a realização de actividades de tipo cooperativo/colaborativo tem um papel muito importante nessas interacções. Para eles, “o meio social é determinante para o crescimento cognitivo e para a construção do conhecimento” (Hertz, Kirkus e Miller, 1992, p. 2, cit. por Freitas e Freitas, 2003, p.14).

153 Confluindo neste panorama, Margarida César (2000a), em resultado de várias investigações realizadas e de extensa revisão de literatura, refere que estudos bem recentes mostram que a potencialidade educativa das interacções entre os alunos vai muito para além das constatações de Vygotsky, pois verificou que o progresso dos alunos não acontece apenas quando um deles é mais competente, as conquistas dos alunos no domínio cognitivo e sócio-afectivo dão-se igualmente no par mais competente e no par menos competente.

De acordo com César (2000b, p. 7), como resultado de investigações realizadas ao longo de dez anos sobre o papel das interacções sociais no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos Doise, Mugny e Perret-Clermont (1975, 1976) concluíram de forma clara que “as crianças que trabalhavam em interacção social apresentavam maiores progressos cognitivos” do que nas situações individuais.

Para além desta constatação, verificaram que “esses mesmos progressos eram estáveis no tempo, ou seja, não desapareciam quando passado algum tempo elas realizavam” um pós-teste. César (2000b), com uma vasta experiência em investigações neste domínio, como disse, sustenta que o aluno, ao “ser confrontado com pontos de vista diferentes dos seus, [tem] de ser capaz de argumentar para defender o seu ponto de vista e saber gerir, do ponto de vista social, a interacção estabelecida (…) [que] promove o desenvolvimento sócio-cognitivo” (p. 9), o que facilita a apreensão de conhecimentos e a aquisição de competências, nomeadamente a competência Matemática, que toma estas destrezas como fundamentais.

A viabilização de fortes relações intrapessoais e interpessoais nas actividades em equipa cooperativa é de grande importância para todos os alunos como forma de construírem novos conhecimentos, que vão inserir-se e reestruturar o conhecimento anterior (Shunk, 1991), pois, ao explicar algo a um colega, o aluno tem que reorganizar ou clarificar

154 aquilo que pretende explicar de formas novas. Para Webb (1991, cit. por Nunes, 1996, pp. 16-17), este processo viabiliza “a possibilidade do aluno compreender e dominar mais profundamente o assunto em questão, colmatando possíveis falhas existentes, o que permite uma utilização mais apoiada desses conhecimentos”.

Segundo Tavares (1997, p. 66), “a pessoa é o resultado da dialéctica entre duas dimensões básicas do humano: a individualidade e a sociabilidade”. Na sua pessoalidade o indivíduo é único, mas é também um ser aberto com todas as características positivas a ele inerentes: transparência, abertura, autenticidade, espírito de iniciativa, capacidade de diálogo e sociabilidade. A pessoalidade comporta uma componente de individualidade sem dimensão verdadeiramente social e ética e uma componente humana com uma dimensão capaz de desenvolver relações pessoais que possibilitam uma melhoria nas relações intra e interpessoais. É, pois, “a pessoalidade que faz da individualidade uma pessoa, um ser inteligente, responsável, autónomo e livre”. É sobre as relações intrapessoais e interpessoais que trabalha toda a acção verdadeiramente humana. São elas que, efectivamente, caracterizam o comportamento humano em oposição ao inumano, aos objectos, às coisas (Santos, 2005).

A este propósito, para melhor entender as relações, Tavares (1997) achou necessário caracterizá-las de acordo com atributos, dos quais destaco: relação de ajuda,

reciprocidade, autenticidade e sociabilidade.

Através da compreensão das relações de ajuda/entreajuda, “consegue-se entrar verdadeiramente dentro das pessoas, senti-las, compreendê-las pelo lado de dentro, respeitá-las, amá-las, desenvolver atitudes verdadeiramente empáticas” (p. 55). Muitas vezes, para ajudar o próximo, é necessário compreendermos a sua posição, temos que “sair de dentro de nós”, pondo-nos no lugar do outro. Essa experiência (por vezes difícil) reveste-se de uma riqueza que engrandece as relações sociais.

155 Numa relação interpessoal, a reciprocidade tem um sentido amistoso. A pessoa dá e recebe, ajuda e deixa-se ser ajudada. Diz Tavares que a “reciprocidade pressupõe respeito, aceitação do outro como ele é: uma pessoa; pressupõe atenção, justiça, cuidado pelo outro, autenticidade, verdade, liberdade, amizade, amor” (p. 57).

Neste processo, a comunicação “não verbal” é tão importante como as palavras, até porque, através dessa comunicação, é, por vezes, mais provável saber se as pessoas são autênticas, sinceras e verdadeiras. Uma relação incondicional tem que ser autêntica. Os seres humanos já nascem humanos, porém é necessário acalentar esse “estatuto”; a pessoalidade que distingue os seres humanos dos outros seres tem que ser construída através das relações entre as pessoas. Continuando na linha do autor supracitado, a possibilidade de ser humano só se realiza efectivamente através dos outros.

Colocando como destino de cada individuo os seus semelhantes, Carrithers (1995) enfatiza que a interacção das pessoas, pelo carácter interactivo da vida social, é ligeiramente mais importante e genuína que esses objectos que denominam de cultura. Argumenta, assim, que, de acordo com a teoria cultural, as pessoas fazem coisas por causa da sua cultura e que segundo a teoria da sociabilidade as pessoas fazem com, para e em relação com os outros.

As relações interpessoais são fundamentais para nos ajudar a ter consciência da realidade dos nossos semelhantes e também da nossa própria realidade, o que favorece o crescimento interior, as nossas relações connosco próprios, a partir da interacção com os demais. Neste processo, os nossos semelhantes partilham connosco as suas histórias de vida e com a sua escuta tornam significativa a história que nós também vamos contando. Neste contexto, Tavares (1997, p. 32) assegura que “ninguém é sujeito na solidão (...), somos sujeitos entre sujeitos, o sentido da vida humana não é um monólogo, provém antes do intercâmbio de sentidos, da polifonia coral”.

156 Retornando à sala de aula, Rocard et al. (2007), no âmbito de uma acção pedagógica assente na interacção/cooperação entre os alunos, defendem a importância de uma pedagogia que use uma abordagem baseada em projectos de grupo para, assim, desenvolver o entusiasmo em torno da Matemática.

Das interacções entre os elementos de uma equipa cooperativa resulta um sentimento de pertença que permite que cada aluno se supere a ele próprio, porque sente confiança no grupo (Barreiros, 1996).

Os efeitos da Aprendizagem Cooperativa, como aprendizagem activa que enfatiza as interacções, o pensamento crítico e a democracia, ultrapassam os das estratégias que se praticam habitualmente, nas escolas. Com esta abordagem amplia-se os horizontes dos alunos, dá-se robustez e oportunidade para irem longe no seu percurso, sem paragens definitivas a meio.

De acordo com Radford (2011), a eficácia das interacções, como ferramenta pedagógica, é a certificação de que é possível construir uma escola de qualidade tendo como recurso e meios a convicção de que juntos conseguimos proporcionar um espaço facilitador de troca que auxilia o professor a criar condições para que a aprendizagem ocorra.

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CAPÍTULO III

METODOLOGIA

1. Natureza do estudo e opções metodológicas