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Etária 2 (FE2) – VAP

4 A TEORIA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ALÇAMENTO VARIÁVEL DA VOGAL

4.2 Aquisição da Variação Sociolinguística

4.2.1 O Papel do Input na Emergência da Variação Socialmente Estruturada

Conforme foi abordado em 3.1.1, diversos estudos na área de aquisição da linguagem têm apontado a importância do input para a construção da linguagem da criança. No entanto, as questões relacionadas à natureza do input na aquisição da variação sociolinguística ainda estão em sua fase inicial, conforme postula Robert (2002). Estudos recentes (FOULKES; DOCHERTY; WATT, 2006; PIERREHUMBERT, 2003; TOMASELO, 2003; LABOV, 2008; DÍAZ-CAMPOS, 2004, 2011) têm fornecido evidências de que a variação linguística é de aquisição precoce e de que parte dessa variação atestada na fala da criança é proporcionada pelo input. Essa posição contraria a inatista, na qual se postula que o input recebido pela criança seria pobre e degenerado e forneceria orientação

18 “Crianças de famílias de classe média alta desde o incio ocupam posições mais altas na escala e exibem uma resposta mais completa às normas sociolinguísticas do que as crianças de classe média baixa, e assim por dianteem sentido descendente.” (Tradução nossa).

inadequada. No entanto, há consideráveis indícios de que a fala dirigida à criança tem um papel fundamental para o seu desenvolvimento linguístico e para o aprendizado da variação.

Segundo Roberts (1997; 2002), há evidências de que as crianças adquirem padrões variáveis antes de formas categóricas, ou simultaneamente a elas, por influência do seu input linguístico. Tais evidências podem ser constatadas nos estudos abordados a seguir.

Guy e Boyd (1990) investigaram o apagamento de [-t] e [-d] em verbos semifracos ou ambíguos do inglês no tempo passado, em itens como kEp ou kEpt. Para tal investigação, os autores coletaram dados de falantes com idades entre 4 e 65 anos (filhos de trabalhadores, trabalhadores e idosos aposentados). Ressalta-se que os autores não levaram em conta a divisão por sexo/gênero e nem por escolaridade. No que se refere aos resultados da análise estatística, os autores concluíram que a aquisição do apagamento de [-t] e [-d] em verbos semifracos é um processo variável bastante complexo para falantes crianças e adolescentes. A dificuldade que esses grupos mostraram para produzir os sons oclusivos fez com que os autores acreditassem que tais segmentos não estavam presentes nas representações subjacentes dessas formas. Com base nessas constatações, os autores dividiram a atuação dessas variantes na fala infantil em três momentos/fases: na primeira fase, as crianças mais novas apagaram categoricamente o t/d finais em verbos semifracos; na segunda fase, elas mostraram índices de supressão em verbos semifracos semelhantes aos valores de supressão em palavras monomorfêmicas e, na terceira fase, marcada por uma idade mais avançada, elas tenderam à aproximação do modelo dos adultos. Os autores justificam tais diferenças encontradas nas falas das crianças como decorrente da forma de incorporação da morfologia verbal do inglês, que implica a construção dos verbos semifracos como uma classe separada (GUY e BOYD 1990).

Para Roberts (1997; 2002) as crianças adquiririam padrões variáveis antes de formas categóricas, ou simultaneamente a elas por influência do seu input linguístico. De acordo com Foulkes e Docherty (2006), o conhecimento linguístico da criança é baseado, em parte, na sua análise do ambiente linguístico, isto é, no seu input. Evidências dessa natureza indicam que as crianças, desde os primeiros anos de vida, seguem o modelo linguístico de seus cuidadores. Segundo os autores, as informações indexadas são transmitidas à criança através do input. Na tarefa de aprender a língua materna, a criança aprende não só a lidar com as restrições gramaticais, como também com as formas variáveis. Roberts (1997) também investigou o apagamento de [-t] e [-d] em itens como bad e planet, na fala de 16 crianças entre 3:0 e 4:0, residentes no sul da Filadélfia. Elas foram observadas durante 146 horas de gravação, a fim de que fosse coletado o maior número de ocorrências possíveis para o

apagamento de [-t] e [-d]. Segundo aautora, o número dessas ocorrências varia conforme o indivíduo. Nesse estudo, constatou-se que as crianças mais introvertidas produziram menos ocorrências (44), enquanto que as mais extrovertidas produziram mais ocorrências (250). O fato de as crianças mostrarem comportamentos linguísticos diferentes levou a pesquisadora a investigar também a fala de seus cuidadores (pais). Na perspectiva da autora, a fala do cuidador é fundamental para a produção de formas variáveis e o tamanho do seu estímulo linguístico reflete-se no número de palavras produzidas pela criança.

Em relação ao grupo de fatores linguísticos controlados, o contexto precedente e o contexto seguinte foram os mais significativos para a aplicação ou não da regra de apagamento de [-t] e [-d]. A autora afirma que as crianças estão de acordo com o padrão adulto quando apagam mais o [-t] e [- d] em palavras monomorfêmicas do que em verbos regulares do passado, como em missed ou laughed.

Em relação ao grupo de fatores sociais, a autora verificou que não houve diferença expressiva quanto à variável idade, diferentemente do que se teve para a variável sexo. Esses resultados sugeriram que as diferenças entre gêneros acontecem nos estágios iniciais do processo de aquisição da linguagem: as meninas desse estudo apagam mais o [-t] e [-d] do que os meninos. Os resultados para a variável idade diferem dos postulados por Guy e Boyd (1990), que consideraram categórico o apagamento de [-t] e [-d] em verbos semifracos. Por conseguinte, as crianças não teriam na subjacência as representações de [-t] e [-d], o que indica que esse processo variável emergiria numa idade mais avançada (entre 14 e 18) e se prolongaria na fase adulta. No entanto, o resultado da pesquisa de Roberts mostrou que o apagamento não é categórico e que está presente nos primeiros estágios de aquisição da linguagem.

A autora concluiu que a aplicação desse processo variável na fala infantil se relaciona com o input linguístico que a criança recebe, já que ela segue os mesmos padrões linguísticos dos adultos que estão ao seu redor (pais, cuidadores) à medida que sua base linguística vai sendo construída.

Foulkes, Docherty e Watt (1999), voltados para a análise do discurso dirigido para crianças – Child Direct Speech19 (doravante, CDS) –, ressaltaram que muitos aspectos da estrutura linguística dos adultos podem ser modificados na fala que é direcionada para crianças. Para os autores, as

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estratégias de simplificar o vocabulário e a sintaxe, de fazer repetições, de adaptar palavras para estrutura CV, de falar lentamente e de reduzir o tamanho das frases são recorrentes na fala dos adultos dirigida às crianças e têm o objetivo de facilitar o processo de aquisição da linguagem.

Os autores analisaram a realização variável do [t] nos contextos fonológicos como na posição intersonorizante em meio de palavra (como em water, winter e bottle) e na posição pré-vocálica em final de palavras (exemplos: get in e hat on). A amostra desse estudo foi constituída por dados de informantes adultos e de crianças entre 2:0 e 4:0, pertencentes à classe operária de Tyneside, cidade do norte da Inglaterra. Escolheu-se essa comunidade por ela apresentar um dialeto local marcadamente diferente em muitos aspectos do dialeto padrão, o que permite verificar como a variabilidade estruturada na fala adulta se reflete na fala infantil.

Os resultados obtidos nesse estudo revelaram três modelos principais: primeiro, observou-se que há diferenças expressivas na escolha da variante quando o direcionamento da fala é para um adulto ou para uma criança. Na fala dirigida à criança, os adultos, geralmente, empregaram mais [t], variante padrão, e menos variantes vernaculares que a fala direcionada aos adultos. Destacou-se também que a escolha da variante em CDS é determinada pela variável sexo, a qual foi bastante decisiva na avaliação dos resultados, assim como também nos estudos de Fisher (1958) e Roberts (1997). A produção das meninas, geralmente, apresenta mais a variável [t] do que a produção dos meninos, os quais, por sua vez, utilizam mais as formas vernaculares. De acordo com os linguistas, esses resultados corroboram a hipótese de que a fala dirigida à criança carrega aspectos linguísticos e sociais.

Os autores também destacaram a importância do input linguístico nos estágios iniciais (entre 2 e 4 anos). Constatou-se que as mães das crianças envolvidas no estudo usavam formas fonéticas diferenciadas quando se dirigiam às meninas ou aos meninos: recorriam a mais formas prestigiadas (padrão) para falar com as meninas e a mais formas vernaculares (não padrão) para falar com os meninos (FOULKES, DOCHERTY e WATTS, 1999).

Os valores sociais do CDS são apontados de forma precisa na pesquisa de Foulkes et al. (2003, p. 1962) na qual constataram diferença acentuada em relação ao sexo/gênero do interlocutor. Ainda de acordo com os autores, tal tendência pode ser entendida da seguinte forma:

The findings of our analysis of (t) variants can be seen in a similar light. Speech from parents to boys differs from that to girls because parents have different expectations about appropriate speech patterns for boys and for girls, respectively. Girls are given more chances to learn phonological variants that are positively evaluated, because there is a heightened expectation that girls will - or should - grow up to use those variants (FOULKES et al., 2005, p. 198)20. Segundo os pesquisadores, há uma complexa inter-relação entre sexo e idade que se manifesta numa diferenciação do CDS. Tal inter-relação é usada como meio de propiciar a socialização da criança pela transmissão de formas linguísticas adequadas a cada um dos gêneros/sexos.

Por último, a variação foi observada em relação à idade e teve um peso significativo, uma vez que as variantes aumentaram na fala das crianças o avanço da idade. De acordo com os autores, o aumento das variantes locais parece estar em sintonia com o período de transição entre a fase infantil, a adolescência e a fase adulta.

Apresentam-se, a seguir, os estudos realizados no Rio Grande do Sul e no sul do Brasil sobre o alçamento das vogais médias átonas postôncas finais na fala adulta.

4.3 O alçamento das vogais médias postônicas finais na fala adulta do Sul do Brasil: estudos