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CAPÍTULO I Revisão da literatura

URSS (citado por

2. A multidimensionalidade no desenvolvimento do talento

2.3. O papel do treinador

A relação treinador-atleta é crucial (Jowett & Cockerill, 2003) e, não só as influências sociais exercidas por eles e pelos pais, nas crianças e jovens que estão sob a sua responsabilidade, com também o modo como estas influências interferem com o desenvolvimento do talento, tem despertado um grande interesse nos investigadores desta área, traduzindo-se no aumento de estudos publicados (Gould et al., 2002; Wolfenden & Holt, 2005). Da análise da literatura decorre que quando entrevistados, os atletas de elite reportam que são profundamente influenciados pelos seus treinadores (Backer et al., 2011; Koh, Wang, Erickson, & Côté, 2012; Mageau & Vallerand, 2003; Weiss & Williams, 2004). Com resultados semelhantes mas na área da educação física escolar Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen (1993) realizaram um estudo longitudinal que avaliou o desenvolvimento de jovens adolescentes talentos em cinco áreas – arte, desporto, matemática, música e ciência. Mais de 200 estudantes foram analisados durante um período aproximado de quatro anos. O objetivo do estudo foi determinar quais os fatores que contribuem para o desenvolvimento do talento em alguns indivíduos e que ao mesmo tempo contribuem para uma eventual falta de sucesso de outros jovens. Numa das conclusões mais interessantes deste estudo, os autores identificaram três características dos treinadores que contribuíram para cultivar o sucesso dos seus estudantes: i) a paixão que os treinadores tinham pelo treino. Os alunos reconheciam-lhes um amor e devoção genuínos pelo processo de ensino; ii) os treinadores criavam condições ótimas de aprendizagem pelo que os atletas nunca estavam aborrecidos ou frustrados com o treino, motivando-os para

maximizar os seus níveis de concentração, autoestima, e envolvimento e; iii) os atletas reconheciam nos seus treinadores capacidade para entenderem as suas necessidades. Dentro e fora da escola, os treinadores preocupavam-se verdadeiramente com o desenvolvimento global dos alunos.

Apesar desta evidência há ainda necessidade de mais estudos, principalmente no contexto do desenvolvimento de talentos no desporto que decorre do processo de identificação de jovens com potencial para alcançar elevados níveis de rendimento em determinada modalidade (Martindale, Collins, & Abraham, 2007). Sabendo que este processo de identificação de talentos se baseia na interação complexa entre o conhecimento e a memória de situações idênticas pelas quais passaram durante anos de experiência e reflexão, acresce naturalmente a importância dos treinadores neste processo (Nash & Collins, 2006).

Obviamente que as interpretações e consequências do contexto desportivo depende das diferenças individuais dos atletas. Os desportistas não são todos iguais, e entram no sistema desportivo com diferentes competências físicas e mentais, habilidades técnicas, ética de trabalho, e também disposição psicológica (Balaguer, Duda, Atienza, & Mayo, 2002). A literatura demonstra que o comportamento do treinador pode influenciar de diversas formas essas características, seja para a definição dos seus objetivos ou para a motivação para o treino e competição (Cruz et al., 2001; Koh & Wang, 2015). Os treinadores equilibram o rigor com apoio e suporte incondicional ao atleta (Keegan, Harwood, Spray, & Lavallee, 2014; Salmela & Moraes, 2003) e são estes mesmos treinadores que motivam os seus atletas, enfatizam expectativas e padrões de comportamento, fomentam a disciplina, a atitude, o treino e que o trabalho duro compensa (Gould et al., 2002; Gould, Lauer, Rolo, Jannes, & Pennisi, 2008).

A importância do treinador na carreira desportiva de um atleta não é recente, e desde anos 80 (Bloom, 1985), que existem referências à capacidade que treinadores excecionais têm, não só, de ensinar e corrigir mas também de desenvolver competências psicológicas decisivas para quem quer alcançar sucesso no desporto (Durand-Bush & Salmela, 2002; Gomes & Cruz, 2006;

Gould et al., 2002). Aliás diversos estudos enfatizam a importância da integração da preparação psicológica no processo de treino (Côté, Bruner, Erickson, Strachan, & Fraser-Thomas, 2010; Gould, Chung, Smith, & White, 2006). Gould et al., (2002), baseando-se nas etapas de desenvolvimento da carreira desportiva de atletas de elite de Bloom (1985), investigaram as características psicológicas e o desenvolvimento de atletas olímpicos, através de entrevistas a 10 medalhados Norte-Americanos, bem como aos outros significativos (e.g. treinadores, pais, tutores). Os autores concluíram que o desenvolvimento psicológico dos/das atletas é influenciado por diversas pessoas e instituições, incluindo eles/as próprios/as, pessoas não ligadas ao desporto, pessoas ligadas ao desporto e ainda pelo processo desportivo. Sendo que o treinador e a família foram fatores identificados como decisivos no seu desenvolvimento. Por um lado a família e os treinadores têm uma influência direta através do ensino, e indireta por situações não planeadas e não intencionais que contribuem para o desenvolvimento de diversas características psicológicas.

Por outro lado também verificamos que os treinadores são decisivos, para os seus atletas, nos momentos de frustração que estes têm de ultrapassar depois de performances desapontantes. Paralelamente a estas conclusões, observamos da análise da literatura que a maioria dos treinadores não têm competências suficientes para identificar as necessidades emocionais de cada atleta (e.g. Malete & Feltz, 2000), sendo desta forma, esta, uma área importante para o desenvolvimento da formação dos treinadores (Côté et al., 2010; Côté & Gilbert, 2009; Côté, Salmela, & Russell, 1995; Dieffenbach, Gould, & Moffett, 2008; Fraser-Thomas & Côté, 2009; Gould et al., 2006).

O treinador assume portanto um papel decisivo em todas as etapas de desenvolvimento do atleta (Abbott & Collins, 2004; Elferink-Gemser, Visscher, Lemmink, & Mulder, 2004; Keegan et al., 2014; Morris, 2000; Reilly, Williams, & Nevill, 2000; Williams & Hodges, 2005; Williams & Reilly, 2000).

De acordo com a literatura a forma como os atletas de elite caracterizam os seus melhores treinadores depende do tipo de modalidade, do género, e do

seu nível de rendimento (Gill, Williams, Dowd, Beaudoin, & Martin, 1996; Gomes & Cruz, 2010; Hanrahan & Cerin, 2009; Koh & Wang, 2015). Parece haver ainda muito poucos estudos a analisar a diferença nas características dos treinadores de excelência entre os desportos individuais e coletivos (Allen & Hodge, 2006; Gurland & Grolnick, 2005; Ullrich-French & Smith, 2006; Vazou et al., 2005). Parece pouco provável que as conclusões relativas à relação treinador-atleta nos desportos individuais possam ser transferíveis para os desportos coletivos (Alfermann, Lee, & Würth, 2005). O papel de um treinador nos desportos coletivos é efetivamente muito diferente comparativamente ao dos desportos individuais. Uma exceção é o estudo de Macnamara, Button, e Collins (2010), que entrevistaram 24 indivíduos de nível de elite em desportos coletivos, desportos individuais e na música, sobre a sua experiência no seu percurso para a excelência nas suas áreas. Os autores referiram por exemplo que um atleta de judo apoia-se na estrutura da modalidade para lhe permitir monitorizar o progresso e ser determinado à medida que avança pelas diferentes graduações de cintos. Esta experiência, reportam ainda os autores, foi contrastante com a sua outra modalidade na altura, o rugby, cujos resultados foram grandemente influenciados pela performance da equipa.

Estas conclusões sugerem que nos desportos de equipa, os atletas adotam estratégias para obterem sucesso não só individualmente mas também em função dos colegas de equipa e em conjunto com estes. Nos desportos de equipa a performance final é muito mais do que simplesmente a soma dos esforços individuais (Hoigaard, Cyper, Fransen, Boen, & Peters, 2015). Para Bandura (1997) este conceito de eficácia coletiva, representa a crença de todo o grupo nas suas capacidades combinadas para executar de forma proficiente as tarefas necessárias à obtenção dos seu objetivos. A eficácia coletiva também pode ser associada com a coesão de grupo (Heuzé, Raimbault, & Fontayne, 2006; Kozub & McDonnell, 2000; Ramzaninezhad, Keshtan, Shahamat, & Kordshooli, 2009), a persistência na eminência do fracasso (Greenlees, Graydon, & Maynard, 2000; Hodges & Carron, 1992), a redução da pressão social (Lichacz & Partington, 1996), a diminuição da intensidade da ansiedade pré-competitiva e o aumento das emoções positivas durante a

competição (Greenlees, Nunn, Graydon, & Maynard, 1999). A coesão, o espírito de grupo, o princípio de que alcançar o objetivo comum é prioritário às metas individuais é altamente incutido nos jovens nas modalidades desportivas coletivas e pode influenciar também a forma como os outros fatores (e.g. motivação para o treino e para a competição, capacidade de sacrifício, definição de objetivos individuais) interagem nas diferentes fases da carreira desportiva destes atletas. Ou seja, a aprendizagem das habilidades no desporto é um processo multidimensional que é moldado em parte pelas oportunidades e limitações do contexto social e cultural no qual essa aprendizagem acontece (Christensen et al., 2011).