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O papel da pré-compreensão na formação de opinião do intérprete do Direito

3. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS APLICADOS À ATUAÇÃO JURISDICIONAL DA IMPARCIALIDADE COMO FUNDAMENTO PRECÍPUO DA

3.3. PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

3.3.4 O papel da pré-compreensão na formação de opinião do intérprete do Direito

Exige-se do juiz, em um sistema que tem a imparcialidade com norma constitucional, uma atuação livre de pré-conceitos, ou pré-juízos, o que deve ser entendido não

+Bras%C3%ADlia+(20%2C+21+e+22+de+novembro+de+2008).pdf>. Acesso em 15 out. 2015, p. 4293

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LOPES JUNIOR, Aury. Juízes Inquisidores? E Paranóicos. Uma crítica à prevenção a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Notadez, ano 3, n.10. 2003, p. 122

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como a negação das possíveis influências do subjetivo do julgador na decisão a ser proferida, mas, sim, como a inexistência de uma convicção prévia acerca do objeto do julgamento, de uma opinião sobre o caso ou sobre as partes envolvidas. Contudo, primordial abordar a relação entre a pré-compreensão e a imparcialidade. O homem como ser inserido no mundo é reflexo das experiências que ele vivencia ou vivenciou. Com isso, adota ideologias e convicções que para ele formam base para a tomada de qualquer decisão. No mundo jurídico vê-se isso em faina diurna. O ser humano não sendo capaz de se abster integralmente de suas pré- compreensões, as toma como base para dar sua decisão113.

Diante disso, toda vez que se realiza a leitura de um texto, para buscar compreendê- lo, faz-se uma projeção, cria-se uma linha de raciocínio sobre o caso, ou sobre os fatos propostos no texto. Ao se iniciar a decodificação de uma mensagem, o intérprete cria em subconsciente uma ideia de como deve seguir todo o texto, de acordo com sua ideologia, experiência, princípios. É o que ocorre com o juiz diante dos autos da investigação, quando lhe compete decidir sobre, por exemplo, a expedição de um mandado de busca e apreensão:

Quem quiser compreender um texto, realizará sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete projetará um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido114.

Analogicamente, quando qualquer pessoa, por exemplo, pega um livro e observa sua capa, inconscientemente, faz uma análise acerca do tema ou do sentido da obra. Da mesma forma ocorre quando chega para um magistrado um determinado caso posto e ele começa a lê-lo, estabelecendo pré-juízos sobre a causa, diante, na investigação, apenas do requerimento policial, e da versão dos fatos, via de regra, contada por um delegado de polícia.

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MACHADO, Claudio Roberto da Silva. MACHADO, Luiz Fernando da Silva. O mito da imparcialidade do juiz e a pré-compreensão. Caderno de Pesquisa Discente - Faculdade de Direito de Caruaru. Caruaru: Ideia, vol. 8, n. 1. 2009, p. 46

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GADAMER, Hans-Georg. apud MACHADO, Claudio Roberto da Silva. MACHADO, Luiz Fernando da Silva. O mito da imparcialidade do juiz e a pré-compreensão. Caderno de Pesquisa Discente - Faculdade de Direito de Caruaru. Caruaru: Ideia, vol. 8, n. 1. 2009, p. 46

No processo penal, principalmente, mais do que se interpretar uma norma, ou ler um livro, trata-se do julgamento de um caso, uma situação real, envolvendo um homem e a dramaticidade de sua vida, à luz da norma e das diretrizes do sistema legal. O juiz é um ser inserido no mundo, tendo suas ideologias, princípios, experiências, como base para as suas decisões. Ou seja, ele faz uso da sua pré-compreensão na tomada de decisões jurídicas. Assim, sempre impregna suas decisões com ela115. Aquele juiz seguindo o molde mais conservador, tentando ser imparcial, em seus julgamentos, sentenças, que diz que “a lei por si só, já dá a decisão sendo papel do juiz apenas aplicar a lei mais adequada ao fato jurídico”, já está, mesmo sem ter consciência disso, aplicando suas ideologias e princípios. Como dito, a neutralidade do juiz é impossível de ser alcançada116.

A pré-compreensão é a base para a compreensão total de algo. Pois há uma sequência na atividade de compreensão: primeiro se pré compreende algo, para depois haver um trabalho de corrigir e confirmar as ideias da pré-compreensão, então o conjunto de todos esses atos é a compreensão117.

Aury Lopes faz um estudo sobre a chamada teoria da dissonância cognitiva, que merece, mesmo que de forma sucinta, alguns comentários neste momento. O termo é aplicado pela psicologia no que se refere ao conflito entre duas ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Segundo ela, cognições contraditórias entre si servem como estímulos para que a mente obtenha ou produza novos pensamentos, ou modifique conceitos pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições.

Explica o jurista gaúcho que a teoria analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de consonância (mudar uma das crenças ou as duas para torná-las compatíveis, desenvolver novas

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GADAMER, Hans-Georg. apud MACHADO, Claudio Roberto da Silva. MACHADO, Luiz Fernando da Silva. O mito da imparcialidade do juiz e a pré-compreensão. Caderno de Pesquisa Discente - Faculdade de Direito de Caruaru. Caruaru: Ideia, vol. 8, n. 1. 2009, p. 46

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Ibidem, p. 47 117

crenças ou pensamentos, etc.) que reduzam a dissonância e, por consequência, a ansiedade e o estresse gerado118.

O juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia, para recebê-la, sendo inafastável o pré-julgamento. É de se supor que tendencialmente o juiz irá se apegar a essa imagem já construída, e, por certo, tentará confirmá-la na instrução processual. Em outras palavras, tendencialmente deverá superestimar as informações que coincidam ou corroborem que a imagem formada e menosprezar as informações que destoem.

“Quanto maior for o nível de conhecimento/envolvimento do juiz com a investigação preliminar mais provável é a frequência com que ele condenará119”. A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais (acusatórias) e conduz a dissonância cognitiva. Como consequência existe o efeito de autoconfirmação das hipóteses, através da busca seletiva de informações.

Por isso, uma vez mais, demonstra-se que o juiz prevento-contaminado não poderia – e não pode – ser o mesmo a atuar no processo, vez que sempre buscará – e busca – confirmar as hipóteses iniciais acusatórias, que já foram sedimentadas como corretas, superestimando-as, em detrimento das informações e argumentos contrários, da tese defensiva.

Ao ler e estudar, o juiz, os autos da investigação preliminar para decidir, por exemplo, se decreta ou não a prisão preventiva, forma uma imagem mental dos fatos. Inevitavelmente. Inclusive, para esta decisão, como para qualquer outra, a formação da imagem é necessária. O problema vem com a atuação posterior. O risco de pré-julgamento é real e expressivo.