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A prevenção como regra de exclusão da competência no processo penal Frente ao princípio da imparcialidade, a regra de prevenção deveria

5. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

5.2.1. Critérios de distribuição de competência

5.2.2.4. A prevenção como regra de exclusão da competência no processo penal Frente ao princípio da imparcialidade, a regra de prevenção deveria

definir competência ou afastá-la? A relação entre a distribuição de competência por prevenção e o princípio da imparcialidade.

Quaisquer magistrados, uma vez regularmente investidos na função judicante, tem o poder para decidir controvérsias jurídicas independentemente da matéria que se lhes apresente – civil, penal ou administrativa, dentre outras – pois dotados de plena jurisdição252. Tal concepção, porém, embora possível e correta do ponto de vista teórico, apresenta-se problemática no campo prático, motivo pelo qual os ordenamentos jurídicos optam, via de regra, pela repartição desse poder jurisdicional inerente aos juízes e tribunais, dando ensejo ao que se denomina competência. Esta não é a questão principal. Já no que respeita à fase pré-processual, a palavra

medida empregada na disposição legal não pode estar se referindo a quaisquer atos

investigatórios praticados no curso de inquérito ou de procedimento administrativo, mas unicamente à atuação jurisdicional, isto é, ato do juiz, no exercício da tutela da jurisdição penal253.

Tal situação não deveria ser regra de definição e sim de exclusão da competência, já que esse juiz que atuou na fase pré-processual teve contato antecipado com o fato (parcialidade) – parte-se do pressuposto de que o juiz é o fiel fiscalizador dos atos persecutórios.

Relacionando os sistemas processuais penais (tratados em capítulo anterior) o Aury Lopes Jr. trata como reducionismo bastante frequente a desconexão da discussão daqueles com a imparcialidade. “É elementar que ao se atribuir poderes instrutórios

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MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 105

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OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 17 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013, p.268

ao juiz, fere-se de morte a imparcialidade, pois ‘quem procura, procura algo’”254

. Quando o juiz decide ir atrás da prova já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira. Esse juiz não decide a partir dos fatos apresentados no processo, senão da hipótese acusatória inicialmente eleita. Quando o juiz, em dúvida, afasta o in

dubio pro reo e opta por ir atrás da prova, ele já decidiu e só está buscando

elementos que justificam a decisão que ele já tomou.

Não se pode descuidar, que a dúvida deve dar lugar a absolvição. Percebe-se nitidamente a quebra da imparcialidade quando o juiz, conhecedor da ocorrência, tendo decidido, por exemplo, sobre a prisão temporária do investigado, posteriormente, na ação penal, se afasta da regra de julgamento e decide buscar provas, ou interferir na produção probatória. “Não é preciso maior esforço para compreender que está buscando prova para condenar, pois se fosse para absolver, ele parava no momento anterior... É um evidente prejuízo que decorre dos “pré- juízos”. Juiz contaminado não pode julgar, sendo a ‘prevenção’ uma causa de exclusão da competência”255

.

Por fim, poder-se-ia argumentar ser possível dar interpretação conforme a Constituição aos artigos 75 e 83 do CPP, aplicando-os exclusivamente nos casos penais em que nenhuma medida cautelar foi requerida. Todavia, e conforme visto alhures, basta que o julgador aparente ser parcial, existindo a simples dúvida quanto a sua imparcialidade, para que a credibilidade do provimento se esboroe perante o jurisdicionado. Nesse contexto, o simples contato com elementos de convicção trazidos aos autos de maneira inquisitiva e não contraditória, conforme sói acontecer na fase do inquérito policial, deve ser reconhecido como fator suficiente de contaminação subjetiva do julgador, apto a gerar pré-compreensões em sua psique. Tome-se como exemplo situação - não rara, diga-se de passagem –, na qual a ilicitude de prova produzida em inquérito policial tenha sido reconhecida pelo Tribunal de Justiça, que determinou o processamento do feito perante o juízo monocrático prevento, após o regular desentranhamento da prova ilícita. Seria, nesta hipótese, razoável crer na imparcialidade do julgador, bem como em sua capacidade de por de lado todas as suas convicções prévias acerca da culpabilidade

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LOPES JR. Aury. Teoria da dissonância cognitiva ajuda a compreender imparcialidade do juiz. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jul-11/limite-penal-dissonancia-cognitiva- imparcialidade-juiz>. Acesso em: 01 set. 2015, p. 03

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do réu, para julgar tão somente com base nas provas que restaram nos autos? Ou já estaria este julgador fortemente influenciado pelos elementos de convicção que lhe chegaram ao longo do inquérito, ainda que ilegais? E, rendendo loas à teoria da aparência, seriam justificáveis eventuais suspeitas do jurisdicionado no que diz respeito à imparcialidade deste julgador?

Ora, colocando a questão nestes termos, não há subterfúgio retórico que convença o intérprete comprometido com a conformidade constitucional do processo penal da constitucionalidade dos artigos 75 e 83 do CPP, que devem ser interpretados às avessas caso se pretenda dar máxima efetividade ao princípio constitucional da imparcialidade, constitutivo da base principiológica uníssona que compõe o modelo constitucional de processo, e umbilicalmente ligado ao princípio acusatório.

Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato, com consignação e apreciação das circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo, o contato direto com o investigado e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juiz uma série de pré-juízos e impressões a favor ou contra o imputado, influenciando no momento de sentenciar256.

Os processos psicológicos interiores, formados ao longo do contato do juiz com os elementos dispostos, levam, inevitavelmente a um pré-juízo sobre condutas e pessoas. O problema é definir se o juiz tem condições de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena história do processo, sem intensidade suficiente para condicionar, ainda que inconscientemente – e ainda que seja certeiramente – a posição de afastamento interior que se exige para que comece e atue no processo257.

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LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 181 257

6. O PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E O JUIZ DE