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O pensamento de Frantz Fanon: uma metamorfose pós-colonial

Diferentemente do que se analisa, o pensamento de Fanon foi a favor da vida, da liberdade, da igualdade e da solidariedade entre os seres humanos. Esse é o primeiro ponto que é preciso ter em mente diante da reflexão sobre Fanon e a violência colonial. O pensador da revolução compre- endia o racismo como uma forma de exclusão cotidiana, a tortura, também empregada pelo exército francês. Em grande parte de seu discurso, Fanon trabalhava em favor do direito à autodeterminação (MBEMBE, 2012: 8).

Na trajetória de Fanon não se abordou somente a questão racial, ele foi um ícone dos estudos pós-coloniais, pois as suas obras traziam uma inter- pretação da sociedade contemporânea em função das desigualdades. Desta- cando-se da geração anterior da Négritude, Fanon realizava uma análise mais aprofundada entre racismo e cultura. Vale dizer que, pela relação entre raça e produção cultural, ele identificou um grande problema (YOUNG, 2005: 110). De acordo com Fanon: Le racisme n’est jamais um élément surajouté découvert au hasard d’un recherche au sein des données culturelles d’un groupe. La

5 Nessa introdução do livro, Cícero Araújo define algumas práticas do cientista político que relacionam

o discurso e os acontecimentos históricos bem como a maneira com que os dois campos podem influenciar um no outro.

constellation sociale l’ensemble culturel sont profondément remaniés par l’existence du racisme. (FANON, 2006: 44).6

A contribuição de Fanon estava na deflagração do “racismo cultural”, que nada mais era do que a veiculação das teorias “científicas” que corrobo- ravam para uma construção cultural da raça. Essa constituição, na maioria das vezes, acabava se sobrepondo uma à outra em termos culturais, articu- lando-se uma economia nova, para manter um status quo de superioridade (YOUNG, 2005: 114).

A obra de Fanon percorreu um caminho difícil antes de penetrar nos meios universitários, pois o autor foi visto, durante muito tempo, como um traidor da França. Há menos de 20 anos, ela começava a circular entre os meios intelectuais franceses, a produção de Fanon, que foi revelando a condição humana (MBEMBE, 2012: 11-12). Reler Fanon hoje é sem dúvida compreender a amplitude do seu projeto e lutar para divulgá-lo.

Desde a década de 1970, Fanon ainda era conhecido nos meios socio- lógicos, políticos e mesmo no campo da psiquiatria. Após 1970, a escritora Alice Cherki publicou a obra que divulgaria o trabalho do Psiquiatra anti- lhano para fora da África: Frantz Fanon: Portrait (HODDOUR, 2006: XIII).

O tema da violência não pode ser retirado do seu contexto, princi- palmente por ter sido produzido com base no contexto de luta colonial e de preocupações étnicas. No seu livro, Os condenados da Terra, a violência é apenas o pano de fundo para tratar de um problema bem maior, a desco- lonização (HODDOUR, 2006: XV).

A violência seria o fruto de uma história do povo colonizado. Essa trajetória de violência era necessária para levar ao fim o processo de desco- lonização. A experiência do colonizado deve ser levada em consideração diante de todos os tipos de exclusão sofridas por eles. Era como se a expe- riência de violência já fizesse parte da “experiência vivida” do colonizado (HODDOUR, 2006: XV; MBEMBE, 2012: 12).

As noções dessa experiência vivida em Fanon certamente se modifi- caram após sua vivência como escritor do jornal El Moudjahid. Ele esteve na

6 “O racismo nunca é um elemento adicionado a mais e descoberto por acaso no curso de uma inves-

tigação sobre os dados culturais de um grupo. A constelação social, o todo cultural, são profunda- mente modificados pela existência do racismo”. (tradução nossa).

difícil função de luta contra o colonialismo e, apesar de tortura e violência, Fanon precisava auxiliar na estrutura ideológica da FLN, difundindo uma visão patriótica do argelino (MACEY, 2012: 285).Fanon percebia que ainda havia um sentimento de servitude que lhe incomodava, pois era preciso fazer alguma coisa para se resistir a essa dominação sob vários aspectos.

Reler Fanon, hoje, nas condições do mundo atual é, invariavelmente, refletir nas questões da sociedade atual. Hoje, a violência é um tema bastante presente, e as análises de Fanon ecoam como respostas a perguntas que fazemos a uma sociedade que parece estar doente.

Essa doença psíquica é tema do livro Os Condenados da Terra e, nessa obra, há toda uma riqueza de análises que identificam os problemas para depois tratar de resolvê-los. Acredita-se, concretamente, que a violência era o instrumento para se conseguir a liberdade, e Fanon enxergava-se como alguém que tinha essa responsabilidade perante outros povos colonizados (MBEMBE, 2012: 13).

O conceito de violência em Fanon é algo muito mais político do que clínico, e suas análises não ficaram restritas ao âmbito interno dos países colonizados, ele também interpretava a violência em escala internacional. A violência é representada, algumas vezes, como uma doença, mas sendo resultado de um caráter político: a colonização (MBEMBE, 2012: 13). Ela foi muito mais escolhida pelo colonizador para subjugar o colonizado.

Na Conference du Peuple de toute l’Afrique, de 1958, em Gana, Fanon chocou a opinião pública com sua defesa da violência. Contudo, vivendo a dura realidade da Guerra da Argélia, Fanon levantava que o governo colo- nial era um inimigo poderosíssimo que subtraía todas as formas de liber- dade do povo argelino. Para ele, os colonialistas e imperialistas pontuaram os meios e os métodos que lhes permitiram não abandonar o solo africano (YOUNG, 2006: 81).

Dessa maneira, ele relacionava a resistência argelina com os planos de conscientização para a necessidade urgente do anticolonial. Para isso, a violência tinha sido a única resposta eficaz até aquele momento. Por isso, é importante expor, brevemente, alguns pontos da violência na luta revolucio- nária. O sucesso da revolução cubana na América Latina incentivou a guerra de guerrilha e deu grande impulso às lutas rumo à soberania nacional. Além disso, enfatizava que havia dois modelos de libertação nacional: um por acordos (caso do Senegal) e outros pelos conflitos armados (YOUNG, 2006: 84-85).

A tão criticada opção pela violência utilizada em países, como a Argélia e a Indochina, foi usada por várias regiões colonizadas como “moeda de troca” para a obtenção da independência de forma pacífica. Convencido de que o colonialismo estava disposto a “tragar” toda a política dos outros países, Fanon refletia sobre todas as condições possíveis de evitar o geno- cídio ocasionado pela metrópole (MBEMBE, 2012: 15).O escritor anti- colonial declarava que não estava lutando contra a França e sim contra o colonialismo, naquele momento por ela representado. A França estava se posicionando, publicamente, contra qualquer perspectiva mais pacífica na sua agenda diplomática.

A violência colonial se manifestava de forma empírica e imprevisível, mas por aparecer no comportamento cotidiano do colonizador através de racismo, agressividade, preconceitos e condutas homicidas que eram o estopim para a raiva do colonizado. A violência colonial foi, assim, algo feno- menal, uma violência que se instalava no centro do indivíduo (MBEMBE, 2012: 19).

Em um texto de 1957, Fanon lembrava que a Argélia estava sofrendo situação de guerra e que os argelinos só poderiam se chocar diante das contradições do colonialismo francês. A violência empregada pelos revo- lucionários (torturas em resposta) ocorria para que não acontecesse a reto- mada colonial na sua amplitude. As expedições armadas e a tentativa de asfixiar a liberdade do povo não foram condenadas pela opinião pública. Ou seja, a opinião pública estava manipulando as informações sobre os métodos violentos no conflito. (FANON, 2006: 71-73).

Sendo assim, Fanon opunha homem-colonizador ao objeto colonizado em um campo de batalha sangrento pela liberdade e soberania nacional (MBEMBE, 2012: 19-25). O texto fanoniano surge de um momento espe- cífico e singular da nossa História. Apesar da aura de violência, ele lembra do humano, ele clama por relações de igualdade e compreende que, apesar da raça e da exclusão perpetuada pelo colonizador, o fato humano perdeu- -se no tempo e no espaço.

A teoria da violência de Fanon era um caminho de subida, talvez não o mais rápido para se atingir a condição humana, mas de certo modo eficaz. Para o pensador antilhano prevaleciam duas coisas: primeiramente, o fim do colonialismo, para em um segundo momento ressurgir a humanidade, ou o que havia restado dela.