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Mapa bibliográfico

43 WILDER, 2005 44 LOCKE, 2014.

45 VAILLANT, 1990.

46 O ano de 1945 é tradicionalmente tratado na historiografia da África contemporânea como uma

data central para entender a mudança no tratamento da questão colonial, inclusive como uma virada em direção a movimentos pró-independência nas sociedades colonizadas. Nesse sentido, aponta-se o V Congresso Pan-africanista, realizado em Manchester, Inglaterra, como materialização da nova posição das elites africanas na luta anticolonialista e mesmo da temática da colonização no interior

mudança. No entanto, o momento imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, marcado pela criação de uma nova Constituição francesa e das promessas de reestruturação dos territórios do além-mar feitas pela IV República, é de aproximação e esperança para muitos intelectuais que fundam a revista; e não de revolta e discurso contra-hegemônico. Nesse sentido, a Présence Africaine se afigurou como veículo de um projeto inte- lectual e político crítico mas não anticolonialista em seus primeiros anos (1947-1949). Em outras palavras, a revista estava em consonância com o compromisso de seus líderes com o fortalecimento da nova União francesa ainda no início da década de 1950 e passou por lentas mudanças que são visíveis e em disputa ainda em 1956, durante os dias do Congresso em Paris.

Os números da revista publicados entre 1947 e 1955 e das atas dos Congressos Internacionais de Escritores e Artistas Negros, realizados em 1956 e em 1959 sob os auspícios da Présence Africaine, trazem à tona um cenário diverso que este texto introdutório pretendeu abordar. Apesar de trabalhada como ponto de encontro da intelectualidade negra, a tentativa de pensar a revista como dotada de um projeto anticolonial e contra-hegemô- nico mais ou menos estável restringe o alcance das análises. A diversidade das propostas e dos caminhos apontados em 1956 são visíveis nos conflitos e debates ocorridos em 1956 e alvo da publicação aqui apresentada.

Portanto, a ideia dessa introdução, e que perpassa os outros trabalhos dessa coletânea, é trabalhar o Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros e seus protagonistas como partes imbricadas na construção de projetos intelectuais de aproximação entre o cenário africano em Paris e o da intelectualidade da África Ocidental francesa e das Antilhas, bem como de espaços fora do mundo de expressão francesa. Fundação de realidades inter e extranacionais, além de pan-africanas, que nem sempre puderam ser conciliadas e unidas sob a ideia da resistência anticolonial e diante dos ideais e interesses nacionais que se fortaleciam já em fins da década de 1950. A Présence Africaine, que, em um primeiro momento, não trazia uma proposta de implosão do colonialismo ou mesmo de crítica aos intuitos civilizadores da República, mas de um esforço de conciliação e apropriação destes ideais, inaugurava a discussão em novos termos. Somente na segunda metade da

do movimento Pan-africano (DÖPCKE, 1999: 87-88). Inúmeros autores reiteram a importância desse marco. Cf. (REIS, 2014).

década de 1950 é que o discurso da revista se torna mais combativo com relação à presença europeia na federação. No entanto, inserida na construção da “francofonia”, a revista lidará com posições ambíguas diante de projetos culturais e mesmo da presença europeia no continente africano e os conflitos no evento de 1956 colocavam em evidência tais ambiguidades. O cenário político em rápida mudança no qual a Présence Africaine procurava se estabi- lizar exigiu articulações, alianças e percursos intelectuais diversos que, por vezes, aparecem como contradições a serem desconstruídas pelo discurso historiográfico. São essas multiplicidades que esta publicação procurou privi- legiar, tendo em vista a proposta de uma História africana da complexidade. A bibliografia trabalhada até aqui é ponto de partida das discussões estabelecidas na contemporaneidade, e os textos que compõem este livro dialogam profundamente com seus autores, contextos e suas práticas histó- ricas. Assim, apresentada e percorrida a tradição historiográfica que sem dúvida situou e consolidou a importância da Présence Africaine na literatura especializada, resta a sensação e o desejo que esta publicação seja uma contribuição aos debates tão profícuos que vêm se estabelecendo no Brasil, prova viva do engajamento dos novos pesquisadores.

A ideia que nos motiva é complexificar a narrativa de um necessário e pré-estabelecido engajamento e pensar os agentes envolvidos na construção da Présence Africaine como indivíduos múltiplos e complexos inseridos em um cenário específico e em jogos de força diversos. O papel do intelectual africano, sua relação com projetos culturais e políticos para o continente africano e para o cenário francês não pode ser pensado como naturalmente relacionado com uma posição de enfrentamento ou como simples contra- ponto ou reação a um mundo europeu também encarado como uno. Como apontam Pierre Boilley e Ibrahima Thioub, a história deve realizar seu ideal crítico e, no caso africano, deixar a tendência reducionista impulsionada pela conjuntura de sua fundação, enquanto discurso de inversão da narrativa colo- nialista (BOILLEY; THIOUB, 2004; LOPES, 1995; MILLER, 1999).47 Uma

vez que carrega a herança dessa fundação na década de 1950, ligada a um

47 As primeiras histórias escritas sobre o continente africano por uma perspectiva africana partiam,

muitas vezes, da inversão de construções estereotipadas da África e dos africanos para forjar, a partir dos elementos conhecidos de uma ciência histórica, enunciados que revertessem a estigmatização em valorização. Nesse sentido, Joseph Miller aponta que Africans and African Americans adapted the progressive historiographies current at the end of the nineteenth century to write about Africa, while historians in Europe and the United States were laying out standards of the modern discipline. (MILLER, 1999: 2).

campo de fortalecimento do discurso anticolonialista no seio de nacionalismos nascentes, a história da África foi marcada por binarismos e a manutenção de essencialismos raciais.

Nas suas formas mais redutoras, ela substituiu a análise da complexidade das relações políticas, sociais, econômicas e culturais dos processos históricos que se forjaram no contato com a Europa, por uma visão binária, opondo dominação estrangeira (branca) e resistência das vítimas autóctones (negras). As agendas autóctones são assim reduzidas, no melhor dos casos, a uma resistência heroica e, no pior, a uma atitude estática de vítima resignada. (BOILLEY; THIOUB, 2004: 29) (tradução nossa).48

Propõe-se, em contrapartida, uma reflexão que leve em consideração a complexidade das relações humanas e de seu imbricamento temporal. Nessa medida, o programa de debates que aqui se apresenta e se pretende iniciar é baseado na construção de um cenário que não reduza as possibilidades e a ação histórica dos agentes africanos à ação determinista, seja ela represen- tada pelo meio, pela raça/biologia ou por pertencimento cultural/étnico. Para isso, o evento realizado na Universidade Federal de Minas Gerais e os textos selecionados consideraram a estratificação e a formação de grupos e sentimentos de pertença variados no interior das sociedades e dos micro- cosmos africanos e europeus estudados. De resto, proclama-se a simpatia ao programa historiográfico estabelecido por Jean-Pierre Chrétien de:

(...) respeito da especificidade das realidades vividas na África, fundado sobre a consideração da singularidade das intrigas e das situações históricas, como farí- amos para as sociedades europeias ou asiáticas, e não sobre qualquer essencialismo racial ou cultural, que faria crer que esse continente representa outro planeta e seus habitantes outra humanidade. (CHRÉTIEN, 2009: 10) (tradução nossa).49

Aos leitores e leitoras, boa leitura!

48 Dans ces formes les plus réductrices, elle a substitué à l’analyse de la complexité des relations politiques, sociales,

économiques et culturelles des processus historiques qui se nouent dans le contact avec l’Europe, une vision binaire opposant domination étrangère (blanche) et résistance des victimes autochtones (noire). Les agendas autochtones sont ainsi réduits, dans le meilleur des cas, à une résistance héroïque et, dans le pire, à une attitude statique de victime résignée. (BOILLEY; THIOUB, 2004: 29).

49 (...) respect de la spécificité des réalités vécues en Afrique, fondé sur la prise en compte de la singularité des intrigues et des situations historiques, comme on le ferait pour des sociétés européennes ou asiatiques, et non sur un quelconque essentialisme racial ou culturel, qui laisserait croire que ce continent représenterait une autre planète et ses habitants une autre humanité (CHRÉTIEN, 2009: 10).