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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1 O percurso da pesquisa

Partindo do problema de pesquisa proposto, nos dispusemos a investigar como a participação em contextos de autoria na internet pudesse se manifestar no processo de letramento digital vivenciado por sujeitos atuando em um ambiente virtual de aprendizagem. Nesse sentido, trabalhamos inicialmente com esses dois focos conceituais – autoria e letramento digital – ingenuamente, numa relação de causa e efeito, como apresenta a Figura 20 (a). Ainda durante os primeiros estudos teóricos e discussões favorecidas pelo nosso grupo de pesquisa, já foi possível perceber que a relação entre esses conceitos era recíproca, como se vê na Figura 20 (b), e mais complexa do que prevíamos.

(a) (b)

Figura 20 - Relação entre os conceitos 'Autoria' e 'Letramento Digital'.

Os estudos empreendidos acerca do letramento digital levaram-nos, numa primeira fase da investigação, a conhecer o perfil tecnológico dos sujeitos no que se refere ao uso de tecnologias digitais necessárias à participação em um ambiente virtual de aprendizagem, conforme dados apresentados no capítulo 3. Os sujeitos deste estudo estão em cidades interioranas, são, em sua maioria, provenientes de escolas da rede pública, cursando sua primeira graduação, com raros casos de experiências anteriores relacionadas ao contexto do ensino superior à distância e, ainda, com índice discreto de utilização das tecnologias digitais antes de ingressarem no curso.

É fato que o acesso a tais tecnologias foi se ampliando, a ponto de ao final da primeira metade do curso, termos 76,5% dos alunos possuindo computadores em sua residência e 68,8% tendo também acesso à internet. O acesso a computadores e à internet em outros espaços (laboratório de informática do polo, local de trabalho, casa de amigos e parentes ou lan houses) também era feito por 74,1% dos alunos.

Percebemos que os sujeitos não eram iletrados tecnologicamente, mas muitos deles não estavam preparados em relação às tecnologias demandadas pelo uso de um ambiente virtual de aprendizagem. Mas, ao longo do tempo, eles foram se apropriando do uso de novos recursos tecnológicos, conforme demonstram os gráficos no capítulo 3. Antes de iniciar a graduação, as pessoas apresentavam condições de letramento

digital distintas das que apresentaram após dois anos de curso e do momento em que este estava sendo concluído.

Essa mudança no acesso e no uso que as pessoas faziam das tecnologias digitais certamente teve influências oriundas de outras esferas, além do fato de estarem em um curso de graduação. Entretanto, não se pode negar que as demandas e as práticas instauradas pelo uso do ambiente virtual de aprendizagem mudaram a rotina e o perfil tecnológico de muitos desses alunos. Podemos dizer que o uso que os alunos fizeram das tecnologias digitais ao longo do curso superaram o uso técnico, já que tal recurso foi inserido em suas práticas acadêmicas, em práticas de leitura e escrita na tela, necessárias ao contexto do curso. Para além da digitação de textos (algo que o outro pode fazer por mim), a navegação e a escrita online requer que o próprio sujeito tome as rédeas da situação.

Neste ponto voltamos ao estudo realizado por Bandeira (2009) acerca do processo de letramento digital vivenciado por alunos do curso de Pedagogia presencial, lembrando que a autora conclui que a situação de algumas pessoas excluídas digitalmente ao início do curso não mudou muito ao longo dos dois anos em que foram acompanhados. No curso presencial, as tarefas relacionadas ao uso das tecnologias digitais são sempre realizadas pelos mesmos alunos que já possuem as habilidades para tal. A eles cabe montar uma lista de e-mails da turma, repassar materiais digitalizados aos colegas e, nos trabalhos em grupo, eles fazem as apresentações multimídia, digitam e fazem a formatação dos textos. Àqueles que não possuem essas habilidades são solicitadas outras formas de contribuição. Sem levar a cabo uma comparação, até porque não trabalhamos com os mesmos parâmetros de análise que Bandeira (2009), podemos dizer que o uso das tecnologias digitais demandadas no curso a distância favoreceu um processo de apropriação dessas tecnologias pelos sujeitos, constituindo um processo de letramento digital na formação inicial do professor.

Num segundo momento da investigação, voltamos o nosso olhar para a escrita no ambiente virtual de aprendizagem. Pudemos identificar e

descrever algumas das formas de organização das interações nos fóruns online, verificando as principais características estruturais e organizacionais (sequências, organizadores globais, marcadores conversacionais verbais, coerência conversacional e organização de tópicos), chegando a propor algumas interpretações e considerações interessantes ao ensino a distância. Ao detalharmos e analisarmos os itens relacionados ao conteúdo das mensagens postadas e à existência ou não de trocas comunicativas, estávamos explicitando, de forma sistematizada, aspectos inerentes ao exercício da autoria e ao funcionamento de um fórum online em um ambiente virtual de aprendizagem. Examinamos também os textos produzidos nos wikis e blogs, realizando inicialmente uma análise exploratória do conteúdo, de onde destacamos nossas inferências e algumas interpretações possíveis.

Observando a escrita dos sujeitos nesses diferentes espaços, pudemos perceber as tendências de um processo de autoria, seja quando estavam narrando suas experiências no estágio, ou respondendo às solicitações das tutoras, respondendo dúvidas dos colegas ou mesmo respondendo a uma tarefa. Vimos situações que colocaram o sujeito numa atitude responsiva ativa e não somente de leitor de materiais postados por uma equipe de tutoria.

Não temos propriedade para inferir sobre as práticas de escrita em documentos de texto que são posteriormente enviados/postados no ambiente virtual, já que tal atividade pode ser, e muitas vezes o é, manuscrita em papel e depois digitada por outra pessoa. Diferentemente, na escrita online, mesmo que inicialmente também seja manuscrita e posteriormente digitada e requeira ao auxílio de outra pessoa, com o tempo, o sujeito se vê estimulado a fazer por si mesmo, a digitar e enviar suas mensagens.

Durante essas análises, ainda antes do exame de qualificação, deparamo-nos com a multimodalidade presente no ambiente virtual de aprendizagem. Nesse ambiente, temos o leiaute da tela, blocos de texto, elementos gráficos e muitos links, sendo que diferentes escolhas podem ser feitas por meio deles. A multimodalidade é muitas vezes caracterizada pela

presença de mais de uma modo/mídia - texto e imagem; imagem e som; texto, vídeo e som, dentre outras combinações possíveis – desde que trabalhem juntos na construção dos sentidos. Entretanto, mesmo se no ambiente virtual em estudo não temos sons ou vídeos, ou mesmo imagens, esse ambiente é multimodal, porque a tela e o que nela está é uma entidade visual, mesmo que seja um bloco de texto escrito. A escrita pode ser vista como blocos de texto na tela, e isso é uma gramática visual, onde a multimodalidade está presente, em relação estreita com o exercício da autoria, influenciando diretamente as escolhas, a navegação e a escrita online, conforme apresentaram nossas análises no capítulo 5.

O exame de qualificação

Ao chegar ao exame de qualificação, tínhamos um tripé teórico, apoiado nos conceitos de autoria, letramento digital e multimodalidade. Os dados já estavam coletados (referentes aos quatro primeiros semestres do curso em estudo) e as análises iniciadas. As contribuições das professoras Isabel Frade e Margarete Axt, presentes naquele momento, possibilitaram o delineamento dos caminhos a seguir, tanto para o aprofundamento teórico- metodológico quanto para a análise dos dados. Dentre tais contribuições, destacamos, sem reduzir a estas: caracterizar e considerar mais o contexto no estudo, dando mais detalhes sobre o curso de Pedagogia UAB/UFMG; explicitar a teoria de análise, definindo se análise do discurso francesa, filosofia da linguagem ou análise textual; incluir no referencial teórico os estudos sobre gêneros discursivos; ampliar a coleta de dados até o final do curso de Pedagogia UAB/UFMG; para além do letramento digital, observar o letramento acadêmico que aparecia nos dados.

O estágio sanduíche

Após o exame de qualificação, tivemos a oportunidade de contar com as contribuições do professor Gunther Kress, durante estágio sanduíche realizado por mim no Instituto de Educação da Universidade de Londres. O objetivo inicial era de melhor compreender a multimodalidade presente no

ambiente virtual de aprendizagem, a partir de dados já recortados e de uma análise já iniciada. Nos primeiros meses, voltamo-nos para esse foco, o que resultou em um artigo apresentado em um evento na Universidade do Minho53, em maio de 2011.

Entretanto, mais do que aprofundar nos estudos sobre a multimodalidade, o professor Kress sugeriu-me compreender a constituição e a apropriação de novos gêneros discursivos no ambiente virtual de aprendizagem, coincidentemente ao que havia sido sugerido pela banca no exame de qualificação. Assim, ainda sob sua orientação, empreendi as leituras e análises que resultaram na primeira parte do quinto capítulo desta tese.

A reta final

Na etapa final de análise de dados e de escrita da tese, retomamos o nosso olhar para os contextos de autoria, reconhecendo ali a constituição e a apropriação de gêneros discursivos característicos daquela esfera de comunicação verbal – o gênero digital e o gênero acadêmico. O reconhecimento do letramento acadêmico que se deu ao lado do letramento digital demonstra o movimento desta pesquisa na compreensão do contexto e das influências que ele exerce sobre as variáveis que pretendíamos estudar, mostrando-nos que essas variáveis não se constituem isoladamente, mas em constante diálogo com a realidade em que se insere. A filosofia da linguagem permitiu-nos perceber essa dimensão da interação verbal que ali se constituía, fortemente marcada pela realidade imediata e pelo meio social mais amplo.