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5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.13 O percurso da indeterminação no PB

A partir das discussões apresentadas e da análise dos dados que integram esta pesquisa, considero que você/ cê genérico é empregado no PB tanto em construções existenciais com ter como nas demais construções predicativas como elemento indeterminador com características semelhantes ao clítico indeterminador se, o que pode ser evidenciado pela equivalência entre as construções com clítico se, com o pronome nulo e com o pronome vocêgen/cê e na posição de sujeito, sugerindo o percurso dessas estratégias de indeterminação no PB, conforme sequência proposta a seguir:

i) E depois, se o projeto foi aprovado para construir num lugar, não se pode trazer para outro.

ii) E depois, se o projeto foi aprovado para construir num lugar, não Ø pode trazer para outro.

iii)E depois, se o projeto foi aprovado para construir num lugar, vocêgennão pode trazer para outro. (UFV - M1 23)

A análise dessas construções a partir da sequência proposta permite-me inferir que a supressão do clítico se em construções de indeterminação deu origem a construções de nulo genérico, licenciadas no PB em função do traço de (in)definitude de LSNPs (Holmberg, 2010) que faculta interpretação indefinida ao pronome nulo de 3ª. pessoa, e que, na direção da perda de licenciamento de sujeitos nulos no PB, essa posição vazia pela supressão do clítico se passa a ser preenchida por um pronome foneticamente realizado com leitura genérica - vocêgen, o qual emerge na língua com o surgimento do paradigma de pronomes fracos.

Deve-se ressaltar aqui que, nesse período de transição da língua, de acordo com a teoria de Dobrovie-Sorin (1998, apud Duarte, M.E; Kato, M.A.; Barbosa, P., 2003), o se nominativo e o acusativo podem estar sendo afetados de forma diferente. Assim, nos casos de se nominativo, este é considerado um clítico sujeito, argumental, o qual não pode ser omitido e, em uma língua em mudança como o PB, tende a ser substituído por outra forma pronominal, como a gente, você, entre outros. Os exemplos abaixo, apresentados pelas autoras, ilustram a impossibilidade da omissão do se nominativo:

(203) *É feliz aqui.

(204) *É frequentemente traído por falsos amigos.

Com manutenção de sentido indeterminado, vocêgen apresenta-se como uma forma alternativa que vem substituir o pronome impessoal se:

(203) a. Vocêgené feliz aqui.

(204) a. Vocêgené frequentemente traído por falsos amigos.

Portanto, a etapa (ii) da sequência acima proposta não contempla todas as construções de indeterminação no PB, visto que em contextos de se nominativo não pode haver omissão do pronome nominativo. Nessas construções, considerando-se a supressão do clítico se e a sua substituição em contextos de impossível apagamento, e os dados desta pesquisa, atesto que o pronome você está exercendo a função de elemento indeterminador em substituição ao se. A construção (205) extraída do corpus do PB atual exemplifica sentenças de se nominativo que não licenciam uma categoria vazia (nulo genérico) na posição de sujeito.

(205) Então acaba que dentro dos institutos vocêgen trabalha tanto as propostas, quanto as discussões. (UFV M1- 30)

Já a perda do se passivo não obriga necessariamente o preenchimento da posição do sujeito, visto que esta é uma posição não temática e na reanálise da passiva pronominal, o expletivo da posição de sujeito foi tomado como um pronome nulo referencial - pro (NUNES, 1990).

Com respaldo nesta proposta de Nunes (1990), a expectativa desta pesquisa era de que construções de se passivo sem concordância e sem o se não licenciariam a inserção de um pronome genérico na posição estrutural de sujeito, o que foi invalidado pelos dados, tendo em

vista que o emprego de alguns recursos linguísticos que tornam o predicado genérico propiciam a sua inserção.

Em relação às construções existenciais com ter, a proposta de implementação no PB de um elemento indeterminador com função similar ao clítico se, um pronome fraco nos termos de Kato (1999), na posição de sujeito gramatical, sustenta a proposição em 3.3.3, de que ao ser empregado em construções com sentido existencial, o verbo ter não passa propriamente por um processo de impessoalização, mas de detematização.

Considerando, portanto, a proposta de Avelar (2009a) de que a inovação no PB não envolve exatamente uma reanálise de ter como um verbo existencial, mas o uso da estrutura possessiva para expressar sentido existencial, argumento que construções como (206),

(206) O Cefet é o seguinte, como vocêgentem vários campi, vocêgenprecisa de dar uma unidade para isso. (CEFET M2 17).

revelam uma posição de sujeito, mas mantendo a função apresentativa de verbo existencial com interpretação indeterminada.

Nessa perspectiva, pode-se considerar que a generalização do emprego do verbo ter no PB tanto para predicados possessivos como existenciais ter com sentido existencial - reflete uma solução da língua, facultada pela estrutura possessiva, para compensar a perda da propriedade de licenciamento do sujeito nulo, no caso não referencial, pela possibilidade de inserção de um sintagma pronominal na posição de sujeito, sem atribuição de papel temático, não comprometendo, dessa forma, o caráter apresentativo do verbo existencial.

Constitui evidência a favor da proposta de aproximação das propriedades sintáticas de construções de indeterminação e das existenciais, o paralelismo sintático e interpretativo de ambas construções - de nulo expletivo e de nulo genérico - com o clítico se e com vocêgenna posição de sujeito, como nos exemplos (83) e (84), aqui repetidos em (207) e (208):

(207) ØexplNão tem mais burca na síria. a. Não se tem mais burca na síria.

b. Vocêgennão tem mais burca na síria.105 (208) Não Øgenusa mais burca na síria.

a. Não se usa mais burca na síria. b. Vocêgennão usa mais burca na síria.

Diante desses fatos, parece estar em curso no PB três processos concomitantes em relação ao licenciamento do pronome pleno você para marcação genérica. De um lado, tem-se a substituição pronominal: a) de se por você, em contextos de se nominativo nos quais não pode haver omissão do clítico, exemplo (205); b) de nulo expletivo por você em construções existenciais, exemplo (206); c) de a gente por você, em contextos de indeterminação (+) inclusiva (208)b. De outro lado, tem-se inserção do pronome vocêgenna posição de sujeito nulo genérico, esvaziada pela supressão do clítico se. Nesse grupo estão as construções de indeterminação com nulo genérico, nas quais a inserção do pronome não é necessária para a gramaticalidade da sentença, como no exemplo (209) a seguir. Por último, tem-se as construções de se passivo sem concordância e sem o se, interpretadas como indeterminadas, em que a inserção do pronome vocêgen só é licenciada na presença de elementos que tornem o predicado habitual ou hipotético (211); do contrário, a inserção do pronome na posição de sujeito é bloqueada e a marcação do sujeito é de nulo arbitrário, como em (210). Incluem nesse grupo de construções de se passivo aquelas construções em que a presença de expressões como (211), dentre outras como em (144), tornam o predicado habitual, usual, atribuindo-lhe uma leitura genérica, e, por isso, permitindo a inserção de um pronome genérico na posição de sujeito.

(209) Para resolver os problemas do Brasil hoje vocêgenprecisa de investimentos.106 (210) * Vocêgenamola faca.

(211) Vocêgennão amola mais faca nos dias de hoje.

Em vista dos fatos apresentados, a propriedade indeterminadora do pronome vocêgen, é evidenciada tanto pela possibilidade de sua inserção em construções de nulo genérico; de substituição ao nulo expletivo em construções de terexsem perda da semântica existencial, e ao pronome a gente por perda de sua propriedade de genericidade; bem como pela não restrição de substituição ao clítico se em contextos de se nominativo, nos quais não pode haver omissão do pronome nominativo, confirmada pela intercambialidade entre as variantes. Comprovo, assim, pelos processos de inserção e substituição pronominal, o percurso de se a (vo)cê.