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2.2 O ESTADO

2.2.2 Os elementos do Estado

2.2.2.3 O poder político (Governo e os fins)

O conceito de Estado pressupõe, indiscutivelmente, a ideia de uma autoridade, uma organização com divisão de competências correspondente, mas não se pode, segundo o direito internacional, impor a um Estado uma determinada forma ou sistema de governo, ainda que seja possível afirmar que há uma certa pressão, exercida não apenas pelos organismos internacionais, mas também pela doutrina contemporânea, no sentido de que seja adotado o modelo do Estado democrático de direito.

Por outro lado, um certo grau de independência jurídica é exigido para que se possa reconhecer um Estado, diferenciando-o, por exemplo, de um território colonial. A soberania é o mais alto poder do Estado. Internamente, é o “imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata”169. Externamente, é a manifestação de

sua independência perante os outros Estados.

O governo é o órgão do poder170, a instituição que deve encarná-lo para dirigir a

coletividade171, na busca por alcançar os fins democraticamente escolhidos.

O Estado antigo, também chamado oriental ou teocrático, caracterizou-se pela concentração do poder e pela religiosidade. Na Grécia, embora as leis fossem elaboradas pelos homens, o eram segundo suas crenças religiosas e as assembleias somente começavam a deliberar após uma cerimônia religiosa. O próprio ato da fundação de Roma foi caracterizado como religioso e seguiu a indicação dos deuses, não sendo desnecessário rememorar que o Estado romano teve origem na ampliação da família e da religião doméstica.

Em Roma, não havia mesmo “um único ato da vida em que não se fizesse intervir os deuses”172. Eram consideradas nulas, por exemplo, as decisões tomadas fora do templo, local

168 Ibid., p. 111-112.

169 BONAVIDES, 2013a, p. 119. 170 PEREIRA, 2010, p. 133-134.

171 TELLES JÚNIOR, Goffredo. O povo e o poder: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. p. 13.

destinado às reuniões do Senado. Ali, como em Atenas, a justiça somente funcionava em datas previamente indicadas como favoráveis pela religião e até os atos de guerra eram envoltos em práticas religiosas e rituais sagrados.

Com a República romana, a religião “cedeu lugar para um novo princípio de governo que não mais dava primazia ao domínio da classe sacerdotal ou de pessoas guiadas por uma divindade, mas sim à vontade do povo”173, transferindo-se o poder do rei para os cônsules

e para o Senado. De todo modo, no principado de Augusto, a religião é usada para chancelar o poder, garantindo a obediência ao chefe de Estado. Por isso, afirma Scalquette que “Otávio, ao receber a autoridade do Senado e se autodenominar Divino, confere ao período do Principado Romano um verdadeiro Estado Religioso, pois se associa ao ato místico da fundação de Roma e diviniza a figura do Príncipe.”174

No período do Baixo Império ou Dominato, que vai de 284 a 565 d.C., o poder, que era antes dividido com o Senado, concentrou-se nas mãos do imperador, chamado de dominus et deus (senhor e deus), transformando-se “no único órgão revelador das leis e do Estado Romano, prevalecendo-se da vontade divina, o que acabou por se transformar numa verdadeira monarquia absoluta.”175

Depois do Édito de Tessalônia, em 28 de fevereiro de 394, o cristianismo, antes perseguido, consolidou-se como a religião oficial do Estado romano, fortalecendo o absolutismo imperial. Naquela época, o regime que prevaleceu foi o cesaropapismo, no qual o chefe de Estado assume a “competência de regular a doutrina, a disciplina e a organização” da Igreja, exercendo poderes “tradicionalmente reservados à suprema autoridade religiosa.”176

Com a queda de Roma, os papas passaram a dispor de uma grande força e independência, e, a partir das ideias de Gelásio I (492-496) que, em epístola dirigida ao Imperador do Oriente Anastasio I, fez a distinção entre as ordens espiritual e temporal177,

pretenderam, não sem uma boa dose de contorcionismo, exercer a superioridade sobre todos os domínios da vida.

As pretensões papais à liderança universal, baseada na teoria dos dois gládios178, caiu

por terra no século XIV. Os conflitos entre Papa e o Imperador, com a humilhação de Henrique

173 SCALQUETTE, 2013, p. 34. 174 Ibid., p. 38.

175 SCALQUETTE, 2013, p. 40.

176 FERRARI, Silvio. Cesaropapismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998. v. 1. p. 162.

177 SCALQUETTE, op. cit., p. 46.

178 “O homem tem necessidade de um duplo poder diretivo, em vista do seu duplo fim: o Soberano Pontífice, que,

IV e a vingança do poder temporal, pelas mãos de Felipe IV, o Belo, da França, aprisionando o Papa Bonifácio VIII, no episódio que ficou conhecido como o “Cativerio Babilônico”, provocou a Grande Cisma do Ocidente e o restabelecimento da ideia de que o rei seria a representação de Deus na Terra.

Naquele período, a monarquia sofre uma profunda transformação, apoiando-se em ideais seculares e afastando-se da religião, com a centralização do poder na pessoa do rei e a profissionalização dos administradores vinculados diretamente à coroa (representantes do governo central). A administração pública também passou por mudanças consideráveis com a ascensão de funcionários nomeados pelo poder central. Os velhos conselhos feudais foram substituídos por esses corpos de funcionários profissionais que eram nomeados para zelar pelas tarefas financeiras, judiciais e legislativas da monarquia.179

É nesse contexto que as igrejas nacionais, “com o seu opulento e influente clero regular e secular, foram igualmente compelidas a aceitar o jugo dos autocratas”180. Foi, portanto, entre

os séculos XII e XV (segunda Idade Média) que muitas das estruturas políticas da Europa moderna surgiram, adotando-se o modelo em que se pode reconhecer o Estado-Nação, que recebeu o estímulo da burguesia, interessada na “abolição das barreias econômicas internas e na criação de um mercado comum nacional.”181

As ambições políticas da burguesia encontravam, diz Caenegem, expressão em duas palavras-chave: constitucionalismo e parlamentarismo, que representavam a rejeição ao poder absoluto e arbitrário, mas sem abrir espaço para a democracia direta e popular182.

Tudo isso ocorreu de diversas maneiras, segundo circunstâncias bastante específicas dos vários países. Alguns reinos independentes organizaram-se internamente e, depois, fundiram- se num Estado-Nação (Espanha e a Alemanha), enquanto outros, já desde o início, se formaram num ambiente de forte referência nacional (Inglaterra, Hungria, Dinamarca).

Apesar das diferenças existentes entre os vários países, no entanto, o confronto entre doutrinas teocráticas e democráticas é que permite compreender melhor a relação entre a Igreja e o Estado, como será demonstrado no próximo tópico.

conduz o gênero humano à felicidade temporal.” (ALIGHIERI, Dante. Da monarquia/Vida nova. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 82).

179 Sobre o assunto: CAENEGEM, 2009, p. 101; e MONCADA, 1995, p. 166. 180 CAENEGEM, 2009, p. 121.

181 Ibid., p. 235. 182 Ibid., p. 236.