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O prematuro reconhecimento ao professor e a convicção sobre a

Eu imitei professores que não deveria ter imitado, mas só fui me dar conta disso depois, mas também imitei outros que me marcaram e que foram bons...

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Em 1960, Fasolo iniciou sua formação superior cursando Licenciatura em Matemática na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e, simultaneamente, iniciou o curso de Administração de Empresas, fazendo poucas disciplinas desta segunda opção, já que atendia muito mais ao desejo de seu pai.

Muito jovem ainda, com apenas 21 anos, enfrentou seu primeiro desafio na docência, quando foi convidado por uma colega de Faculdade para assumir uma turma de Curso Científico no Colégio São José, em São Leopoldo.

Essa instituição é uma escola confessional de freiras franciscanas existente até hoje, porém, naquela época, era voltada somente para o público feminino em regime de internato. Para ocupar esse lugar, atendendo muito mais a uma demanda da instituição, que tinha ficado sem professor, Fasolo teve que se submeter a uma entrevista com a diretora, a Irmã que respondia pela escola. Nessa entrevista, a diretora deixou claro que seria um desafio ter um professor homem solteiro em uma escola que respeitava rigidamente as tradições, no entanto, reconheceu a necessidade de preencher a vacância para o ensino de Física.

Fasolo aceitou o desafio e se tornou, assim, o primeiro professor solteiro que as freiras tinham admitido, já que o professor titular de Física havia se afastado.

Ao rememorar esse importante episódio em sua trajetória, Fasolo não esconde a ansiedade que isso gerou naquele momento, pois estava no segundo ano da Faculdade e logo entendeu que, para ser professor, teria que estudar muito. A colega que fizera a indicação de seu nome também era Irmã do Colégio São José e lhe incentivou dizendo que ele tinha condições para assumir aquele

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lugar, pois como ela já era professora de Matemática, percebia, na convivência com ele, um jeito especial para a docência.

As primeiras aulas dadas pelo jovem professor Fasolo foram extremamente tradicionais. “Era quadro negro e muito blá, blá, blá...”. Além da mera repetição de modelos internalizados de professores que teve, Fasolo também tinha uma responsabilidade em relação ao cumprimento do contrato simbólico que fizera com a diretora, devendo se manter fechado e afastado de qualquer vínculo que descaracterizasse a distância necessária entre professor e aluno, no caso, as alunas, em um ambiente tão rigidamente organizado.

Entretanto, apesar de ter sido uma rica experiência formal como professor, não trouxe significativas gratificações para alguém que, desde criança, já escolhia com o que brincaria e ousava se arriscar diante do novo, do desconhecido.

Para compensar, Fasolo sabiamente encontrou uma maneira muito prazerosa. Quando saía das aulas no Colégio São José, em São Leopoldo, dirigia- se ao Aeroclube da cidade e fazia algumas horas de vôo, uma de suas paixões. De certa forma, o aprisionamento em relação aos rígidos métodos e às rigorosas tradições de um educandário de freiras, no berço de uma cidade de famílias descentes de alemães, era equilibrado com a sensação de liberdade que voar podia lhe oportunizar.

Fasolo ficou somente alguns meses nesse colégio e, depois, foi dar aulas em uma Escola Estadual, como professor contratado no município de Caxias do Sul. Lá teve oportunidade de reencontrar seu ex-professor de Física, R. L. C.19, um mestre que permaneceu em seu imaginário como referência acerca de um bom professor.

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Nesse período, Fasolo deslocava-se de Porto Alegre a Caxias do Sul durante a semana para dar conta da jornada que envolvia cursar a Faculdade e trabalhar como professor.

Após algum tempo trabalhando nessa escola estadual em Caxias do Sul, Fasolo passou por um novo desafio, com tão pouca idade. Foi indicado pelo professor R. L. C. para assumir a disciplina de Física do curso de Licenciatura em Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UCS – Universidade de Caxias do Sul, justamente em substituição a seu antigo mestre. “Achei ser uma responsabilidade muito grande, porém R. me convenceu dizendo que não poderia deixar nas mãos de outro”.

Em 1964, antes mesmo de concluir a Licenciatura em Matemática, Fasolo recebeu um convite para fazer Pós-Graduação na Universidade de Brasília - UnB e trabalhar como professor nesta mesma instituição. Esse convite foi proveniente de um curso, feito em período de férias, referente a um projeto sobre ensino de Física.

Assim, aos 22 anos, Fasolo foi para Brasília trabalhar como professor e fazer Pós-Graduação. Reconhece que essa vivência foi de grande importância para sua formação, pois teve contato com pessoas de destaque na área da Física, tendo participado de bancas e sido aluno dos melhores físicos brasileiros. Tal experiência é destacada enfaticamente por ele, pela oportunidade de ter uma convivência fantástica com profissionais renomados que, nas palavras de Fasolo, assume até um valor maior do que a realização de um mestrado, por exemplo, que veio a fazer dez anos mais tarde na PUCRS.

Naquele momento, Fasolo decidiu-se definitivamente pela Física, pela docência, e abandonou o curso de Administração de Empresas, enfrentando com muita convicção o desagrado feito ao pai.

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Em Brasília, Fasolo permaneceu por quase dois anos, de agosto de 1964 a dezembro de 1965, residindo em um apartamento dentro da UnB – Universidade de Brasília. Em seu relato, afirma que a saída de lá foi um pouco traumática, visto que a Universidade fora invadida por militares e bloqueada.

“A qualquer hora tínhamos que ir ao DOPS20 para prestar depoimento contra colegas. Não nos prendiam, mas nos deixavam 24 horas sentados num banco na delegacia”. Fasolo relata que foi chamado duas vezes para prestar depoimento sobre um vizinho de apartamento, sobre quem havia desconfiança, por parte do DOPS, de que esse vizinho fazia reuniões com comunistas.

No depoimento, a polícia, na voz do delegado, deixou claro que sabia tudo sobre a vida de Fasolo e declarou que não compreendia como ele tinha aberto mão de tudo o que sua família tinha no interior do Rio Grande do Sul para ir morar em Brasília e ser professor na Universidade. Para a polícia, isso representava um envolvimento em algum movimento político.

“Eu simplesmente não gosto do cheiro de couro que tem lá, eu quero ser professor de Física como um professor que eu tive”. A polícia não admitia que alguém pudesse desistir de uma empresa para ser professor e, em tom ameaçador, dizia que ali tudo tinha terminado, que a Universidade fecharia temporariamente, e questionou sobre o que ele faria então. Fasolo respondeu que voltaria para o Rio Grande do Sul e, evidentemente, seria professor.

Para Fasolo, havia muita fantasia em relação a idéias comunistas num ambiente cultural de universidade e, para ele, a pior maldade desse período da ditadura era a tentativa de magoar e destruir os sonhos das pessoas. Com certo rancor na voz, lamenta que, quando voltou para o Rio Grande do Sul, realmente pensou que as portas iriam se fechar para ele.

20 Departamento de Ordem Política e Social - órgão criado ainda na ditadura varguista, mas que obteve má

fama nos anos 60 e 70, quando, em suas delegacias, eram interrogados os chamados "presos políticos" ou outras pessoas que fossem consideradas possíveis informantes sobre alguma resistência ao regime militar.

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Ao contrário disso, no retorno ao seu Estado, prestou um concurso público para ser professor estadual, sendo aprovado e, apesar de muito jovem, foi convidado para trabalhar como professor na UFRGS e na PUCRS, pela qualificação de seu currículo valorizado pela experiência dos tempos em que esteve em Brasília.