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2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DEFESA DO

2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A DEFESA DO CONSUMIDOR

A atividade econômica do ser humano remonta a período tão antigo quanto impossível de se fixar no tempo o início destas atividades. É possível afirmar-se que a história da humanidade está vinculada à evolução do próprio indivíduo em seus diversos e dinâmicos aspectos da vida social. É desta variação no comportamento humano que emerge a positivação das normas de conduta social.

94 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e

dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 91.

95 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. 3ª ed.

Na antiguidade, a Grécia conhecia tão somente uma vida econômica doméstica, passando para a vida econômica de trocas. Foi na Grécia que surgiu a primeira moeda cunhada entre os séculos VIII e VII a.C., dando-se início à atividade mercantil universal96.

A partir do Código Comercial francês, de 1807, iniciava-se a normatização da atividade econômica mais antiga da história da humanidade, considerando-se a necessidade de positivação e especialização desta conduta individual97. No Brasil, foi promulgada, em 1850, a Lei n.º 556, de 25 de junho, veio disciplinar a atividade do comerciante, ressalvando-se que o interesse maior daquela norma residia na proteção do comércio98.

Entende-se o comércio como o mecanismo econômico utilizado para satisfazer as necessidades econômicas das pessoas, que se satisfaz por meio das trocas, tendo-se o comerciante como o personagem indispensável nesta relação econômica. A lei mercantil se prestava a proteger o comércio, mas não necessariamente o comerciante ou o consumidor99.

Reportando-se à história econômica da humanidade, Benigno Cavalcanti destaca que na Idade Média:

[...] o pensamento econômico girava em torno da justiça, subordinando-se à moral, enquanto na atualidade estas pesquisas econômicas giram em torno a utilidade. E para que esta justiça seja alcançada, necessário é que a permuta promova um equilíbrio entre os interesses em jogo, mediante a fixação de preço justo. Este equilíbrio econômico reflete duas vertentes jurídicas distintas: a primeira, considerando-se o comerciante em relação ao sistema do comércio, e a segunda, considerando-se as relações do comerciante com o consumidor. Deste modo, aplica-se o Código Comercial, na primeira hipótese, e o Código Civil, na segunda hipótese100.

O Direito Civil brasileiro, contemplando a autonomia da vontade e a liberdade de contratar, visava a proteção da relação jurídica contratual e não os efeitos decorrentes desta relação contratual pois o modelo econômico liberal vigente no Brasil até o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, baseava-se na tese da libertação do indivíduo em relação ao Estado101.

96 GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipóteses de revisão dos

contratos de crédito. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008, p. 18.

97 O primeiro código comercial da história do direito comercial foi promulgado por Napoleão Bonaparte, em 15

de setembro de 1807, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1808.

98 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. vol. 01. São Paulo: Atlas, 201, p. 09. 99 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 25ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 26.

100 CAVALCANTE, Benigno. Evolução dos direitos da personalidade no Brasil. Cascavel: ASSOESTE,

2009, p. 87.

No Século XVIII, com a Revolução Industrial, iniciou-se uma nova modalidade de produção que modificou as relações políticas sociais e econômicas, promovendo um grande avanço tecnológico e científico, fato este que motivou os conflitos entre consumidores e fornecedores102.

Foi no final da primeira metade do século XX, com a Revolução Industrial, que o Brasil deixou de ter uma economia essencialmente agrícola para aderir ao novo pensamento econômico, instalando a primeira indústria automobilística brasileira. Decorrente desse fato econômico, o fenômeno do consumo de massa iniciou-se e vem se alargando com o surgimento da internet e crescimento cibernético103.

A Constituição da República de 1988 contemplou a proteção ao direito do consumidor como princípio de garantia individual (art. 5º, inciso XXXII) e ainda, como princípio da Ordem Econômica (art. 170, inciso V) e, na codificação das relações de consumo, buscou o legislador restabelecer o respeito à dignidade da pessoa humana104.

Inicialmente foi a Constituição que estabeleceu os fundamentos do Código de Defesa do Consumidor e, em um segundo momento, o elevou à condição de princípio basilar para o modelo político e econômico, como o da soberania nacional, da propriedade privada, da livre concorrência entre outros.

A elaboração do Código de Defesa do Consumidor não só veio a atender ao mandamento do artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, como veio a seguir uma diretriz das Nações Unidas105.

O Código de Defesa do Consumidor apresenta inúmeros princípios, a começar pelo artigo 1º, o qual estabelece que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, não podendo em consequência, ser derrogadas pela vontade das partes, mesmo que de comum acordo106. Estas restrições encontram-se elencadas no artigo 39, da Lei n.º 8.078/90, sob a rubrica de “práticas comerciais abusivas”.

102 POMIN, Andryelle Vanessa Camilo. A violação dos direitos do consumidor pela venda casada nas

clínicas que realizam cirurgias estéticas. Novos Direitos da Personalidade vol. 2. Maringá: Caniatti, 2014, p. 124.

103 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 1999,

p. 128-129.

104SAES JUNIOR, Onofre Valero. A tutela do consumidor ao antiendividamento pela responsabilização dos

fornecedores de crédito como direito fundamental e seu acesso à justiça. Temas atuais de direito da personalidade, vol. III. 2ª ed. Maringá: Vivens, 2015, p. 20.

105 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Cláusulas abusivas no código de defesa do consumidor. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 25.

106 BONATTO, Claudio. Código de defesa do consumidor: cláusulas abusivas nas relações contratuais de

A disposição do caput do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor ordenou que Política Nacional de Consumo tem a responsabilidade de atender aos princípios relacionados: o princípio da vulnerabilidade, princípio da ação estatal, princípio da harmonização das relações de consumo, princípio da boa-fé e o princípio da educação e informação107.

Diante destas ponderações, explica-se o tratamento dispensado ao consumidor, no artigo 6º, inciso VII, da Lei n.º 8.078/90, ao dispor que o consumidor tem, entre outros direitos básicos, a facilitação da defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando este hipossuficiente108.

Importante ressaltar que a lei não considerada que todos os consumidores são hipossuficientes. Não foi feita distinção alguma quanto aos consumidores que necessitam desta proteção legal, por não possuírem entendimento mínimo para provarem, por si só, a sua própria defesa, daqueles que por questões culturais, sociais e econômicas, não poderiam efetivamente buscar socorro jurídico aos interesses individuais109.

Observa-se que o Estado tem o compromisso de garantir e proteger os interesses dos consumidores, bem como assegurar a efetividade de seus direitos, salientando que a intervenção Estatal ocorre pela necessidade da preservação da parte mais frágil da relação: o consumidor.

Brunno Pandori Giancoli afirma que:

[...] os poderes constituídos estão obrigados a colocar à disposição dos consumidores a devida tutela jurisdicional, sem o qual restará violado o núcleo da dignidade da pessoa humana, compromisso fundamental do Estado Brasileiro110.

Dessa maneira, restou pacificado o fato de que a tutela do consumidor envolvendo sua proteção nas relações de consumo visa resguardar e proteger a sua dignidade como pessoa. O consumidor submetido a situações que o expõem ou ferem sua honra, tem sua dignidade desrespeitada, como ocorre em casos de extremo endividamento. A privação do mercado de consumo, em razão da falta de crédito, induz o consumidor a um estado de sofrimento moral decorrente da exclusão do mercado vindo a ter sua dignidade abalada.

107 ALMEIDA. João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 18.

108 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: Código e defesa do consumidor. 6ª ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2004, p. 28.

109 SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2007, p. 91.

110 GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos

2.4. OS PRINCÍPIOS DA LEI N.º 8.078/90 E OS DIREITOS BÁSICOS DA PROTEÇÃO DO