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4. INSTRUMENTOS DA EFETIVIDADE PROCESSUAL DO CONSUMIDOR

4.1 A REVISÃO DOS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A proteção contratual no Código de Defesa do Consumidor está baseada nos princípios da transparência, da boa-fé e da equidade. As partes devem atuar na relação de consumo com sinceridade, lealdade, seriedade e veracidade. Deve haver um equilíbrio na prestação assumida pelas partes como indicado no artigo 40, III do Código de Defesa do Consumidor272.

Até pouco tempo atrás vigorava na esfera do Direito Civil o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato ou da obrigatoriedade do contrato, consubstanciado no brocardo pacta sunt servanda. O contrato é lei entre as partes, devendo haver o cumprimento das cláusulas pactuadas, sem qualquer possibilidade de negativa no cumprimento.

Depois da Segunda Guerra Mundial surgiram relações massificadas envolvendo bens e produtos e novas formas de contratar. As cláusulas contratuais passam a serem impostas por uma das partes, em detrimento da outra, evidenciando a desigualdade econômica. As soluções tradicionais da legislação mostraram-se insuficientes para proteger a parte mais fraca273.

Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência passaram a estudar mecanismos para adaptarem às mudanças da sociedade, apresentando a adoção das teorias da imprevisão e da quebra da base do negócio, para permitir a revisão dos contratos.

Esse cenário histórico, foi completamente alterado pelo Código de Defesa do Consumidor, que sancionou nulidade absoluta as cláusulas abusivas (art. 51, seus incisos e parágrafos)274, definiu como direitos básicos dos consumidores o disposto no artigo 6º, V: "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas"275.

O legislador acolheu todo o caminho construído pela doutrina e pela jurisprudência, solidificada ao longo dos últimos anos, no sentido de restabelecer o equilíbrio contratual,

272 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. A revisão judicial dos contratos no novo código civil, código do

consumidor e Lei 8.666/93: a onerosidade excessiva superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, p. 154.

273 SCHMIDT NETO. Andre Perin. Revisão dos contratos com base no superendividamento: do Código de

Defesa do consumidor ao código civil. Curitiba: Juruá, 202, p. 221.

274 CASADO. Marcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2006,

p. 279.

modificando as cláusulas ou determinando sua revisão, num verdadeiro ato de intervenção estatal na área dos contratos.

4.1.1 Teoria da revisão decorrente de causas concomitantes à formação do contrato

As causas consideradas concomitantes à formação do contrato, contaminam o pacto desde o seu nascimento, trazendo de forma genética o germe que pode determinar a modificação por determinação judicial, cita-se as cláusulas abusivas e as prestações desproporcionais.

O Código de Defesa do Consumidor elencou no artigo 51 as cláusulas abusivas inseridas nos contratos relativos ao fornecimento de produtos e serviços, como nulidades de pleno direito276.

Considera-se abusiva, aquela cláusula resultante da prevalência de uma das partes sobre a outra em decorrência de fatores diversos. As cláusulas abusivas têm fundamento jurídico no princípio da boa-fé, que informa as relações contratuais de consumo, apresentando o reconhecimento da nulidade plena, conduzindo a sua retirada, mas não a resolução do contrato277.

Dessa maneira, pensando na preservação do contrato o juiz pode rever cláusula contratual que esteja em desacordo com a normalidade do equilíbrio entre as partes, determinando a retirada e reequilíbrio entre as partes.

O Código de Defesa do Consumidor além do princípio da boa-fé, adotou o do equilíbrio entre as partes contratantes, destacando esse último na possibilidade de nulidade absoluta de pleno direito das cláusulas abusivas, especialmente as que colocam o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV do CDC)278, além de vedar ao fornecedor exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva279.

Em correspondência a tais dispositivos, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu como direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”280

.

Observa Luís Renato Ferreira da Silva que:

276 CASADO. Marcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2006,

p. 279.

277 ALMEIDA. João Batista. A revisão dos contratos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor vol. 33. São Paulo: RT, 2000, p. 146.

278 CASADO. Marcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2006,

p. 279.

279 ALMEIDA. João Batista. A revisão dos contratos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor vol. 33. São Paulo: RT, 2000, p. 147.

No Brasil, em face do diploma dos consumidores, sustenta-se a possibilidade de revisão por incidência do art. 6.º, V, que refere à revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, o que não é outra coisa senão a figura da lesão. Há quem diga que tal norma pertine apenas à onerosidade excessiva eis que no texto consta a expressão fatos supervenientes. Em verdade, o dispositivo referido contém duas regras de revisão. A primeira quanto a prestações desproporcionais; a segurança quanto a fatos supervenientes. Logo, o remédio adequado, no direito brasileiro de consumidores, é o da revisibilidade (ou modificação, na dicção legal) 281.

Deve ser comprovado que a prestação é excessivamente desproporcional em desfavor do consumidor para justificar sua revisão.

4.1.2 Revisão decorrente de causas supervenientes à formação do contrato

As causas supervenientes à formação do contrato também podem determinar a sua revisão. Nesse caso, acontecimentos posteriores à celebração, situados fora das cláusulas contratuais, podem ensejar a quebra do equilíbrio contratual inicialmente estabelecido282.

Tais acontecimentos podem interferir de forma tão expressiva no contrato, a ponto de ocasionar-lhe a quebra do equilíbrio, tornando excessivamente onerosa a prestação. Podem também determinar a resolução do contrato, quando apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

Incluem-se nestas causas as circunstâncias imprevisíveis e a quebra da base do negócio por onerosidade excessiva.

4.1.3 Teoria da Imprevisão como fator de revisão

A teoria da imprevisão não foi acolhida expressamente pelo Código de Defesa do Consumidor, embora o tenha sido em legislações esparsas, mas a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a imprevisão é apta a proporcionar a revisão dos contratos, porém baseadas em dispositivos da lei civil283.

Salienta Luís Renato Ferreira da Silva:

281 FERREIRA DA SILVA, Luís Renato. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. 1ª.

ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998, p. 40.

282 SCHMIDT NETO. Andre Perin. Revisão dos contratos com base no superendividamento: do código de

defesa do consumidor ao código civil. Curitiba: Juruá, 202, p. 145.

283 ALMEIDA. João Batista. A revisão dos contratos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Em que pese o campo mais restrito em que incide esta teoria, vinculando-se à vontade das partes, a sua aplicação, em sede de revisão, dá-se pelo recurso hermenêutico do art. 112. Ao ordenar que se considere mais à vontade das partes que à literalidade do pacto, faz-se remissão à vontade final. Com isso, o respeito a esta vontade importa em afastarem-se as circunstâncias excessivamente onerosas que podem romper a comutatividade do pacto284.

A onerosidade excessiva decorrente de evento extraordinário e imprevisível dificulta extremamente a adimplemento do contrato, determinando a justificar a sua revisão.

A propósito do tema, Orlando Gomes assim se expressa:

Quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo contrato dependente do futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações285.

Segundo João Batista Almeida, a onerosidade excessiva pode proporcionar o enriquecimento sem causa, razão pela qual ofende o princípio da equivalência contratual. É aferível de acordo com as circunstâncias concretas que não puderam ser previstas pelas partes quando da conclusão do contrato286.

Exemplificativamente, constituem imprevisíveis e extraordinários causadores de onerosidade excessiva, as tempestades e os terremotos.

4.1.4 Teoria da quebra da base do negócio jurídico como fator de revisão

Segundo o artigo 6º, V do Código de Defesa do Consumidor, consta como consagrado a quebra da base do negócio como circunstância que possa alterar o conteúdo do contrato, podendo a vir desvirtuá-lo e causar onerosidade excessiva a uma das partes287.

Para que seja acolhido pleito fundado nessa teoria é preciso realizar análise constitutiva para verificação se a base do negócio foi atingida, se ocorreu situação anormal (não

284 FERREIRA DA SILVA, Luís Renato. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. 1ª

ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 151.

285 GOMES, Orlando. Contratos. 12ª ed., 3.ª t. Rio de Janeiro: Forense. 1990, p. 41-42.

286 ALMEIDA. João Batista. A revisão dos contratos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor vol. 33. São Paulo: RT, 2000, p. 148.

corriqueira), se a economia contratual foi afetada (tornando insuportável o cumprimento para uma das partes), se a situação adversa não é imputável ao contratante e, finalmente, se a contratação não imputou a uma das partes o ônus do evento futuro, de maneira que a ela caberá suportar lhe sem alegar quebra da base do negócio e por final se ocorreu onerosidade excessiva288.

A maior inovação trazida por esta teoria foi a possibilidade de modificar o contrato de acordo coma novas condições fáticas, enquanto a cláusula rebus sic stantibus, em se tratando de um instituto que visa a liberação de uma manifestação de vontade passada e não da reconstrução da vontade, sempre objetivou a extinção do negócio289.

Conforme Anísio José de Oliveira indica: “devedor pode propor a manutenção com uma contraprestação aumentada, para o credor optar entre esta e a liquidação judicial, e da explicação entende-se afinal que, no desacordo, resolve o juiz” 290.

Luís Renato Ferreira da Silva anota que:

O exame da teoria da base do negócio jurídico, também vinculada à ideia de circunstâncias posteriores à contratação, tem cunho mais objetivo. É que (a) se prescinde da imprevisibilidade do evento futuro e (b) não se protege apenas o fato excessivamente oneroso. A teoria resguarda situações onde o contrato resta frustrado, perdendo seu sentido por rompimento da sua base. Através de teorias nascidas no direito anglo-americano e desenvolvidas no direito alemão, a tese da base encontra acolhida como causa de revisão na vigente legislação de proteção ao consumidor (art. 6.º, V, 2.ª parte) e, no direito comum, por força do onipresente princípio da boa-fé291.

No Código de Defesa do Consumidor o artigo 6º, V, regula não apenas a revisão por fato superveniente, denominado de sinalagma funcional, mas também por fato concomitantemente à celebração do contrato, denominado sinalagma genético, visando a justiça contratual292.

Entende-se que o legislador tomou o cuidado de regular o desiquilíbrio como algo injusto, quando uma das partes está levando vantagem demasiada em decorrência da ignorância da outra parte.

288 ALMEIDA. João Batista. A revisão dos contratos no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor vol. 33. São Paulo: RT, 2000, p. 148.

289 SCHMIDT NETO, André Perin. Revisão dos contratos com base no superendividamento: do Código de

Defesa do Consumidor ao Código Civil. Curitiba: Juruá, 2012, p. 153.

290 OLIVEIRA, Anísio Jose de. A teoria da imprevisão dos contratos. São Paulo: Leud, 1999, p. 122.

291 FERREIRA DA SILVA, Luís Renato. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. 1.

ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998, p. 151.

Para a conclusão do referido artigo o legislador baseou-se nos princípios: da vulnerabilidade (art. 4º, I) princípio da boa-fé objetiva e equilíbrio contratual (art. 4º, III), estando este último expresso no próprio artigo 6º, V do Código de Defesa do Consumidor293.

4.2 O SUPERENDIVIDAMENTO COMO FATO SUPERVENIENTE PARA REVISÃO DOS