• Nenhum resultado encontrado

O princípio da eficiência no contexto da democratização administrativa

4 A DEMOCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: INTERESSE PÚBLICO E EFICIÊNCIA

4.4 O princípio da eficiência no contexto da democratização administrativa

Em um mundo onde há uma diversidade e extensão de demandas que não podem ser atendidas amplamente apenas pela atuação da iniciativa privada ou estatal, por vezes nem por um único Estado, alargou-se o emprego e a importância do termo eficiência.

O art. 37, da Constituição Federal insere o princípio da eficiência no rol de princípios aos quais a Administração Pública deve obediência. A busca por eficiência consta também nos artigos 74 e 144, da Carta Magna, os quais preveem a instituição e manutenção de controle interno no âmbito dos três poderes, a fim de avaliar os resultados quanto à eficiência, e a disciplina legal da organização e do funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública com o fito de garantir a eficiência.

Além disso, é princípio consagrado pela lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei nº 9.784/99), em seu artigo 2º, juntamente com os princípios da legalidade, da razoabilidade, do interesse público, da moralidade, dentre outros.

Para alguns juseconomistas, toda política pública a ser implementada deve ser eficiente e uma que não o seja torna-se injusta386. Alega-se que, em um mundo de

recursos escassos e demandas ilimitadas, uma decisão justa deve eliminar desperdícios, ou seja, a ineficiência é sempre injusta387.

Entretanto, prima facie, eficiência e justiça não se confundem, posto esta encontrar-se no mundo dos valores e aquela depender, muitas vezes, de uma análise economicista relativa ao custo-benefício e ao desperdício.

Se a preocupação econômica é com os resultados econômicos ou financeiros, a preocupação jurídica é com os valores e são estes que traçam o caminho desenvolvimentista delineado pela Constituição. É nesse sentido que Salomão Filho considera que “a igualdade de oportunidades, a cooperação, a inclusão no mercado, o conhecimento das melhores opções econômicas e sociais menos que resultados econômicos passam a compor o quadro valorativo de uma democracia econômica”388.

386 GICO JR, Ivo. Introdução ao direito e economia. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1-33, p. 27.

387 Ibidem, p. 28.

388 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (Coord.) Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros: 2002, p. 29-64, p. 57.

Como bem afirma Amartya Sen, um resultado eficiente não diz nada sobre a equidade das situações decorrentes ou da distribuição de liberdades389. É possível

que o compromisso com a equidade exija uma interferência nos mecanismos de mercados a qual pode enfraquecer as realizações de eficiência390. Há situações em

que a escolha realizada pelo legislador ou pelo administrador não será aquela considerada mais eficiente segundo análises econômicas.

Apesar de eficiência e justiça não se confundirem, ambas devem ser buscadas simultaneamente, segundo os preceitos do Estado Democrático de Direito, o qual garante uma série de direitos individuais e coletivos, mas expressa que ao busca-los a Administração Pública deve primar pela eficiência. Isso não quer dizer que a efetividade da eficiência deve ocorrer em detrimento desses preceitos, mas que a Constituição brasileira tem compromisso para com ambos.

A eficiência no âmbito da economia liga-se à análise do procedimento utilizado para a obtenção de um resultado econômico e, quando inserido no contexto jurídico, está submetida à teleologia do Estado de Direito391, mas também expressa o conteúdo

deste. Constitui uma dimensão do próprio direito, servindo de instrumento para a consecução de objetivos sociais e econômicos392.

O preceito em comento determina uma atuação administrativa otimizada, levando em consideração tanto os meios quanto os fins. Exige-se, “o aproveitamento máximo das potencialidades existentes"393.

Modesto esclarece que os resultados socialmente relevantes produzidos por uma atuação eficiente não são percebidos em termos meramente políticos ou econômicos. As exigências que levam à produção desses resultados restam “positivadas, entronizadas no sistema jurídico, juridicizaram-se como exigências do

389 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.

144.

390 Ibidem, p. 145.

391 Vide FREITAS, Daniela Bandeira de. A fragmentação administrativa do Estado. Belo Horizonte:

Fórum, 2009, p. 133 e ss.

392 FREITAS, Daniela Bandeira de. Eficiência jurídica no mercado: um instrumento a serviço da

democracia. In: FREITAS, Daniela Bandeira de; VALLE, Vanice Regina Lírio do (coord.). Direito

administrativo e democracia econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 77-104, p. 78. 393 FREITAS, Daniela Bandeira de. A fragmentação administrativa do Estado. Belo Horizonte:

ordenamento nacional”394. São exigências positivas e negativas direcionadas à

otimização da obtenção dos bens jurídicos previstos395.

Diz respeito, assim, à melhor maneira de realização das finalidades da Administração, mas não se confunde com a obtenção, em todo e qualquer caso, de menores custos financeiros396. Ou seja, não se pode reduzir a eficiência à

economicidade, a qual se relaciona com a produtividade (maior produção de riqueza com o mínimo de dispêndio de energia.

Humberto Ávila divide em dois os modos de consideração do custo administrativo. Segundo o modo absoluto, a opção menos custosa deve ser adotada independentemente das outras opções; por outro lado, o modo relativo conduz ao entendimento de que a alternativa menos custosa só pode ser adotada se as vantagens viabilizadas pelas demais não superarem o benefício financeiro397.

Este último seria aquele que mais se coaduna com o nosso sistema jurídico democrático. Como corolário, a escolha menos custosa só pode ser considerada adequada se todas as demais opções influenciarem da mesma maneira as liberdades e os direitos dos administrados, bem como cumpram no mesmo grau os fins previamente estabelecidos.

Por conseguinte, se existe uma opção menos custosa, mas que restrinja em maior monta uma liberdade ou um direito do administrado do que outra alternativa, cujo custo é maior, mas cuja restrição à liberdade ou ao direito é menor, deve-se escolher a de maior custo398. Verifica-se, assim, que a atuação eficiente da

Administração Pública não significa a atuação mais barata.

Ou seja, a concepção de eficiência econômica não é incorporada em sua totalidade ou de forma absoluta pelo direito399. Como corolário, uma decisão que

394 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público, ano 51, n. 2, abr.-jun. 2000, p. 105-120, p. 106.

395 Idem.

396 Vide MIRAGEM, Bruno. A nova administração púbica e o direito administrativo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011.

397 ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, out./nov./dez.

2005, p. 1-25. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 27 jun. 2016, p. 20.

398 Ibidem, p. 21.

399 Nesse diapasão, Modesto lembra que o termo eficiência não é privativo de nenhuma ciência. No

âmbito do direito, os juristas deverão explorar o sentido jurídico desse princípio, inserindo-o no contexto da normatização nacional (MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência.

desrespeite a chama eficiência de Pareto400, por exemplo, não necessariamente será

inválida. Pretende-se conduzir à eficiência, sem incorrer em deficiência de juridicidade401. Os resultados esperados à luz do princípio da eficiência são, desta

feita, aqueles indicados no ordenamento jurídico.

Questiona-se, por outro lado, até que ponto os mecanismos democráticos não prejudicariam a eficiência necessária para a regulação. Isso porque, um dos desdobramentos do princípio da eficiência é o repúdio de procedimentos longos e lentos.

Argumenta-se que a institucionalização dos instrumentos de participação da sociedade civil poderia acarretar uma demora demasiada no processo decisório e, assim, a violação do princípio da eficiência. Por conseguinte, suscita-se que o custo para essa institucionalização não é compensado pelos benefícios decorrentes.

Necessário faz-se lembrar que a intensificação do processo de descentralização administrativa com a criação das agências reguladoras descansa sobre o fundamento do princípio da eficiência. A constitucionalização deste conferiu respaldo à reforma da Administração Pública, a qual propugnou o modelo gerencial.

Como visto anteriormente, o princípio da eficiência deve coadunar-se com os demais princípios do ordenamento jurídico402, inclusive com o princípio participativo e

o da supremacia do interesse público, o qual, como visto, deve ser concebido a partir de um viés democrático. Nesse sentido, Freitas aduz que a lógica da eficiência (econômica) nem sempre se adequa a outras exigências as quais vinculam a atividade administrativa, permeada por critérios axiológicos e dependente de controles políticos403.

A participação da sociedade civil é elemento essencial para que a Administração Pública consiga concretizar o interesse público, mesmo que a duração do processo decisório alenteça. A exclusão do administrado das decisões é um dos

400 A eficiência de Pareto ou eficiência alocativa relaciona-se com a satisfação de preferências

pessoais. Diz-se que alguma situação é Pareto eficiente quando não é possível modificá-la a fim de deixar uma pessoa em situação melhor sem deixar outra pessoa em situação pior (COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 38).

401 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, p. 236.

402 Nesse mesmo sentido DIAS, Jefferson Aparecido. Princípio da eficiência & Moralidade administrativa: a submissão do princípio da eficiência à moralidade administrativa na Constituição

Federal de 1988. Curitiba: Juruá, 2009.

403 FREITAS, Daniela Bandeira de. A fragmentação administrativa do Estado. Belo Horizonte:

pontos críticos, os quais precisam ser suprimidos para melhor conjugar a eficiência e a juridicidade404, o que foi feito com a previsão das garantias de participação do

administrado.

Esta situação equipara-se àquela tratada quando da argumentação acerca dos custos. A opção por um procedimento democrático e participativo, por mais que gere custos, é o que menos restringe as liberdades dos administrados; ao contrário, promove-as.

É possível considerar, portanto, que a procedimentalização, com a previsão de mecanismos asseguradores do acesso à informação e da participação dos administrados, é uma expressão do princípio jurídico da eficiência.

A possibilidade do agente regulador e dos regulados deliberarem acerca dos possíveis cenários de uma proposta regulatória permite que eles considerem as possíveis consequências e adotem a melhor decisão possível concernente aos interesses em conflito, viabilizando também a otimização da sua eficácia.

Os mecanismos de participação, ademais, geram o dever de motivação e o contato dos órgãos da Administração com os pleitos da sociedade; permitem a formação do convencimento por meio da análise de informações e de debates, bem como tenciona que a formação da vontade estatal não se submeta à incerteza das orientações do governo405. Em suma, um dos critérios de determinação da concepção

de eficiência é o procedimento participativo406.

A concretização dos resultados desejáveis depende da existência de um processo político participativo. A participação da sociedade deve ocorrer tanto na fase de planejamento, quanto de execução, por meio dos instrumentos de participação

404 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, p. 236-237.

405 MIRAGEM, Bruno. A nova administração púbica e o direito administrativo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011, p. 47.

406 Como bem aduz Reis, para alcançar a eficiência, a Administração Pública necessita abrir mão da

sua autoridade e buscar o consentimento dos cidadãos. As soluções que primam pelo consenso tendem a ser mais eficientes do que aquelas que privilegiam a litigiosidade ou a imposição (REIS, José Carlos Vasconcellos dos. As modulações no direito administrativo. In: FREITAS, Daniela Bandeira de; VALLE, Vanice Regina Lírio do (coord.). Direito administrativo e democracia econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 267-291, p. 291). Nesse mesmo sentido, Nobre Júnior ao afirmar que o princípio da eficiência “reclama a possibilidade dos procedimentos administrativos, envolvendo interesses da Administração e dos particulares serem solucionados mediante instrumentos consensuais” (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Administração Pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 11, dez. 2006, p. 125-162, p. 153).

expostos em tópico anterior, bem como pela fiscalização do cumprimento das decisões tomadas.

É necessário pensar a economia, bem como seus institutos, não como fins em si mesmos, mas como meios à efetivação dos ditames constitucionais e legais, prestando-lhes auxílio. Isso não quer dizer que as leis da economia devem ser completamente desconsideradas ou que o Estado não deva se preocupar com o crescimento econômico.

Este, como visto em tópico sobre o desenvolvimento é relevante para que o Estado Democrático de Direito cumpra os seus fins, mas deve ser considerado como promotor do bem-estar da coletividade ou do desenvolvimento nos termos previsto na Constituição.