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O princípio de prevenção e o princípio de precaução

Na Diretiva Quadro o conceito de prevenção vem definido como “o conjunto das disposições ou medidas tomadas ou previstas em todas as fases da atividade da empresa, tendo em vista evitar ou diminuir os riscos profissionais” (art 3º-c). Esta grande amplitude já antes tinha sido assumida pela OIT, para quem saúde do trabalho “não visa apenas a ausência de doença ou de enfermidade, incluindo, também, os elementos físicos e mentais que afetam a saúde diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho” (art 3º-e) da Conv 155).

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De acordo com este enquadramento, o CT estabelece que “o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta os princípios gerais de prevenção” (art 281º). E a L 102/2009, ao regulamentar esta disposição legal, define prevenção como “o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de atividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores” (art 4º-i).

Refira-se, desde já, que esta disposição da L 102/2009 insere na definição do conceito de prevenção o campo das políticas públicas, o que se afigura estranho, na medida em que, tratando-se de diploma regulamentar do CT, não lhe competiria regular tais políticas99.

Em todos os casos citados, o certo é que o objeto da prevenção se reporta, implícita ou explicitamente, aos conceitos de risco e de perigo, os quais estão definidos na L 102/2009: “Perigo é a propriedade intrínseca de uma instalação, atividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano” e “Risco é a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interação do componente material do trabalho que apresente perigo” (art 4º-g)-h). Daqui resulta que o perigo se define por ser um atributo associado à própria natureza dum componente do trabalho e, como tal, é condição necessária (ainda que não suficiente) do risco, o qual se configura sempre como uma situação (real ou potencial) que depende ainda de dois outros fatores: pessoa (trabalhador, visitante…) e determinada situação de exposição desta ao perigo (configuração do posto de trabalho, natureza do método de trabalho, características da instalação…).

Face a tal quadro, a Lei manda prevenir, segundo uma metodologia específica: os princípios gerais de prevenção (art 6º da Diretiva Quadro)100. Os termos em que tal metodologia coloca a prevenção é de tal forma abrangente que se coloca a questão de saber quais são os seus limites e natureza. Com efeito, e de acordo com esse quadro de referência, prevenir o risco implica agir em quatro dimensões: i) procurar evitar o risco; ii) avaliar o risco não evitado, tendo em vista a escolha e adoção de medidas preventivas ao nível dos riscos previsíveis ou declarados (medidas de ergonomia, de organização do trabalho, de engenharia…); iii) proteger o trabalhador face aos riscos avaliados e não suficientemente controlados (medidas de proteção coletiva e, se estas não forem possíveis ou suficientes, medidas de proteção individual); iv) informar e formar os

99 Ibidem Cabral, Fernando (2011). Op cit; p 69.

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trabalhadores. A prevenção deve, assim, desenvolver-se através de uma estratégia com três tipos de alcance: i) primeiramente, evitar o risco; ii) secundariamente, controlar o risco não evitado; iii) e, supletivamente, proteger a pessoa do risco não suficientemente controlado. Ora, a primeira dimensão está formulada em termos tais (evitar o risco) que leva a supor que, por vezes, já estaremos para além do domínio específico da prevenção, entrando no domínio do princípio da precaução101, ainda que tal princípio, tão caro ao Direito Ambienta, não esteja expressamente consagrado no Direito da SST102. Ora, “o princípio da precaução, diz a doutrina, diferentemente do da prevenção, que exige que os riscos – ou perigos – conhecidos sejam removidos, impõe a eliminação daqueles cuja ocorrência ainda não é passível de previsão com absoluta evidência científica, daqueles acerca dos quais a ciência não conhece dados conclusivos, embora forneça informação suficiente para fundar um receio justificado de que se verifiquem resultados nocivos, dos riscos ditos hipotéticos ou potenciais”103. Na verdade, “a precaução não é apenas um princípio de redução do risco, mas, também e antes de mais, um instrumento de gestão dos recursos naturais”104, uma vez que “em caso de riscos de perigos

graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para remeter para mais tarde a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do ambiente”.105

A aproximação ao princípio da precaução ainda se nota quando se atenta na compreensão legalmente conferida ao conceito de prevenção: “o conjunto das disposições ou medidas tomadas ou previstas em todas as fases da atividade da empresa, tendo em vista evitar …. os riscos profissionais” e “a entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho” e, ainda, “a entidade patronal deve zelar pela adaptação destas medidas, a fim de atender a alterações das circunstâncias e tentar melhorar as situações existentes” (respetivamente, art 3º-c), art 5º/1 e art 6º/1 da Diretiva Quadro).

101 O princípio da precaução está referido no art 191º do TFUE. 102

O princípio da precaução nasceu na Alemanha, nos anos setenta do séc XX, no contexto das políticas ambientais. Presentemente, tanto a nível internacional, como comunitário tal princípio aplica-se à proteção da saúde humana, animal e vegetal (Ewald, François (2001). Philosophie Politique du Principe de Précaution, in Le Principe de Précaution. Paris: PUF, Que Sais-Je? pp 6 e 24).

Na área Ambiental o princípio da precaução oscila nas ordens jurídicas entre a natureza de regras de direito diretamente aplicáveis e a natureza de princípio de interpretação. Regra geral, este princípio está assumido em termos de regras de conteúdo indeterminado (Sadeleer, Nicolas (2001). Le Statut Juridique du Principe de Précaution, in ibidem Ewald, François et all op cit pp 77-78).

103

Rouxinol, Milena (2008), A Obrigação de Segurança e Saúde do Empregador, p 65. 104 Ibidem Ewald, François (2001). Op cit p 25).

105 Conferência da ONU sobre o meio ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992, in Ibidem Ewald, François (2001). Op cit p 9.

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Há, aqui, uma ambiguidade que não permite afirmar categoricamente que o princípio da precaução está expressamente consagrado no Direito da SST, embora também não nos permita considerar que ele está clara, inequívoca e irremediavelmente afastado dele106. Podemos, então, concluir que há uma tendência para uma aproximação progressiva, à medida em que, por um lado, tal princípio vá evoluindo e, por outro lado, os valores globais da proteção ambiental interpenetrem mais decididamente na regulação da segurança e saúde (evolução esta já iniciada, de resto, na legislação comunitária relativa à segurança de equipamentos de trabalho e de produtos químicos). Encontramos, pois, aqui mais um indício de aprofundamento emergente no campo da SST.