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O trabalho e a prevenção do risco profissional no contexto da sociedade pós-

evolução do trabalho humano é influenciada fortemente pela ”mudança dos objetivos da economia, pela evolução das tecnologias e pela transformação do terciário” 53. Das “mudanças na economia” resultam novos modelos de produção que conferem ao quadro das condições de trabalho maior complexidade, podendo estas serem reportadas a cinco origens: “i) a execução do trabalho em si, ii) o nível da qualificação do trabalho, iii) a envolvente próxima do posto de trabalho, iv) as condições psicossociais do trabalho resultantes da organização da empresa e v) o contexto global”54

. Por sua vez, a “evolução tecnológica” tende a generalizar e a acentuar a automatização das máquinas e os automatismos dos processos,55 através do domínio crescente da informática, daqui resultando uma nova distribuição do trabalho entre o Homem e a máquina, ficando reservada ao Homem a parte mais complexa e à máquina a parte mais sistematizável56.

Prevenção de Acidentes de Trabalho numa Abordagem Psicossocial: Valores Organizacionais Declarados e em Uso. pp 34-43).

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Ibidem Cabral, Fernando e Roxo, Manuel (2008). Op cit (5ª edição), p 73. 52 IDICT (1999). Livro Branco dos Serviços de Prevenção das Empresas. 53 Jardillier, Pierre (1993). Les Conditions du Travail A.O, p: 25. 54 Jardillier, Pierre (1989). O Fator Humano na Empresa, pp 13-14.

55 “Torna-se necessário fazer aqui a distinção entre dois tipos de situações de trabalho que derivam das novas tecnologias e requerem a inteligência dos operadores: a automatização e a informatização. A primeira, implica um processo físico e/ou químico), que funciona de maneira parcialmente autónoma ... O operador, para quem este processo constitui o referencial das informações a interpretar, intervém no seu funcionamento, em particular para prevenir ou recuperar um desvio ou paragem (um disfuncionamento). No caso da informatização ..., a situação é diferente: toda a iniciativa se encontra do lado do operador, para quem o computador não passa de um instrumento de tratamento da informação extremamente poderoso, regido por regras complexas, mas que não fornece ele próprio os problemas a resolver, nem impõe de um modo geral as suas limitações temporais. Deste modo, fala-se menos de disfuncionamento ou de incidentes e mais de dificuldades”. (Montmollin, Maurice (1990). A Ergonomia, p 104).

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Por fim, quanto à influência do “setor terciário no trabalho” podem evidenciar-se os sistemas muito elaborados de informação; a grande determinância e diversidade de sistemas de comunicação (incluindo, naturalmente, as comunicações à distância, cujo desenvolvimento atingiu o ponto de tornar possível o trabalho deslocalizado e o teletrabalho); a sazonalidade inerente a muitas atividades (de que decorre um incremento da precaridade da relação de trabalho que atinge profissionais de diversos níveis de qualificação).

O desenvolvimento deste paradigma veio pôr em evidência a problemática seguinte: será que viver é, agora, mais arriscado do que antes? Há vários aspetos a considerar face a esta questão.

Numa perspetiva abrangente sobre o risco nas sociedades atuais, Giddens considera que a

modernidade reduz o carácter geral do risco de certas áreas e modos de vida, mas introduz ao mesmo tempo novos parâmetros desse risco em grande parte ou completamente desconhecidos em épocas anteriores. Estes parâmetros incluem riscos de grandes consequências, que derivam do carácter globalizado dos sistemas sociais da modernidade... Agora que a natureza, enquanto fenómeno exterior à vida social chegou, num certo sentido, ao fim – como resultado da sua dominação pelos seres humanos –, os riscos de catástrofe ecológica constituem uma parte inevitável do horizonte da nossa vida quotidiana” 57.

Na mesma linha de análise, Beck refere que as sociedades atuais se confrontam com riscos gerados pelo desenvolvimento científico e industrial em que“i) as suas consequências não são limitadas no tempo e no espaço; ii) e ninguém está ao abrigo desses riscos e não é possível compensar quem por eles é atingido; iii) e a calculabilidade de muitos perigos é problemática”58.

Há, ainda, a considerar que passámos

“dos perigos mais tradicionais, como os desastres naturais, para os riscos que não podem ser imputados como aqueles a agentes externos, pois têm que ver com decisões humanas, institucionais (industriais ou técnico-económicas), que em sua suposta ponderação de possíveis custos e benefícios, optam por um progresso que traz consigo riscos que escapam à lógica do cálculo de riscos e da segurança. A possibilidade de imputar responsabilidades à própria sociedade faz com que estes riscos se convertam num problema, numa questão social e política de primeira ordem”59

.

57 Ibidem Giddens, Anthony (1997). Op cit; pp 3-4.

58 Beck, Ulrich (1992). Risk Society – Towards a New Modernity, p 2. 59 Puy, Ana (1995). Percepción Social de los Riesgos. p xx.

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Por sua vez, Amalberti considera que “os atuais sistemas de tecnologia avançada são muito seguros, mas, nas suas raras falhas, desenvolvem muitas vezes consequências catastróficas”60

. Por outro lado, a evolução do desempenho dos sistemas tecnológicos e da sua segurança faz aumentar o risco admissível, porque se confia na capacidade do seu controlo61. Daqui resulta que o aumento da magnitude do risco induz (automaticamente) ao reforço da segurança como abordagem permanente.

Por força da evolução tecnológica, os sistemas de trabalho tornaram-se bem mais complexos, automatizados (em alguns casos), opacos e perigosos, potenciando a existência de falhas não só no nível imediato, mas também e particularmente no nível mediato62. Assim, ainda que muitas vezes se considerem “os operadores como os principais causadores do acidente, é necessário compreender que eles são herdeiros de falhas diversas do sistema em que se inserem, criadas por uma deficiente conceção, uma deficiente instalação, uma manutenção defeituosa e más decisões da direção”63

. Sucede, também, que, cada vez mais, o acidente aviva a consciência social sobre o risco. Talvez, por isso mesmo, “diversas pesquisas sobre a perceção social dos riscos demonstram existir o sentimento predominante de que se vive hoje num mundo mais perigoso que anteriormente”64

.

Todo este cenário de “modernidade tardia”65 potencia enormemente a reflexão crítica sobre o risco e a segurança em todas as suas dimensões. Dwyer reporta o início do colapso do paradigma industrial da SST aos anos setenta, evidenciando os fatores seguintes66: i) A ocorrência de acidentes industriais graves, o crescimento das taxas de acidentes do trabalho e o aumento das preocupações com a saúde do trabalhador seriam sintomas de tal crise paradigmática; ii) O emagrecimento das organizações, o achatamento das estruturas hierárquicas e a subcontratação constituiriam sinais de mutação da atividade económica; iii) As novas fontes de poder, os novos padrões culturais, as representações da atividade produtiva, a

60 Ibidem Amalberti, René (2001). Op cit. p 35. 61 Ibidem Amalberti, René (2001). Op cit. p 27.

62 Estes níveis de falhas são designados por Reason de falhas ativas (imediatas) e condições latentes (mediatas). Reason, James (1993). L’Erreur Humaine. P 239.

63 Reason, James (1993).

L’Erreur Humaine

p 240.

64 Slovic, P (1987). Perception of Risk, Science, nº 236, in Le Breton, David (1995). La Sociologie du

Risque p 29.

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Expressão utilizada por Anthony Giddens para classificar os tempos que correm como estádio (final?) do paradigma da cultura moderna em transição para um novo paradigma social. (Giddens, Anthony (1997). “Modernidade e Identidade Pessoal”. Lisboa: Celta).

66 Dwyer, Tom (1997). A Wager on the Future. A Sociological Paradigm for Occupational Safety and Health. Abstracts from the Workshop on Occupational Health Strategie. Dublin, Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, p 46.

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perda de força de certos conflitos sociais capital - trabalho e a emergência de novos conflitos sociais, apareceriam como dimensões próprias de uma sociedade pós-industrial.

Segundo este autor, as respostas encontradas para aquele quadro residiram, essencialmente, nas seguintes abordagens67: i) Aprofundamento dos princípios do paradigma industrial da SST; ii) Protagonismo da atividade dos profissionais da SST e das análises custo-benefício; iii) Aprofundamento do hiper-racionalismo na forma sistémica das áreas da segurança e saúde (programas de bem-estar no local de trabalho); iv) Introdução de abordagens baseadas nas ciências sociais.

Apesar da notória evolução verificada, conclui o autor, tais soluções não foram suficientemente inovadoras para alicerçar um novo quadro paradigmático de abordagem da prevenção à altura dos riscos emergentes da sociedade pós-industrial.

E é face a todo este quadro de mutações, onde a par do progresso geral das sociedades se descortina no seu desenvolvimento “um carácter errático” 68, que na União Europeia se passou a evidenciar um novo panorama designado de “riscos emergentes”. Em tal panorama salientam-se novos riscos profissionais associados aos seguintes fatores: i) Riscos psicossociais particularmente relacionados com as novas formas de emprego e de organização do trabalho, bem como novas exigências de ritmo de trabalho e de qualificações profissionais; ii) Riscos associados ao défice de enquadramento dos profissionais na empresa e na atividade profissional; iii) Incidência do cruzamento dos riscos na sobreposição de atividades (intervenções executadas por várias empresas no mesmo estabelecimento) e em função da complexidade da gestão da prevenção no contexto da pluralidade de centros de decisão; iv) Incidência nas condições de trabalho das diversas formas de violência, de assédio e de intimidação associadas à crescente descontextualização da relação entre trabalhador e empregador.

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Ibidem Dwyer, Tom (1997). Op cit, p 46.

68”As duas influências mais significativas (do carácter errático da modernidade) são: as consequências não pretendidas e a reflexividade ou circularidade do conhecimento social”(Giddens, Anthony (1998a). Op cit, p 108).

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3 A POLÍTICA EUROPEIA PARA A SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO