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PARTE 1 – DIMENSÃO POLÍTICA

2.2 Percurso histórico da relação público-privada na educação até os anos de 1990 – o

2.2.2 O privado e o público: aproximações históricas

O debate sobre a educação pública no Brasil tem seu marco temporal a partir de 1889. A situação anterior a este período, “em que a Igreja católica era um setor diretamente ligado à monarquia, determinou a absorção por parte desta instituição de toda a direção do ensino”. (CURY; NOGUEIRA, 1989, p. 65). Saviani (2005) também delimita como marco histórico o período de 1890 como início do debate sobre educação pública.

Portanto, o Brasil desde sua colonização até a República, possuía uma educação religiosa, católica e elitizada. As escolas privadas, até a metade do século XX estiveram concentradas sob o domínio confessional, sobretudo dos católicos, que, desde a colonização atuaram como presença forte, especialmente pela Companhia de Jesus, em colégios e escolas para as cidades, em internatos e semi-internatos para as elites agrárias. (CURY, 2005).

Cury (2005) questiona como a iniciativa privada pode oferecer um serviço (a educação) que é do Estado. Ao responder diz que normalmente se invoca o princípio da liberdade associada ao da propriedade. Se a iniciativa privada tem seu pressuposto na liberdade, o princípio da igualdade fica por conta do Estado.

respaldada pelas Constituições, especialmente as proclamadas. Ainda em 187945, dizia-se que “onde não houvesse educação pública por perto, seria possível o Estado oferecer subvenção às escolas particulares”. (CURY, 2005).

No entanto, esse controle do privado por parte da Igreja se desestabilizou, haja vista o crescimento do pensamento moderno que lutava em favor da escola pública, laica e gratuita, despertando a reação católica. (GÓES, 1989). Os defensores da escola privada lutavam em favor da liberdade de ensino e “contra as políticas preconizadas pelo escolanovismo”. (ALVES, 2005, p. 105). As bolsas de estudos seriam o mecanismo de consecução desse direito.

Nos anos de 1940 a 1950, a presença dos interesses privatistas se acentuou no debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961, por meio de acurados argumentos que, devido a diminuição das suas taxas de lucro, “acusavam a escola pública de pretender o monopólio da educação nas mãos do Estado” (GÓES, 1989, p. 39).

O discurso privatista estava pautado no argumento

[...] do direito das famílias escolherem a educação que desejassem dar aos filhos[...] [...] admitindo a existência de estabelecimentos oficiais de ensino apenas quando e onde a iniciativa privada não fosse suficiente ou, então para setores muito especializados e de interesse exclusivo, como o de formação de pessoal militar. (CUNHA, 198346, s/p apud GÓES, 1989, p. 39).

Alves (2005) complementa que além do discurso da liberdade de ensino utilizado pelos privatistas, que tinha como líder a Igreja Católica, eram reivindicadas bolsas de estudos que seriam o mecanismo de aquisição desse direito, quando a escola escolhida pela família seria privada. O debate da LDB de 1961 acabou preservando, em parte, a destinação de recursos públicos à iniciativa privada. Para os defensores da escola pública, que tem como expoente Anísio Teixeira, a não totalidade de utilização dos recursos financeiros públicos à escola privada nessa lei, representou um avanço, “meia vitória, mas vitória” (TEIXEIRA, 1969, p. 22647, apud ALVES, 2005, p. 105, destaques do original).

O debate na construção da LDB de 1961 foi classificado por Cury e Nogueira (1989, p. 66) como um conflito marcadamente público versus privado “[...] e as propostas iam desde a estatização até propostas de privatização subsidiada pelo Estado. E embora capitaneadas

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Decreto Imperial nº 7.247 de 19 de abril de 1879.

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CUNHA, L. A. A universidade crítica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

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portanto, defesas de propostas políticas defendidas por cada um dos grupos.

O Estado vai aos poucos abrindo espaço para as empresas do ensino, tanto é que na Constituição de 1967 não havia previsão orçamentária para a educação escolar, ao contrário da Constituição de 1946. A emenda constitucional de 1969, outorgada pela Junta Militar impunha a vinculação orçamentária fixada em 20% apenas para os municípios, o que não significou quase nada diante a necessidade de ofertar satisfatoriamente a educação para toda a população. Considerando o ganho com a Emenda Calmon (1983), que restaurava a vinculação prefixada de recursos em 13% para a União, 25% para os estados e municípios, a educação ainda não era prioridade. “O próprio Ministro do Planejamento se dizia sabedor de como driblar a educação”. (CURY; NOGUEIRA, 1989, p. 67).

A emergência visível de um novo perfil do grupo privado, cujo discurso baseava-se na relação custo/benefício, andou ao lado do discurso que defendia a liberdade de ensino.

A hegemonia, até então detida pelos grupos confessionais católicos, passa para os grupos empresariais que, embora lutassem pela defesa do ensino particular, nem sempre se posicionavam de forma única. (VIZZOTTO; CORSETTI; PIEROZAN, 2016).

No entanto, o argumento que era defendido pelos grupos privatistas se assemelha ao discurso que, dentre outros, impulsionou a Reforma do Aparelho de Estado no Brasil no governo FHC. Embora parecesse novo, a ineficiência do Estado, no que diz respeito à manutenção da educação, foi retórica difundida entre os privatistas, ainda nos anos de 1980, ou seja, a incapacidade de o Estado oferecer ensino a todos abre possibilidades “da rede particular se colocar no papel de entidade de beneficência, isto é, a ideologia da filantropia”. (CURY; NOGUEIRA, 1989, p. 76).

Desse modo, a escola privada entra onde o governo falha (CURY; NOGUEIRA, 1989). Essa omissão é reforçada pelo argumento da falta de padrão de qualidade do ensino público. Fatores como maior aprovação em exames vestibulares ou concursos, bem como o pioneirismo das práticas pedagógicas coloca o ensino privado como de melhor qualidade e, por conseguinte, caberia ao governo incentivar a existência dessa rede. Esse discurso neoliberal, segundo Cury (1992), vai aos poucos buscando se afirmar no interior dos grupos privatistas.

Em que pese a desqualificação da educação pública brasileira, antes mesmo da promulgação da LDBEN de 1996, a seleta gama de organizações internacionais48, empresas

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Banco Mundial (BM), Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD), Internacional Finance Corporation (IFC), Centro de Professores Britânicos (CfBT) e Universidade de Harvard. Esse grupo, segundo Robertson e Verger

dissemina um discurso global que torna o setor privado o exemplo a ser seguido. “[...] as organizações do setor público devem aproveitar sua participação nas estruturas de parceria para aprender com a cultura organizacional, as qualidades e os valores do setor privado, tais como flexibilidade, abertura as demandas sociais, incentivos à inovação e eficiência”. (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1145).

Esse jogo de interesses que se instalou no debate educacional continuou e sustentou a construção da Constituição Federal de 1988. No debate da constituinte sobre o ensino público e privado, ressaltam-se os interesses da escola particular. Para Cury (1992), tão logo aprovada a nova Constituição, a defesa pela liberdade de ensino torna-se bandeira de luta. O discurso em prol do argumento de que a escola privada oferece o que há mais próximo à modernidade serviu para justificar não apenas a existência de tais instituições, mas para afirmar que o ensino público deve se espelhar no privado.

A Constituição de 1988 faz uma diferenciação explicita no setor privado entre aquela educação que seria privada enquanto produto das relações capitalistas de produção, típica do Estado mínimo e a educação confessional filantrópica, que teve sua origem na família e são hoje designadas como comunitárias sem fins lucrativos. (CURY, 1992). Essa diferenciação está explícita na LDB n. 9394/1996, art. 20, I a IV. (BRASIL, 1996).

Considerando o período após 1890 como marco do debate entre ensino público e privado, ou seja, há pouco mais de um século, é possível constatar que o sentido do privado na área educacional se fundamentou na escola privada de caráter confessional e pautando sua existência na liberdade de ensino. Suas reivindicações requeriam maior participação do Estado no repasse de recursos financeiros públicos, e ainda, o domínio do mercado educacional.

Pontuamos que o setor privado, marcadamente a escola privada até meado dos anos 1990, representava a complexa relação entre o público e o privado na educação. Como explicitamos, compreender o percurso dessa relação é fundamental para olhar a atual relação público-privada, pois tanto a escola privada, ora analisada, quanto o privado que tomamos como objeto de análise, por meio da relação público-privada, comungam de relações de dependência com o Estado, acentuando-se as relações com o mercado. Este último, atualmente tem sido determinante.

(2012), tem sido responsável pela promoção das ideias de parcerias no interior do debate sobre o desenvolvimento.

constitui nos parceiros da educação pública municipal. São esses dois segmentos que complementam a relação público-privada nos municípios pesquisados e é a eles que atribuímos maior atenção, especialmente por entendermos que o privado lucrativo diz respeito às empresas, que por meio de processos de licitação, estabelecem formas de prestação de serviços às redes públicas de ensino. O terceiro setor também se apresenta como parceiro nos municípios e sua parceria se efetiva por meio de outros instrumentos que podem dispensar a licitação.

O Estado redefine sua função com a Reforma e, essas parcerias passam a ser mais comuns e facilitadas, deixando a educação estatal porosa à iniciativa privada, seja a lucrativa ou não.

2.3 A relação público-privada na educação – interface com a Reforma do Aparelho do