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A relação público-privada na educação – interface com a Reforma do Aparelho do

PARTE 1 – DIMENSÃO POLÍTICA

2.3 A relação público-privada na educação – interface com a Reforma do Aparelho do

Nesta seção, tencionamos refletir sobre as principais mudanças ocorridas no âmbito da Administração Pública que teve como base o Plano Diretor da Reforma do Estado49 no ano de 1995. A razão para a implementação da reforma foi baseada na crise do Estado, essa justificada pela crise fiscal, pelo esgotamento do modelo de substituição de importações e pelo centralismo administrativo. O Plano Diretor destacava que o compromisso fundamental do Estado não é de realizar todas as atividades demandadas pela sociedade. Para Bresser- Pereira (1998, p. 28), as medidas da Reforma “tornarão o Estado brasileiro mais dotado de governança democrática, ou seja, de maior capacidade de transformar a realidade, de forma eficiente, as decisões sobre políticas públicas tomadas nos quadros do regime democrático”.

Na seção anterior, procuramos apontar algumas características históricas do público e do privado no Brasil até os anos de 1990 e, agora, apresentamos as principais características que mediaram a relação público-privada na educação brasileira a partir dessa década, com ênfase na Reforma do Aparelho do Estado, marcada pelas crises e pela emergência do mercado como modelo eficaz.

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Reforma do Estado e Reforma do Aparelho do Estado. Segundo Di Pietro (2015) é necessário distingui-las, pois, a primeira é um projeto mais amplo que diz respeito às várias áreas do governo e, ainda, do conjunto da sociedade brasileira. A segunda é restrita, pois está orientada para tornar a Administração Pública mais eficiente, sentido esse que orienta o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Portanto, nesse trabalho, quando nos referimos à reforma, o fazemos considerando o segundo conceito.

duas seções temporais, não intenciona romper com a necessária continuidade das análises, mas reforçar o quão significativo foram os anos 1990 em termos de reformas e proposições também no campo educativo, cuja base naquele momento construída continua a possibilitar outros remendos na educação, desfigurando-a do seu caráter político, emancipador e criador. A reflexão sobre as características da reforma nos permite compreender o papel do município em relação à educação, cuja responsabilidade a partir da municipalização o tornou permeável às parcerias. Se a Constituição em 1988 classificou-o como ente autônomo, a Reforma tornou possível a realização das parcerias.

O período de ajustes e reformas no Brasil (1990) é acompanhado por ações privatizantes em nível global, cuja participação dos Organismos Multilaterais evidencia-se fortemente na proposição de diretrizes, dentre as quais o entendimento de que o Estado deve continuar regulando e financiando a educação, bem como controlar e avaliar o desempenho das escolas. Para tanto, não defendem a privatização pura da educação, mas orientam que os Estados devem aprender com o setor privado. (ROBERTSON; VERGER, 2012).

De modo geral, a origem da relação público-privada na governança global da educação tem se desenvolvido com intensidade na primeira década dos anos 2000. As Parcerias Público-Privadas na Educação (PPPE), como destacam os autores, “são parte de uma indústria em um ramo empresarial em rápido crescimento”. (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1135). Para compreender o surgimento das PPPEs é necessário voltar o olhar aos anos de 1970, momento da crise do projeto de desenvolvimento capitalista do pós-guerra e a introdução da economia de livre mercado. No entanto, a prevalência das ideias keynesianas dominaram os esforços de construção do pós-guerra, tendo como premissa básica a defesa da gestão estatal das políticas sociais, o que para alguns (neoliberais) era motivo de críticas, e para outros, a defesa do estado de bem-estar. Para os neoliberais, o Estado tinha como papel criar e preservar um quadro institucional que garantisse as condições de funcionamento do mercado de forma eficaz. (ROBERTSON; VERGER, 2012).

No Brasil, a reforma possibilitou que as atividades-meio (como a educação) fossem desenvolvidas por parceiros cuja eficiência é a premissa maior. Consolida-se um Estado regulador, pautado na defesa da descentralização, da publicização50 (fortalecimento do

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Para Bresser-Pereira (1998, p. 99), a publicização se refere à transferência dos serviços para o setor público não estatal. “A palavra publicização foi criada para distinguir este processo de reforma do processo de privatização”.

setores público e privado. (DI PIETRO, 2015).

Na conjuntura legal, decorrente da Reforma do Aparelho do Estado, a Carta Magna de 1988 consagrou em seu artigo 37 o princípio da eficiência, ou seja, “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência [...]”. O destaque a este último princípio, se deve pelo fato de que ele aparece como

mais importante em três dos quatro setores do Estado, conforme o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. (DI PIETRO, 2015).

Assim, as atividades exclusivas e não-exclusivas, nas quais a educação se inscreve, têm na eficiência o seu fim e, portanto, quando aliada à qualidade justificam implicitamente a procura pela excelência educacional. A eficiência para a reforma significa a redução de custos: fazer com menos. Não é à toa que o princípio se aplica às políticas sociais.

O modelo de gestão que se instala, principalmente a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, inclui a descentralização das políticas sociais para os municípios, bem como para setores do mercado por meio do envolvimento de organizações da iniciativa privada na gestão pública. (LUZ, 2013).

A Reforma no Brasil, orientada pela eficiência e a qualidade, implicou na maior participação do cidadão e das entidades privadas na Administração Pública, seguindo a tendência mundial. A partir desses aspectos, o foco passa a ser o interesse público51 e o cidadão se torna o principal beneficiário dos recursos estatais. Esse novo enfoque tem caraterística do modelo gerencial, contrário à Administração Pública burocrática. (DI PIETRO, 2015).

Como dissemos, as estratégias estabelecidas pela Reforma se diferenciam para cada setor de serviços públicos, sendo que nos sociais reconhece-se a atuação essencial do Estado, mas podem conviver com a iniciativa privada, ou seja, “nos serviços não-exclusivos, a administração deve ser mais que descentralizada – deve ser autônoma: a sociedade civil dividirá, com o governo, as tarefas de controle52”. (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 35).

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Segundo Di Pietro (2015, p. 14), o interesse público, sob o aspecto jurídico, reveste-se de um aspecto ideológico e passa a confundir-se com a ideia de bem comum. A nova roupagem do termo adquirida após o Estado Liberal humaniza-se à medida que passa a se preocupar não somente com os bens materiais, mas com os valores considerados essenciais à existência digna “e que exige a atuação do Estado para diminuir as desigualdades sociais e levar a toda a coletividade o bem estar social”.

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Na Reforma, houve a proposição de quatro setores como sendo constitutivos do Estado. O núcleo estratégico, os serviços não exclusivos, as atividades exclusivas e o setor de produção de bens e serviços para o mercado. (BRESSER-PEREIRA, 1997).

administração gerencial, sendo que a principal ideia é a descentralização53 e a delegação de autoridade. Por isso, para cada setor é necessário definir como o Estado opera, ou seja, definir que tipo de administração, que tipo de propriedade e que tipo de instituição. A administração é a gerencial e, no núcleo estratégico, há que se considerar a efetividade em detrimento à eficiência, sendo essa, fim dos demais setores. (BRESSER-PEREIRA, 1997).

Quanto à propriedade, nos serviços não exclusivos, sua definição é considerada mais complexa.

Se assumirmos que devem ser financiadas ou fomentadas pelo Estado, seja porque envolvem direitos humanos básicos (educação, saúde) seja porque implicam exteriormente envolvendo economias que o mercado não pode compensar na forma de preço e lucro (educação, saúde, cultura, pesquisa científica), não há razão para que sejam privatizados. Por outro lado, uma vez que não implicam no exercício do poder do Estado, não há razão para que sejam controlados pelo Estado. Se não têm, necessariamente, de ser propriedade do Estado nem de ser propriedade privada, a alternativa a adotar-se o regime de propriedade pública não-estatal [...]. “Pública” no sentido de se dedicar ao interesse público, que deve ser de todos, para todos, que não visa ao lucro; “não-estatal” porque não é parte do aparelho do Estado. (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 35, destaques do original).

Os idealizadores da reforma encontraram um meio de justificar a necessidade de envolver as instituições não estatais na condução das políticas educacionais, ou seja, a educação não é apenas estatal, tanto quanto não se apresenta apenas privada (a não ser quando oferecida pelo setor privado). A explicação encontrada avança na direção de delegar para o terceiro setor a educação pública, num modelo descentralizado, tanto do ponto de vista da municipalização, que se consolida ao final dos anos de 1990, quanto da participação da sociedade.

Segundo Bresser-Pereira (1997), a combinação entre o Estado subsidiador/financiador e a gestão gerencial é a mais adequada e, por isso, as organizações públicas não estatais são bem-vindas ao novo modelo. Não se deseja nem um Estado produtor (burocrata), nem apenas regulador (neoliberal). Muito embora a reforma tenha sido levada à cabo em 1995, desde 1993 empresários do setor industrial brasileiro, compartilham de ideais que colocam o setor privado, especialmente o empresarial, como parceiro da educação pública.

Com a justificativa de que o perfil formativo do trabalhador deve ser mudado, devido à aceleração das mudanças tecnológicas e da necessidade de novas habilidades para o

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A descentralização é obtida pela transferência da prestação de serviços para agências e Organizações Sociais. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 401).

que um único agente tome para si a tarefa de formar, capacitar ou retreinar recursos humanos. Assim, a articulação entre os agentes distintos – públicos ou privados – é indispensável para resolver os problemas que são enfrentados no âmbito da educação.

Para a CNI (1993, p. 22),

Nessa tarefa cabe a participação dos ministérios da Educação e do Trabalho, dos municípios, das organizações não-governamentais, dos meios de comunicação, dos serviços de formação profissional, das empresas públicas ou privadas, e das diversas organizações de ajuda à comunidade, e, em especial, dos empresários, através de seus órgãos de associação e representação sindical.

A proposta dos empresários da indústria corrobora das mesmas premissas, que algum tempo depois viriam se materializar com os preceitos da reforma, cuja forma descentralizadora e pautada na publicização abriu o caminho para as parcerias no campo da educação.

O modelo proposto e adequado pela reforma se aproxima da tendência socialmente moderna, que tem como principal pressuposto a descentralização. Tanto nas atividades exclusivas como nos serviços não exclusivos, o contrato de gestão é o instrumento que o núcleo estratégico (centro definidor das leis) usará para o controle.

Nesse contexto, a educação é situada nas atividades exclusivas e nos serviços não exclusivos, pois na primeira, o Estado aparece como subsidiário da educação básica e nos serviços não exclusivos ele é o responsável último pela educação, mesmo que a descentralização por colaboração seja comum e até mesmo recomendável. (LUZ, 2013).

Nos critérios exigidos pela Nova Gestão Pública (NGP) encontram-se a eficiência, a competição administrativa e a avaliação de desempenho. (LUZ, 2013). A NGP é resultado de uma reestruturação decorrente do ideário neoliberal que ganhou força. Houve a fragmentação das políticas estatais protecionistas favorecendo a privatização de uma série de atividades até então estatais e a implantação de políticas de concorrência entre os setores público e privado.

Essas variações fizeram com que o Estado fosse reestruturado em três principais objetivos, a saber: servir aos interesses dos negócios; remodelar as suas operações internas com base nos negócios e, reduzir a exposição do governo à pressão política do eleitorado. A partir dessa reestruturação, os objetivos foram traduzidos em novos discursos e estratégias de gestão, fazendo surgir a Nova Gestão Pública. (ROBERTSON; VERGER, 2012). Essa era designada

desempenho, a transferência do gerenciamento para os gestores, a especificação de padrões e indicadores, a alocação regida por resultados, auditoria e terceirização de uma série de atividades que haviam sido uma parte central do setor público. (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1136).

Com a proposição de adequação das políticas sociais, o Estado garantiu a ampliação da atuação do setor privado na educação, seja para financiar a escola privada, seja para manter sua a escola pública com a participação da sociedade civil, muito embora legalizando uma reforma que mudou e continua a mudar a educação.

Após o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o governo federal brasileiro propôs uma série de leis que possibilitaram concretizar as intenções da reforma. Ainda hoje vemos que as parcerias entre o setor público e o privado crescem em nome da boa governança e da democratização dos serviços sociais, especialmente da educação. O arcabouço legal vislumbra que o setor privado, agora como parceiro do Estado, também assuma função reguladora da ação pública.

Por fim, é importante frisar que a reforma se constituiu definidora para aclamar a relação público-privada, intensificada na década seguinte, em especial materializada na forma de compra de serviços e parcerias com o público não estatal.