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2. O objectivo e o âmbito da investigação

2.1 O problema e as questões do estudo

Ao longo do século XX, assistiu-se ao surgimento e crescimento de um movimento em torno do ensino da Matemática. A evolução das condições sócio- económicas e da tecnologia após a 2ª Guerra Mundial parece ter provocado uma mudança sensível no ensino da Matemática.

Paulo Abrantes (1994) refere que nos finais dos anos 50 vários matemáticos reclamam uma melhor preparação dos alunos que se destinam aos cursos superiores, invocando que a grande evolução da Matemática desde o início do século ainda não se tinha feito sentir nos níveis de ensino elementar e secundário.

A expansão da escolaridade ao longo da década de 70 terá contribuído para acentuar as preocupações com o ensino da Matemática. Surgem, um pouco por todo o mundo, críticas ao ensino da Matemática então prevalecente. Contudo, foi nos Estados Unidos da América que este movimento acabou por ter maior impacto e onde surgiram mais ideias que influenciaram reformas noutros países.

Em Portugal, a partir dos anos 40, Bento de Jesus Caraça e Sebastião e Silva manifestam a sua apreensão com a situação do ensino da Matemática no nosso país. O desaparecimento destes dois matemáticos deixa esta problemática adormecida durante algum tempo e o atraso no alargamento do ensino em Portugal retardou o ressurgimento desta questão. A expansão e a generalização da escolaridade obrigatória, a partir dos anos setenta, fizeram emergir um vasto conjunto de problemas que já se faziam sentir noutros países. Na década de oitenta, torna-se patente a preocupação com os problemas que afectam o ensino e, em particular, o ensino da Matemática. Esta atenção e interesse pelo ensino da Matemática conduziram ao aparecimento dos primeiros grupos de trabalho nesta área, tanto com carácter académico como profissional. Surgem os primeiros trabalhos de investigação neste domínio, as licenciaturas em Ensino da Matemática, ou com um Ramo Educacional, os Mestrados em Ensino da Matemática e as primeiras teses de Doutoramento nesta área.

Hoje, as dificuldades relacionadas com o ensino e a aprendizagem da Matemática deixaram de ser uma preocupação exclusiva da comunidade ligada ao ensino desta disciplina e passaram a ser uma questão que merece a atenção de quase toda a sociedade. Pais, professores e decisores políticos revelam uma constante inquietação com estes problemas, muitos dos quais de difícil resolução, pois estão enredados por uma complexa malha de questões económicas, sociais e políticas.

Apesar da multiplicidade de factores envolvidos e de não ter a veleidade de supor que estes podem ser isolados do seu todo, por algum método experimental ou laboratorial, proponho-me olhar de uma forma mais focada para um dos elementos que, no meu entender, desempenha um papel fundamental no ensino da Matemática, actualmente. O professor de matemática assume um lugar determinante no processo de ensino/aprendizagem desta disciplina, razão pela qual me parece indispensável dar

particular atenção à formação inicial destes profissionais e a todo o caminho de entrada na prática profissional, que se reveste de grande importância no modo como o professor aprendiz constrói muito do sentido que atribui a ser professor de Matemática.

Existe hoje, em Portugal, um conjunto de investigadores que partilha esta minha percepção acerca da necessidade de atenção redobrada à prática inicial do professor de Matemática, como é o caso de João Pedro da Ponte e Hélia Oliveira (2002), Joana Brocardo (2003), Lina Brunheira (2000, 2002) Hélia Oliveira (2004), Fernanda Perez (2002), entre outros. Uma ideia consensual entre estes investigadores, com a qual me identifico, é o imperativo de se promover uma formação inicial de qualidade. Contudo, é preciso ter consciência de que a expressão qualidade da formação pode ter, e tem, significados diversos. Apesar da variabilidade existente a este respeito, há um argumento que parece ser quase unânime, que é a necessidade de assegurar na formação inicial um forte domínio do conteúdo científico que se irá ensinar. Quando digo quase unânime, é porque ao longo dos tempos, temos assistido a vários episódios que nos ilustram que nem todos pensam desta forma. Um exemplo bem claro desta situação é o facto de, em vários momentos da nossa história, a habilitação própria para leccionar a disciplina de Matemática se ter alargado a um vasto conjunto de licenciaturas com uma componente de Matemática bastante reduzida ou manifestamente insuficiente para se ensinar Matemática.

Na minha perspectiva, o conhecimento profundo dos conteúdos a ensinar é decerto indispensável, mas entendo que apenas esse conhecimento é claramente insuficiente. O que pretendo afirmar é que não basta ter um bom conhecimento de Matemática para se ser um bom professor desta disciplina; é preciso muito mais. Hoje, o professor não é um mero transmissor do conhecimento matemático. E o aluno está longe

de ser um ouvinte passivo ao qual se pede que reproduza um conjunto de métodos, regras e técnicas, isto é, alguém que, basicamente, receba, recorde e aplique.

Oliveira (2004), no estudo que realiza sobre a construção da identidade profissional de jovens professores de Matemática, ilustra a consciência dos professores em início de carreira acerca das transformações que têm sofrido as instituições de ensino e a profissão do professor:

Manifestam um certo consenso quanto àquilo que se exige do professor, actualmente, e que se encontra expresso nos seguintes aspectos: um elevado nível de empenhamento na profissão; competência; formação inicial e educacional sólidas; inovação no ensino da Matemática; alargamento do seu papel para além do ensino da Matemática; trabalho colaborativo com outros professores; formação ao longo da carreira. (p. 71)

No Seminário “O Ensino da Matemática: Situações e Perspectivas” organizado pelo Conselho Nacional de Educação, Joana Brocardo (2003) defende a importância dos cursos de formação inicial incluírem, de um ponto de vista aprofundado e superior, os temas centrais do ensino básico e secundário e aponta para a importância de revitalizar a Didáctica da Matemática. Relativamente ao estágio pedagógico, esta autora defende a necessidade de proporcionar ao futuro professor uma experiência de formação que envolva, com um peso significativo, a gestão das mais variadas tarefas apropriadas à aprendizagem dos alunos, não se limitando à mera observação de aulas e à coadjuvação do orientador de estágio. Esta é uma perspectiva que também partilho e que no decurso deste trabalho irei desenvolver de uma forma mais profunda.

Ao longo da minha vida, com professora de Matemática, como co-orientadora de estágio pedagógico de Matemática, como mãe e como cidadã, tenho tido oportunidade de olhar para o papel do professor de Matemática de diferentes perspectivas. Qualquer que seja a minha forma de olhar, a importância do papel do professor de Matemática é sempre indiscutível. A relevância que atribuo à preparação, ao desempenho e ao perfil do professor de Matemática conduziu-me a uma área de investigação extensa e com uma multiplicidade de aspectos a explorar. Aquando da realização dos meus estudos de Mestrado, produzi o meu primeiro trabalho de investigação, sob o título Concepções e

práticas de professores de Matemática do ensino secundário sobre avaliação (Amado,

1998). Mais tarde, inserida num grupo de trabalho, tive oportunidade de realizar um estudo sobre a Implementação do Programa Ajustado de Matemática que contribuiu para aumentar o meu interesse pelas questões do ensino da Matemática. De novo, envolvida noutro trabalho de investigação no domínio da Educação Matemática, exprimo agora a minha intenção de compreender o professor de Matemática, no início da sua prática profissional e o modo como o recurso às tecnologias na aula de Matemática é parte da sua aprendizagem e da sua forma de se situar como professor de Matemática, no contexto escolar.

A motivação para este estudo partiu, como referi no capítulo anterior, da uma experiência de co-orientação de estágio pedagógico na qual estive envolvida. No decurso da minha vida pessoal e profissional tenho vivido outras experiências menos fulgurantes, mas que também me motivam a continuar a investir neste sentido.

Para além de procurar compreender melhor o trabalho e o desenvolvimento que pude partilhar nesta co-orientação de estágio, pretendo com este trabalho de investigação aprofundar o meu conhecimento numa área em que estou envolvida profissionalmente e, simultaneamente, dar um contributo no domínio da formação inicial do professor de

Matemática. Trata-se de uma busca de conhecimento, a um tempo iluminada pela minha intervenção activa e participante, enquanto pessoa, professora, orientadora e colega, e pelo tratamento metódico e fundamentado do que capturo da prática e do mundo vivido, como investigadora, ao lado de jovens que começam a ser professores de Matemática.

O problema de investigação que norteia o presente estudo apresenta-se com a seguinte formulação: conhecer, compreender e explicar a utilização de ferramentas

tecnológicas, nomeadamente o computador e a calculadora gráfica, que é feita pelos estagiários da Licenciatura em Matemática (Ramo Educacional), no âmbito da sua prática pedagógica, enquanto professores em formação e início de carreira.

Trata-se de uma problemática bem definida mas que exibe uma amplitude considerável, dada a natureza maleável dos seus objectivos. Importa, pois, refinar, especificar e centrar o problema de investigação em torno de questões subsidiárias que balizem o trabalho de investigação. Para procurar compreender o modo como os professores estagiários introduzem as tecnologias na aula de Matemática e em que medida esse é um traço constitutivo da sua aprendizagem no terreno da prática, irei organizar o estudo em torno de duas interrogações primordiais: o porquê e o como.

É neste sentido que coloco duas grandes questões, cada uma delas subdividida num conjunto de questões correlativas:

1. O que leva os professores estagiários à utilização das tecnologias na sala de aula de Matemática? (O porquê)

1.a) Qual a importância e o valor dos seus conhecimentos e da formação adquirida no domínio da utilização pedagógica das tecnologias?

1.b) Que implicações tem a sua forma de participação em diferentes comunidades de prática, durante o estágio pedagógico?

1.c) Que implicações têm os processos de mentoring desenvolvidos durante o estágio?

2. De que modo são utilizadas as tecnologias pelos professores estagiários na sala de aula de Matemática? (O como)

2.a) Com que finalidades e objectivos pedagógicos são utilizadas as várias ferramentas tecnológicas na aula de matemática?

2.b) Como é integrado o recurso às tecnologias no processo de ensino/aprendizagem?

2.c) Como se relaciona o modo de utilização das tecnologias com o modo de participação dos estagiários em comunidades de prática?

O objectivo fundamental deste estudo é, portanto, identificar, descrever e compreender como se caracteriza a utilização das tecnologias por futuros professores de Matemática, a realizarem o seu estágio pedagógico no ensino secundário, no ano lectivo de 2003/2004, época em que estas são consideradas indispensáveis no processo de ensino/aprendizagem. O uso obrigatório da calculadora gráfica, em particular, é uma determinação que aparece reforçada pelo facto de se considerar imprescindível a sua utilização no exame nacional de Matemática do 12º ano.

O contexto de formação no qual cada um dos estagiários se vai integrar, irá merecer, neste trabalho, uma particular atenção. Cada escola tem o seu projecto educativo, a sua dinâmica, um determinado tecido cultural. Mas existem outros aspectos que as diferenciam: os recursos materiais, os equipamentos e espaços físicos, o maior ou menor empenhamento e a dedicação dos professores da sua escola e do grupo disciplinar. Estes são alguns dos factores com os quais o estagiário se vai confrontar e que irão

influenciar a sua formação e o seu desenvolvimento como professor de Matemática, incluindo a sua perspectiva das vantagens e potencialidades das tecnologias e do seu uso na sala de aula com alunos do ensino secundário.

A veemência que pretendo dar aos contextos da prática dos estagiários prende- se com uma forma de olhar para os processos de aprendizagem como participação, numa perspectiva sócio-cultural. Oliveira (2004) retira como evidência da sua investigação que a formação inicial e os contextos em que se desenrola a prática do futuro professor têm um papel interactivo na construção da forma de ser professor. Tornar-se professor é um processo complexo, de natureza eminentemente social em que “as pessoas contam, os contextos contam, os acontecimentos contam e, como resultado, os professores mudam” (Bullough, 1997, p.92, citado por Oliveira, 2004).