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O MUNICÍPIO DE PIRACICABA, O MERCADO IMOBILIÁRIO E O CAPITAL SOCIAL LOCAL.

4.2. O problema do desenvolvimento urbano em “Piracicaba”.

O problema da “questão urbana” descrito abaixo, ainda que limitado neste trabalho pelo “recorte” ao município de Piracicaba, são característicos da maioria das cidades brasileiras. Conforme descreve Lago (2012, p. 8), “as cidades brasileiras estão imersas num contexto político e econômico marcado por novas e velhas contradições”.

27 São indicadas como culturas temporárias, além da cana-de-açúcar, as culturas de algodão, alho, arroz, batata, feijão, fumo, mandioca, melancia, melão, milho, soja, tomate e trigo. São indicadas como culturas permanentes no município: abacate, banana, borracha, café, laranja, limão, manga, maracujá, tangerina e uva.

A cidade de Piracicaba, assim como a maioria dos municípios brasileiros, passou por um processo de urbanização intensa ao longo principalmente da segunda metade do século XX.

Paralelo ao abrupto crescimento populacional, o que se observa também é um processo de crescimento exponencial da expansão da área urbana no município, mostrado no Gráfico, abaixo:

Gráfico 18. Evolução da população urbana e da área urbanizada em Piracicaba, de 1784 até 2000.

Fonte: Barreto, Sparovek e Giannotti, 2006.

Esse processo de expansão populacional e da área urbana não ocorreu de forma harmônica e trouxe uma série de implicações para o espaço urbano. Por quê?

Particularmente a partir dos anos de 1960, conforme pode ser observado na figura, o aumento populacional foi acompanhado do aumento do perímetro urbano. Essa expansão do perímetro urbano não implica necessariamente no aumento da oferta de terrenos e na redução dos seus preços, conforme poderia prever uma análise econômica neoclássica mais imediata.

Ao contrário, o aumento do perímetro urbano sem que este seja acompanhado de políticas de controle a especulação fundiária encarece o solo na medida em que os proprietários de terras criam expectativas de valorizações sobre os espaços. O resultado disso é a formação de vazios urbanos e a viabilização legal do espraiamento cada vez maior da cidade. Esses vazios urbanos muitas vezes permanecem sem uso, para o plantio de cana ou

pastagem, com o proprietário pagando o Imposto Territorial Rural – ITR. As valorizações vão se tornando realidade na medida em que a administração local passa a provisionar melhor infraestrutura urbana, como iluminação pública, sistema viário e transporte público, rede de água e esgoto, proximidade de equipamentos públicos de lazer, educação etc. Todo esse ganho de valorização é absorvido pelo proprietário da terra, com benfeitorias que foram realizadas pelo poder público. (LEONELLI, MOREIRA e DUARTE, 2008).

Consequentemente ocorre o encarecimento dos terrenos, induzindo as pessoas de baixa renda a ocuparem espaços cada vez mais distantes da malha urbana (periferização), com todas as implicações que isso pode gerar: deficiências de provisão de equipamentos públicos, as distâncias em relação aos locais de trabalho, encarecimento do transporte devido às distâncias, segregação espacial com a criação de “guetos” de pobreza, segregação social, implicações na formação do capital social etc. Conforme explica Lago (2012, p. 8) “A mercadoria casa pode, ou não, conter a cidade, o que vai depender da capacidade de endividamento da família para acessar um espaço inserido no urbano”.

Para Goulart, Terci e Otero (2014), o crescimento populacional em Piracicaba, que continua a ocorrer em menor escala, e o crescimento da área urbana, que ainda ocorre em escala considerável, já pode dar “pistas” sobre o comportamento do mercado imobiliário que, na ausência de maior controle e regulação sobre as terras, implicou no encarecimento do solo urbano e no surgimento de favelas e de ocupações irregulares. Esses autores mostram que o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS, 2001) apontava, para o ano de 2005, a existência de 16.581 residentes em favelas no município28.

Os autores afirmam ainda que, a despeito da redução do crescimento populacional ocorrida entre os anos de 1991 a 2010, não se verificou a redução dos processos de expansão urbana; ao contrário, verificam o aumento ainda mais acelerado no número de loteamentos e da área urbanizada, conforme exposto na Tabela 13.

28 Há de se levar em consideração que esse número foi ainda extraído dentro de um cenário de melhoras nas condições de vida da população, tendo sido reduzidos ao longo do período os percentuais de pessoas “pobres” e “extremamente pobres”, reduções estas ocorridas, sobretudo, pelos acréscimos de renda das camadas mais pobres da população, conforme observado na Tabela 11.

Tabela 13. Expansão Urbana em Piracicaba.

1991-2000 2001-2010

Área Urbanizada (ha) 300 897

Loteamentos 19 61

Lotes 5.311 14.964

Fonte: OTERO (2011), apud: GOULART, TERCI e OTERO (2014).

Com efeito, a Figura 7 auxilia no entendimento da delimitação territorial do município e a área do perímetro urbano.

Figura 7. Área Urbana (em azul), área rural (em branco) e perímetro do município de Piracicaba.

Fonte: IPPLAP (2013).

A Figura 8, por sua vez, mostra o espaço caracterizado pelo perímetro urbano e a mancha urbana existente no município (representada pelas áreas coloridas). Através da sua análise, é possível observar que, de fato, existem grandes porções com áreas de “vazios urbanos”, caracterizados pelos espaços em branco dentro do perímetro urbano.

Figura 8. Perímetro urbano e mancha urbana em Piracicaba (2014).

Fonte: IPPLAP, 2014.

Otero (2015), em entrevista ao autor, explica a problemática envolvida na questão da ampliação da área urbana e da criação dos vazios urbanos com bastante lucidez:

[...] quando se permite a ampliação do perímetro urbano [...] tudo o que está no meio do caminho ganha valor. Se você permite o espraiamento e a expansão da cidade, você cria um processo especulativo que valoriza os vazios que vão sobrando no meio da cidade, então, quando se consolida os loteamentos nas franjas da cidade, o que estiver no meio do caminho, se valoriza na medida em que a prefeitura passa a provisionar asfalto, esgoto, equipamentos públicos etc. Esse é um modelo de ocupação do território que loteia o Brasil seguindo essa lógica. Quem se apropria da valorização é o dono da terra, que ganha na medida em que a prefeitura vai oferecendo maiores benefícios públicos. Isso tem um custo que a sociedade tem que arcar: a distância do local de trabalho, dos centros de consumo, tendo impacto negativo na vida das pessoas que vão morar ali. A justificativa é que a terra é mais barata na periferia da cidade, o que permite fazer habitação popular a preços menores. Para resolver a questão, seria necessário enfrentar grandes interesses na cidade como um todo. Isso, porém, não é uma realidade somente em Piracicaba, mas uma realidade no Brasil inteiro, que vê na terra uma forma de reserva de valor [...].

Assim, por esta lógica, para produzir moradias com menores custos, promove-se o espraiamento da cidade para tornar possível a aquisição de terrenos em áreas mais baratas, o que viabiliza a construção de projetos de habitação popular, mas ocasionam a periferização das camadas mais pobres da população.

A Figura 9 é capaz de mostrar que, de fato, há uma segregação espacial das pessoas mais pobres para regiões mais periféricas da cidade, na medida em que o IDH piora conforme se avança para as áreas mais distantes da região central.

Figura 9. IDH29 entre os bairros do município de Piracicaba.

Fonte: POLIS (2003).

É perceptível, portanto, pelos dados apresentados e pelas figuras, que ainda que tenha havido incremento de renda em Piracicaba desde os anos de 1990 - algo que é também observável no Brasil como um todo - o quadro de desigualdade social no município é ainda característico e que, sobretudo, mais intenso nos locais mais distantes da área central da cidade.

Em outras palavras, as áreas mais centrais possuem elevados IDHs, ao passo que os bairros periféricos são caracterizados pelos baixos IDHs.

Esta conclusão já havia sido apontada por Leonelli, Moreira e Duarte (2008, p. 9) ao afirmarem que:

Em Piracicaba, verificou-se a tendência típica das cidades brasileiras: na periferia estão os maiores adensamentos populacionais e são os territórios destinados para a baixa renda. Nas áreas centrais mais consolidadas com as melhores condições de infraestrutura urbana e das oportunidades de emprego, comércio, serviços, lazer e cultura se

29 Por meio de metodologia própria, o Instituto Polis (2003) converteu os indicadores em classificações que mensuram de -1 (piores indicadores) até 1 (melhores indicadores), ampliando a estratificação da análise.

encontram a concentração de alta renda com tendência ao desadensamento populacional.

O Mapa da Inclusão/Exclusão Social, de iniciativa do Instituo Polis (2003), em consultoria externa para a elaboração de diagnóstico social local contratada pela própria Prefeitura do Município de Piracicaba, concluiu, através de metodologia própria e com base nos dados capturados por bairro, pelo IBGE, e de posse desse conjunto de indicadores que extrapolam o IDH:

[...] o padrão de apropriação das riquezas sociais da cidade é marcadamente concentrador, desigual e excludente...Essa realidade é fruto de todo um modelo de produção e utilização de terra urbana igualmente concentrador, desigual e excludente. Trata-se de um modelo de urbanização que resulta em pequenas porções de cidade que contam com as melhores oportunidades de desenvolvimento humano e grandes extensões compostas por bairros populares onde essas oportunidades são mais escassas e as condições de vida são piores. Em termos populacionais podemos dizer que 30,4% dos habitantes de Piracicaba vivem em bairros classificados como incluídos enquanto que 69,6% habitam aqueles classificados como excluídos. (POLIS, p. 95)

Assim, se é verdade que foram alcançadas melhorias nos indicadores sociais para a população piracicabana - e também brasileira - de uma maneira geral, é também verdade que alguns problemas sociais persistem no município, com ênfase na desigualdade.

Como proposta, o relatório já apontava a necessidade de ampla publicização dos resultados da pesquisa, discussão das problemáticas com amplos segmentos da população para buscar responder coletivamente às questões do desenvolvimento local.

A adesão à participação e os canais de participação passam, porém, pela percepção do capital social existente no município, que será discutido em item específico.