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C APÍTULO 2: E SBOÇO D E H ISTÓRIA S OCIAL D AS Á REAS N ATURAIS P ROTEGIDAS

2.2. O Experimento Brasileiro: o problema florestal e os parques nacionais como documentário e espécimes do país

2.2.2. O “problema florestal brasileiro” e as primeiras reservas florestais.

Essa ambivalência também vai caracterizar aquela que é tida como a primeira tentativa oficial de conservação, qual seja, o reflorestamento das Serras da Carioca e da Tijuca, “serranias costeiras” da Planície Costeira fluminense, efetivamente iniciado em 1862 por iniciativa do segundo império.

Há indicações de que “desde 1658 já se falava na defesa das florestas para proteção dos mananciais, havendo representações populares contra intrusos e moradores que degradavam as terras e tornavam impuras as águas” (IBDF 1981, 9) dos pequenos rios da insulada Serra da Carioca – principalmente o Carioca e o Maracanã - de que os habitantes da cidade dependiam, quase que exclusivamente, para o seu abastecimento. Até meados do século XIX, o suprimento de água potável era assegurado por um sistema de bicas e chafarizes públicos alimentado principalmente pelo rio Carioca. Drummond adverte, todavia, que as florestas nativas dos terrenos mais altos teriam permanecido “virtualmente intocadas [até mesmo pelos índios] até 1750”, a Serra da Carioca constituindo uma verdadeira “fronteira florestada imediata da cidade do Rio de Janeiro, ainda em meados do século XVIII” (Drummond 1997b, 214).

As florestas das encostas mais suaves da Serra (Gávea, Grajaú, Catumbi, Santa Tereza, Rio Comprido, Andaraí, Jacarepaguá, etc.) teriam sido as primeiras do Brasil a sofrer devastação em larga escala para dar lugar a grandes cafezais, ainda antes de 1800. Nos termos de Drummond, coube à Serra, “uma autêntica ‘ilha montanhosa’ florestada [...], o papel de área de experimentação para a grande cafeicultura montanhesa

fluminense do século XIX” (215). Além de ter sido tomada por lucrativas fazendas de café pertencentes à elite nativa, a área da Serra tornou-se uma atraente opção de moradia para os integrantes da extensa “família real”, que transmigrou para o Rio de Janeiro em 1808, provocando “um crescimento populacional instantâneo da ordem de 25%” (215).

na forma de crises no abastecimento de água potável. A condição sanitária da corte era particularmente grave, atacada periodicamente por surtos de cólera e febre amarela. Alguns especulavam que a perda da cobertura florestal primária adjacente, em especial do mangue que outrora margeava a baía de Guanabara, teria de algum modo provocado essa calamidade. Outros iam mais longe, teorizando que as árvores atraíam raios, o que purificava a atmosfera, donde, inexistindo árvores em que cair, produzia-se uma desordem atmosférica que inibia a precipitação normal58. A crescente precariedade

sanitária e ambiental da capital, somada às agudas crises de suprimento de água durante as secas, teriam persuadido o governo imperial a investir recursos em um programa de reflorestamento – pois a culpa das crises de abastecimento foi posta no desmatamento das cabeceiras, seja para o plantio de café, seja para o fornecimento de madeira de construção, lenha e carvão vegetal para os habitantes da cidade.

Em 1817 e 1818, Dom João VI, ainda vivendo na cidade, baixou dois Decretos Reais: um determinando o fim do corte de árvores junto a mananciais e às margens de riachos próximos à capital, e outro ordenando a avaliação de terras de particulares com o intuito de adquiri-las para a administração governamental, visando preservar os rios ameaçados (IBDF 1981, 9 e Drummond 1997b, 216). Em 1833, quando a cidade foi atingida por uma seca severa, criou-se uma Reserva de Florestas, por meio da Decisão Imperial no 429, o mesmo ocorrendo durante a Regência, por um Decreto em 1837 (IBDF 1981, 9), aparentemente sem efeito prático (Drummond 1997b, 220). Depois de uma nova grande seca, em 1844, o Ministro do Império, que administrava a cidade, Almeida Torres, retomou a idéia dos decretos de Dom João e propôs a desapropriação e a aquisição de terras particulares próximas aos mananciais e cursos d’água com o objetivo de reflorestá-las (Drummond 1997b, 217 e IBDF 1981, 9).

A partir de então, uma série de decisões de recuperação florestal foi deflagrada. Entre 1845 e 1848, o governo imperial iniciou um programa emergencial de replantio de árvores em terras particulares na Tijuca. Em 1856, alguns poucos sítios e propriedades foram desapropriados e adquiridos pelo governo no maciço da Tijuca e nas Paineiras59.

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Grassava naquele período a teoria da dissecação, segundo a qual o desmatamento era a causa da seca e da elevação das temperaturas, e, conseqüentemente, das crises de suprimento de água - posto que os desmatamentos nas cabeceiras levavam ao esgotamento dos cursos d’água - e do agravamento das condições gerais de saúde da população.

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As desapropriações só vieram em 1856, quase 40 anos depois dos Decretos Reais de Dom João. Segundo Drummond, foi necessária a interferência de um influente morador da “Tijuca Imperial” e amigo pessoal do Imperador, Luis Pedreira do Couto Ferraz, mais tarde Visconde do Bom Retiro, para apressar a recuperação florestal da área. Foi na sua gestão de Ministro do Império que se fez a avaliação de terras particulares a serem adquiridas. “Assim, o replantio da Floresta da Tijuca dependeu de um ‘jeitinho’, ou

Em 27 de setembro de 1860, pela Lei no 1.114, foram desapropriadas as nascentes de águas necessárias para o abastecimento da cidade. Até que, em 1861, são criadas as Florestas da Tijuca e das Paineiras e em 11 de dezembro, pela Decisão no 577, o recém- criado Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, para quem havia sido transferida a gestão do abastecimento de água, baixa “instruções provisórias” para a administração das terras adquiridas. Elas determinavam o “plantio regular de árvores” naquelas duas florestas, baseado num “sistema de mudas” de “espécies nativas” e estabeleciam a sua insignificante estrutura administrativa: um administrador, um feitor e uma turma de escravos para cada uma. Essas medidas foram complementadas em 1862 pelas Decisões de no 7 e no 18, de 22 de janeiro e 19 de fevereiro, respectivamente, proibindo os desmatamentos (Drummond 1997b, 221 e IBDF 1981, 9).

Note-se que a “Tijuca Imperial”, nome extra-oficial da área após 1822, permaneceu, ao longo desse período, um refúgio permanente de ricos e poderosos contra o calor e a insalubridade do Rio de Janeiro. O crédito principal pela execução das instruções de reposição da cobertura florestal coube a um proprietário local, Manuel Gomes Archer, que administrou a Floresta da Tijuca de dezembro de 1861 até 1874, quando se demitiu do posto. Não possuindo qualquer instrução formal em botânica ou manejo florestal, ele supervisionou uma força de trabalho composta de um capataz e uma média de dez escravos, que plantaram e cuidaram de cerca de 72 mil mudas - das quais 62 mil árvores teriam sobrevivido -, e alguns guardas florestais, que impediram a caça, o corte e/ou remoção das árvores (Drummond 1997b, 221 e ss.).

Há interpretações contemporâneas divergentes sobre o trabalho de Archer, bem como daqueles que o sucederam na administração da floresta – entre os quais se destaca Gastão d’Escragnolle. Drummond afirma que ele “mostrou ser o homem talhado para a tarefa de recuperar as florestas” e define a Floresta da Tijuca como “a primeira e ainda a maior experiência de reflorestamento tropical e de múltiplas espécies nativas realizadas em qualquer parte do mundo” (1997b, 222). Antes ele já a havia definido como

resultado de uma “bem sucedida série de políticas governamentais de preservação e recuperação do meio ambiente” e de “medidas políticas e administrativas deliberadas e de longo prazo” (1988, 276). Ainda segundo ele, vários aspectos fizeram do trabalho de Archer “uma experiência pioneira e ainda única na ciência e na tecnologia do manejo de florestas tropicais” (1997 b, 223): o ritmo de plantação, o índice de sobrevivência e o seja, da influência de relações privadas na esfera pública” (Drummond 1997b, 220). Veremos que o mesmo ocorreu em outros momentos na deflagração de esforços conservacionistas no Brasil.

emprego preferencial de espécies nativas (223 e ss.), além de uma hipotética distribuição das espécies plantadas de acordo com o seu suposto “conhecimento da distribuição natural das espécies nos diversos estágios de sucessão e de maturidade da floresta tropical nativa” (222)60.

Segundo Drummond, “transformar a floresta num local de lazer e recreação” teria sido idéia de Escragnolle, descendente de família francesa tradicionalmente residente na Tijuca, o qual assumiu o posto de administrador da Floresta da Tijuca de 1877 a 1887. Nesse “seu projeto aparentemente pessoal de abrir estradas, parques, belvederes, chafarizes, trilhas, pontes e lagos artificiais na Floresta da Tijuca”, ele teria sido auxiliado pelo naturalista e paisagista francês, Auguste F. M. Glaziou – um dos muitos estrangeiros a explorar a Serra de Itatiaia e que trabalhou também na

remodelação do Passeio Público, no paisagismo do Campo de Santana e do Palácio Imperial de São Cristóvão, “até hoje duas das mais densamente arborizadas áreas baixas da cidade” (227; cf. tb. Segawa 1996, 170 e ss.).

O historiador americano Warren Dean, contudo, parece identificar uma

continuidade entre as gestões de Archer e Escragnolle. Segundo ele, o caráter geral do empreendimento teria sido determinado fortemente pelo desejo da elite citadina por um refúgio florestado nas serras, longe da febre amarela e da insalubridade urbana. Ou seja - aqui outra vez -, o trabalho de ambos ter-se-ia dirigido não tanto para restaurar a floresta primitiva, mas igualmente para incrementar uma paisagem planejada na forma de um parque. Donde o aspecto que tomou a Floresta da Tijuca, de “parque suburbano, nas franjas da capital Imperial, destinado ao lazer da população urbana em geral” – conceito este que, entende Drummond, foi o “antecedente mais importante para o estabelecimento do Parque Nacional da Tijuca” em 1961 (Drummond 1997b, 228). Sobre o reflorestamento das Serras da Carioca e da Tijuca, Dean comenta:

This modest but highly visible experiment in reforestation was not only an indication of the awakening consciousness of the urban elites to the precariousness of their artificial environment and the need to manage it in behalf of social tranquility and indeed of their own comfort, safety and health. It was also a small sign of the state’s reviving will to manage the natural environment. This was nevertheless an awkward beginning. It had been carried out by amateurs whose methods were altogether empirical and who were subordinate to an undifferentiated and mostly unconcerned bureaucracy [Dean 1996, 225; ênfase minha].

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Archer usava mudas – não sementes, nem árvores já crescidas - originárias da vizinha Floresta das Paineiras, da sua fazenda em Guaratiba, onde tinha um criadouro, e do Jardim Botânico, de onde extraiu as de espécies exóticas – considerando a função aclimatadora do Jardim e que as “instruções provisórias” previam o uso de mudas daquele recinto botânico (Drummond 1997b, 223).

É assim que chegamos ao fim do século XIX com uma coleção dispersa e desarticulada de hortos e jardins botânicos mistos de passeios públicos, entregues às administrações provinciais e estaduais, duas florestas e outras tantas terras públicas na capital consideradas reservas florestais, sujeitas a inúmeras mudanças de jurisdição ao longo de meio século61, e uma iniciativa de reflorestamento indicativa da crescente

preocupação das elites com o desmatamento e a conservação das matas. Considerando o padrão energético em que o país se assentava, a urbanização crescente e a expansão das comunicações, em especial, a ampliação da rede de telégrafos e da malha ferroviária que acompanhou o avanço da monocultura cafeeira, a questão dos estoques madeireiros assumiu grande importância. O desmatamento e a conservação das matas foram

gradativamente se configurando num problema, em meio aos debates nas associações e sociedades científicas e culturais características do “associativismo cultural voluntário”, que marcou a organização do trabalho intelectual no Brasil monárquico.

Teria contribuído para isso, segundo Dean, a maior solidez alcançada pelo “establishment científico” após a Guerra do Paraguai. Entre as realizações mais significativas dessa “fase inicial de reforma nas ciências naturais” no Brasil, Dean destaca a gestão de Ladislau de Souza Mello Netto, um botânico de formação francesa, à frente do Museu Nacional, e a atuação de Alberto Loefgren, botânico suíço que chegou ao Brasil em uma expedição de coleta e foi contratado para dirigir as Seções de Meteorologia e Botânica da Comissão Geológica e Geográfica do Estado de São Paulo. Segundo Dean, as iniciativas de Netto teriam incluído quase todas as idéias que hoje inspiram a pesquisa botânica econômica nos trópicos. Sua preocupação era

proteger da extinção as espécies da flora medicinal nativa, cuja eficácia ele se propunha a testar, de modo a expandir o seu uso. Na versão publicada de uma comunicação sua à Sociedade Botânica Francesa em 1865, fez questão de incluir a interpelação do

renomado Charles Victor Naudin – de que se criassem reservas florestais em cada província do Império para preservar as espécies florestais úteis (Dean 1996, 229-30).

Loefgren também foi um ativo defensor das florestas. A Comissão Geológica e Geográfica do Estado de São Paulo, cujas seções de Botânica e Meteorologia ele foi

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De 1874 até data indefinida, a Floresta da Tijuca e outras terras públicas vizinhas foram consideradas reservas florestais manejadas pelo Ministério da Agricultura. De outra data também não especificada até 1941, elas ficaram subordinadas ao Ministério da Educação e Saúde. Em 1941, Decreto-lei devolveu a responsabilidade sobre a Floresta ao Ministério da Agricultura, desta feita ao Serviço Florestal Federal – a mesma repartição que administrava, então, os três parques nacionais existentes no Brasil. Daí para frente sucederam várias mudanças de jurisdição (Drummond 1997b, 229 e ss.).

contratado para dirigir, havia sido criada ao tempo do Império, quando São Paulo ainda era uma província, para explorar as terras públicas disponíveis que ainda restavam e apoiar a instalação de ferrovias. Em resposta às críticas de setores intelectualizados da classe média urbana, preocupados com a devastação produzida pela expansão das ferrovias, o governo do estado buscou criar e renovar as instituições estaduais

contratando técnicos e cientistas formados nas melhores escolas estrangeiras. Assim, em 1896, a Seção Botânica da Comissão foi alojada na florestada serra da Cantareira, ao norte da capital. A serra se constituiu, assim, na primeira reserva florestal estadual, cujo objetivo principal, como a da Tijuca, era proteger as cabeceiras dos mananciais que abasteciam o reservatório da cidade. Os estudos de Loefgren levaram-no a concluir que o desmatamento era o responsável pela mudança climática e que o reflorestamento era o remédio necessário e inevitável. Segundo Dean, pela força de argumentos e das

conexões de Loefgren com a elite terrateniente, a Seção de Botânica que dirigia foi redesenhada como Serviço Florestal e Botânico do estado e elevado ao mesmo status da Comissão. As atribuições do Serviço consistiam em conservar, explorar melhor e

promover o reflorestamento das florestas. Loefgren fez campanha não só pela criação de um serviço e de um código florestal nacionais, bem como de reservas florestais e

parques nacionais. Inspirado nas notícias sobre o Dia da Árvore nos E.U.A., celebrado pela primeira vez em 1882, ele liderou a primeira celebração do Dia da Árvore no Brasil, em Araras, em 1902, na presença do governador e vice-governador do estado. Seus esforços, contudo, não foram suficientes para persuadir o governo e a legislatura a tomarem qualquer medida concreta para proteger as florestas primárias remanescentes no estado (Dean 1996, 232 e ss.).

O Museu Paulista, outra importante instituição criada neste período, mais

precisamente em 1895, teve a sua direção entregue a Hermann von Ihering, que fundou, em 1910, a Estação Biológica do Alto da Serra, “o primeiro passo de propaganda prática, no interesse do estudo e da conservação das matas”. O estabelecimento “foi [...] oferecido [por Ihering] como presente ao governo do Estado, para ser anexado ao Museu”, mas as despesas de custeio correram todas por sua conta ainda durante algum tempo (Ihering 1911, 488-89). Nesta mesma conferência na Universidade Popular de Piracicaba, ele discorre sobre os três problemas que, para ele, compunham a questão da conservação das matas: (i) o fornecimento de lenha e/ou combustível; (ii) a extração de madeira de lei e outros produtos; e (iii) a defesa dos mananciais dos rios e ribeiras, no interesse do clima e do abastecimento de água (Ihering 1911, 494 e ss.). Ihering não via

a hora de se iniciar a floresticultura oficial no Brasil, por meio da criação de diversos institutos de silvicultura (495), e apresenta ao final da conferência um “programa para a organização do serviço florestal no Brasil” (498 e ss.), em que recomenda “manter-se em cada Estado reservas florestais nas quais será proibida a caça e a retirada de madeira e plantas” – matas estas que, “uma vez criadas, serão mantidas para sempre como verdadeiros santuários da flora nacional” (499 e ss.; ênfase minha).

Dean assinala uma contradição estrutural na situação desses cientistas. Servidores públicos empregados dessas novas instituições, cujo mandato mesmo de eficiência os levou a brandir a bandeira da conservação. Membros de uma emergente classe média e de origem imigrante, eles experimentavam uma relação conflituosa com o governo que os empregava, dominado pelos grandes proprietários de terra – cujas inclinações especulativas, técnicas de manejo dilapidadoras e zelosa atenção aos direitos de propriedade, criavam obstáculos à implementação de políticas conservacionistas. De todo modo, o chamamento desses autores nos jornais locais pela conservação das florestas foi abraçado por setores da classe média urbana, irritados sobretudo com os elevados preços de varejo da madeira para construção e combustível, em meio a uma economia cafeeira que estava sofrendo, depois de 1900, grande depressão (Dean 1996, 232 e 235). Isso teria estimulado a iniciativa privada.

Entre as “pessoas e corporações científicas que se empenha[ra]m na propaganda em favor das matas”, Ihering e A. J. Sampaio - botânico do Museu Nacional - concedem destaque espacial à Companhia Paulista de Vias Férreas – “a quem toca entre nós a glória da iniciativa prática”, segundo Ihering (1911, 488). Em 1904, não se sabe se para aplacar as críticas dirigidas à imprevidência ambiental da Companhia ou para arranjar um emprego conveniente para o sobrinho, o presidente da Cia. - Antônio Prado, ex- Ministro da Agricultura do Império, que colaborou na criação do Instituto Agronômico de Campinas em 1887 - contratou Edmundo Navarro de Andrade para estabelecer um reserva florestal. Tido por A. J. Sampaio como “precursor da silvicultura racional no Brasil”, Navarro de Andrade estabeleceu várias estações experimentais onde testou cerca de cem espécies nativas e exóticas sob diferentes condições, para determinar as que produziam lenha combustível e dormentes de qualidade o mais rapidamente. Iniciado em 1904 com cerca de 16 mil árvores, o Serviço Florestal da Cia. contava em 1923 com cerca de 10 milhões de árvores e oito hortos florestais - Jundiaí, Boa Vista, Rebouças, Tatu, Cordeiro, Rio Claro, Camacã e Loreto - com grandes plantações de distintas variedades de eucaliptos com o fim especial de obter lenha combustível e

dormentes (cf. Dean 1996, 236 e ss. e Sampaio 1926, 96 e ss.). Desnecessário dizer (cf. Dean 1996 e Sampaio 1926) que essas iniciativas sempre ficaram muito aquém de suprir a demanda de madeira para dormentes, lenha combustível, postes e madeira de lei para a construção, razão pela qual os estoques naturais sempre permaneceram sendo sistematicamente explorados para esse fim.

Ihering cita também a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e a Sociedade Paulista de Agricultura (SPA), o que nos dá a oportunidade de dissertar um pouco mais sobre o contexto histórico e o significado mais amplo das propostas de conservação das matas, e, conseqüentemente, sobre a definição do problema florestal brasileiro ou alternativamente sobre o problema da árvore, o problema da conservação das matas, etc.

Em livro sobre o “ruralismo brasileiro”, Mendonça define a SNA como uma “sociedade de classe vinculada a segmentos não hegemônicos da classe proprietária agrária do período, com ampla representatividade nacional”, a qual desempenhou os papéis de instância organizativa dos proprietários rurais de menor peso, de agência de propaganda e formação de opinião no seio da classe dominante, de órgão de consulta e prestação de serviços aos associados e de instrumento de pressão política junto aos poderes constituídos (Mendonça 1997, 15 e 50). Entendendo o ruralismo como um “movimento político de organização e institucionalização de interesses de determinadas frações da classe dominante agrária no Brasil” e estendendo também o termo “aos conteúdos discursivos produzidos e veiculados pelos agentes e agências que dele participaram” (Mendonça 1997, 10; ênfase no original), Mendonça vai procurar mapear as bases sociais e a representatividade da SNA, suas demandas e formas de atuação, o diagnóstico que efetua do mundo rural e os seus projetos de superação da crise, ou melhor, do atraso – considerando ser o “ruralismo” uma reação de parte dos setores da classe proprietária que ratificava a vocação agrícola do país num contexto de bruscas mudanças.

Além da importância do associativismo como forma de organização e

representação de interesses - sobre o que já falamos ao dissertar sobre o ambientalismo político - e dos congressos como fóruns de formação de consenso, importa notar duas das cinco bandeiras capazes de promover a regeneração da agricultura nacional

identificadas por Mendonça: a criação de uma agência do aparelho de Estado permeável às demandas daqueles grupos e a modernização da agricultura pela difusão do ensino técnico e da mecanização (50). Chama atenção, em especial o diagnóstico do atraso que

partilham com os precursores do ambientalismo político, a defesa de intervenções