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Paralelamente à movimentação que ocorria no IBDF, a Secretaria Especial de Meio Ambiente do Ministério do Interior elaborou e propôs a implementação do Programa de Estações Ecológicas, “visando conservar amostras representativas dos

principais ecossistemas do Brasil e a propiciar condições à realização de estudos

comparativos entre esses ambientes e as áreas vizinhas ocupadas pelo homem” (SEMA 1984, 8; ênfase minha. Cf. tb. Nogueira Neto e Carvalho 1979).

A SEMA foi criada pelo Decreto nº 73.030, de 30 de outubro de 1973, na onda de criação de agências ambientais que varreu o mundo após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, no ano anterior. Guimarães observa que as posições brasileiras na conferência de Estocolmo (cf. 3.1) tiveram grande influência na criação da SEMA. O próprio documento elaborado pelo Itamaraty contendo a posição oficial da delegação brasileira a ser defendida em Estocolmo, já previa o estabelecimento de um órgão com atribuições normativas e de coordenação na área do meio ambiente (Guimarães 1988, 262). O texto da Exposição de Motivos nº 01 119/73 que acompanha o decreto de criação da SEMA apresentava a seguinte justificativa formal.

Não se trata, evidentemente, de característica exclusivamente brasileira, pois que a tendência em todo o mundo é a consideração global do fenômeno, tendo em vista a crescente demanda das populações sobre os recursos da natureza. Foi essa a tônica da Conferência da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em junho de 1972, que ressaltou a vinculação entre o estágio de desenvolvimento e seus efeitos sobre o meio ambiente.

Segundo Guimarães, não só a circunstância histórica vivida pelo país no período imediatamente posterior à Conferência, mas o fato da SEMA ter sido criada, também, como resposta a uma situação de contaminação ambiental industrial de repercussão nacional, influenciaram decisivamente a criação, o desenho institucional e o próprio funcionamento da SEMA, tendo efeitos duradouros sobre o sentido de propósito de seus membros. Assim sendo, o combate à poluição prevaleceu sobre o manejo de recursos naturais na definição original das atribuições do novo órgão.

Originalmente alojada no Ministério do Interior, cuja “cultura institucional” valorizava as obras públicas como o resultado básico de suas ações, foi difícil para a SEMA assumir e convencer outros a assumirem uma postura de harmonização do meio ambiente com o desenvolvimento. Para Guimarães, a razão pela qual as estações ecológicas foram celebradas, tendo absorvido uma proporção significativa dos magros recursos da SEMA, tem muito mais a ver com essa lógica da política burocrática e a “cultura” do MINTER do que com qualquer outra coisa (Guimarães 1991b, 141-207).

Assim, a circunstância institucional da SEMA teve repercussões ambivalentes para o destino da agência e de seus programas. Por um lado, havia o desinteresse pela questão ambiental da parte dos setores voltados para o desenvolvimento, parte

expressivas dos quais estava alojada no próprio MINTER. Este desinteresse se traduzia na falta de recursos humanos e materiais. “A SEMA nunca teve mais de 350 pessoas – afirmou um ex-titular da pasta em entrevista - porque dentro do governo havia pessoas na área de desenvolvimento que não queriam um SEMA grande. Queriam uma SEMA pequena, com essa idéia de que o meio ambiente poderia atrapalhar o desenvolvimento. Eu sempre lutei muito com isso. Não davam recursos para a gente. Os recursos eram muito pequenos”. Enfatizando essa dimensão, Guimarães assinala que “a SEMA foi criada, antes de tudo, para não fazer nada. [...] A intenção do governo ao criar o órgão não era formular uma política de meio ambiente, mas simplesmente esvaziar qualquer bandeira oposicionista que pudesse surgir nessa área, ainda mais por inspiração internacional a partir de Estocolmo” (Guimarães 1988, 263). Bursztyn, ao analisar o papel da SEMA na política ambiental brasileira, também salienta o “papel tímido” da SEMA, “quase que limitado à criação de estações ecológicas e de um arcabouço legal que foi pouco implementado por força de sua fragilidade política” – malgrado a

segurança e continuidade institucional que logrou por longo período de tempo (Bursztyn 1993, 89).

Por sua vez, o MINTER, para usar os termos do ex-titular da pasta, “era um pequeno governo; era um governo dentro de um governo”. A malha projetada pelo MINTER, uma holding de agências promotoras do desenvolvimento, foi especialmente importante no conjunto de intervenções estatais na Amazônia, desde o PIN - quando atuou numa escala macrorregional - até o POLAMAZÔNIA - quando passou a atuar numa escala sub-regional. Para além das correlações pertinentes, destacadas por

estranho no projeto geopolítico – e foi por aí que se conseguiu angariar recursos para as EsEcs.

PNN: [...] O Ministério do Interior [...] tinha umas doze ou treze entidades, cada uma delas com uma certa importância. Por exemplo, tinha o Banco Nacional da Habitação, tinha o Banco da América, tinha os órgãos de desenvolvimento: a SUDAM, a SUDENE, a SUDECO, a SUDESUL. Eram órgãos de desenvolvimento [...]. Os órgãos que faziam na prática o desenvolvimento estavam dentro do Ministério do Interior. Tinha a FUNAI, tinha a lá do Vale do São Francisco, tinha uma série de órgãos. E como era muito grande, o Ministro não tinha tempo de estar cuidando de tudo. Então ele delegava, te dava muita liberdade. Eu, dentro do Ministério do Interior, sempre tive uma enorme liberdade de atuação. Mas ele não dava muito recurso. Mas eu conseguia os

recursos junto aos órgãos de desenvolvimento. Então, quando eu quis fazer as

Estações Ecológicas, esses órgãos de desenvolvimento me davam recurso. Pagavam o custo. [...] Então, não só os órgãos de desenvolvimento me davam

dinheiro - que eu dizia que nós precisávamos conhecer nossos recursos naturais e, portanto, isso justificaria a criação de estações ecológicas. Por outro lado, os órgãos de pesquisa também apoiavam muito. A FINEP me deu recursos para

desapropriar várias Estações Ecológicas. O CNPq ajudava muito. Chegamos a ter 120 bolsas. O CNPq fazia pesquisa nas estações ecológicas, coisa que depois parou. Parou quase que completamente. [...]

[Paulo Nogueira Neto, Brasília, DF, 16.04.1998]

Outrossim, não demorou até que se percebessem as virtualidades geopolíticas das estações ecológicas.

PNN: [...] Mas a SUDAM deu recursos para fazer duas estações ecológicas. Uma foi Maracá-Jipioca - uma das primeiras. E deu recursos também para instalar a Estação do Jari. Inclusive a Estação do Jari tem uma história bastante interessante. Um dia eu fui chamado lá no palácio do Planalto e disseram: “Nós precisamos barrar o avanço do Ludwig”. Era um almirante - daqui a pouco eu me lembro o nome. Não era o Macedo Soares. Porque o Ludwig, eles achavam que perto, mais para cima, tinha um polo mineral tipo Carajás. Não tão grande quanto Carajás, mas tinha a possibilidade de se tornar uma área grande de mineração. E eles não queriam que o Ludwig entrasse lá. Então, eles disseram: “Nós precisamos fazer uma estação ecológica ao norte, para barrar o Ludwig. O Ludwig fica entre a estação ecológica e o rio Amazonas”. Porque dentro do governo havia também essa mentalidade muito nacionalista - e muito compreensível - de evitar que o Ludwig acabasse entrando lá. Bom, então me deram toda facilidade para fazer a Estação Ecológica do Jari - 200.000 ha. - e me deram dinheiro prá fazer, as facilidades para fazer. Então, essas coisas eu ia aproveitando para fazer as estações ecológicas.

[Paulo Nogueira Neto, Brasília, DF, 16.04.1998]

Dr. Paulo Nogueira Neto, professor titular do Instituto de Biociências da USP e fundador da Associação de Defesa do Meio Ambiente (ADEMA) – ONG ambientalista sediada em São Paulo -, ao chegar de Estocolmo foi convidado para assumir a SEMA, tendo tomado posse em janeiro de 1974 e permanecido até junho de 1986. Logo que assumiu, deu início ao Programa das EsEcs, tentando chegar a um acordo com o IBDF com relação a uma de suas competências concorrentes: a proteção de ecossistemas.

Com o programa inicial elaborado em suas grandes linhas, [...] procuramos o IBDF, para receber do mesmo os Parques Nacionais. Não foi possível, porém, chegar a um acordo. Aliás, não insistimos, pois havia uma outra linha de ação, mais promissora, mais atraente e sobretudo mais moderna e necessária. Essa linha consistia em combinar a investigação científica com a proteção ecológica, numa unidade de conservação, as estações ecológicas. Por mais que alguns pensem ainda hoje de modo diferente, na realidade os Parques Nacionais, também unidades de conservação muito importantes e necessárias, destinam-se primariamente ao eco-turismo e não à pesquisa científica. Esta é secundária nos Parques. Embora o grande público não tome conhecimento disso, as estações ecológicas e os parques complementam-se reciprocamente nos seus objetivos [Nogueira Neto 1991, 8].

A elaboração do Programa das Estações Ecológicas vincula-se à leitura que o seu primeiro e mais longevo presidente fez das atribuições da SEMA, às relações entre esta e o IBDF no que concerne às suas atribuições concorrentes e às redes e vínculos políticos e profissionais já existentes entre os técnicos situados em ambos os órgãos. O próprio termo “estação ecológica” surge daí. Isso fica evidente nos depoimentos e relatos dos principais protagonistas dessa história.

HB: [...] Como é que o IBDF e, em particular, o Departamento de Parques Nacionais reagiu quando da proposição do programa de estações ecológicas da SEMA?

AM: Ele não reagiu, ele coagiu. [Risos] Porque o que aconteceu foi o seguinte. Nós estivemos juntos várias vezes. O Paulo Nogueira Neto, a primeira vez que tive contato com ele, eu era diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza e ele estava querendo criar o eland, que é um antílope africano enorme, na fazenda dele em Campinas. [...]. E nasceu uma amizade muito grande entre eu e o Paulo Nogueira Neto. Em várias outras ocasiões, depois, nós nos encontramos. Inclusive na Suécia, quando houve, em 72, a Conferência Mundial sobre a Natureza, o Homem e a Biosfera. Já naquela ocasião a gente vinha discutindo essa situação dos parques nacionais e das reservas. Eu sempre dizia ao Paulo: [...] “O jeito é tirar os parques nacionais do IBDF. Tirar fora!” “Então vamos fazer isso.” E começamos a trabalhar pra isso. [...] Quando voltamos para o Brasil - a comissão toda que foi e os apêndices todos -, aqui então foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente e convidaram Paulo Nogueira Neto para ser o secretário. O Paulo, a primeira coisa que fez foi me bater o telefone e dizer, “Puxa, me deram um abacaxi. Imagina, a Secretaria do Meio Ambiente?! Mas o que a gente pode fazer?” “A primeira coisa que você tem que fazer é o seguinte: pede que todos os parques nacionais e reservas biológicas passem para a SEMA, saiam do IBDF”. E eu era diretor dentro do IBDF! Ele disse, “Pôxa, eu vou fazer isso.” Na semana seguinte, telefona novamente e me diz, “Olha Alceo, não vai ser possível não. O Ministro da Agricultura não abriu mão, ficou uma onça e eu tive agora de corpo presente com o Presidente” [...] Resultado: parque nacional é do Ministério da Agricultura e a Secretaria Especial do Meio Ambiente que se arranje com o negócio de poluição. Aí nós combinamos uma estratégia: vamos criar então unidades pela SEMA. Porque ele disse, “Eu posso criar porque eu vou ter dinheiro pra criar essas áreas”. Eu disse, “Bom, mas se você criar qualquer coisa parecida com parque, com o nome de parque, ou reserva, ou nacional, ou biológica, vai cair para o Ministério da Agricultura, porque isso é da lei, não adianta Paulo.” Então ele perguntou, “O que você sugere?” Eu, “Você cria uma coisa chamada estação ecológica. Estação não tem na legislação brasileira nada, a