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O Processo Cautelar

No documento Contencioso Tributrio (páginas 84-87)

Serena Cabrita Neto

2. O Processo Cautelar

No ordenamento jurídico português, as medidas de acção cautelar em matéria tributária estão espalhadas por três diplomas fundamentais, a saber, a Lei Geral Tributária (LGT), o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), este último aplicável subsidiariamente ao processo tributário.

Nestes diplomas encontramos medidas cautelares previstas a favor da Administração Tributária, a que esta pode lançar mão com ou sem prévia autorização judicial, consoante os casos.

Assim, como medidas cautelares a adoptar sem prévia autorização (ou decretamento) por parte dos tribunais, encontramos prevista no art. 51.º LGT a providência cautelar

extrajudicial (administrativa) – com ou sem apreensão de bens –, impugnável posteriormente

pelo visado, nos termos artigos 143.º ou 144.º CPPT, consoante haja ou não apreensão de bens.

3 Cfr. artigos 169.º, 195.º e 199.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

4 Não ignorava o legislador a aplicabilidade subsidiária do direito processual administrativo e, portanto, do

referido Código ao processo tributário, por remissão expressa do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

As providências cautelares a favor do contribuinte

Este tipo de providência é normalmente utilizada em casos de apreensão de bens em inspecções, tributárias ou multidisciplinares, nomeadamente em casos relacionados com matérias alfandegárias e ou de circulação de bens, na medida em que se impõe uma actuação rápida das autoridades, incompatível com o pedido de autorização judicial prévia.

A Administração Tributária pode, ainda, lançar mão da providência cautelar judicial, de

arresto ou arrolamento de bens, desde que alegue o fundado receio de dissipação de bens, a

intentar nos termos dos artigos 135.º a 142.º e 214.º CPPT e igualmente impugnáveis pelos visados, desta feita nos termos dos artigos 143.º ou 144.º do CPPT, consoante haja ou não apreensão de bens.

Os tribunais têm vindo a admitir a utilização deste tipo de medidas cautelares nos casos em que haja fundado receio de dissipação de bens para a satisfação do crédito tributário, ainda que se trate de bens do responsável subsidiário (a operar por via da reversão fiscal).

A tutela conferida ao contribuinte, ou mesmo a qualquer interessado que seja afectado pela actuação tributária é por seu turno assegurada, desde 2004, com a Reforma do Direito Administrativo, através da providência cautelar inominada, a decretar judicialmente, a que o administrado pode lançar mão nos termos dos artigos 147.º, n.º 6 do CPPT e 112.º e seguintes CPTA.

Quanto a esta providência cautelar há que sublinhar a sua enorme importância no seio do sistema judicial, na medida em que se assume como o único meio antecipatório ou

conservatório com carácter urgente previsto, a favor do contribuinte, na legislação aplicável

tributária.

Nessa medida, a concretização deste meio – como extensão daquilo que é genericamente enunciado no art. 147.º, n.º 6 do CPPT – admite, para além da “reparação de prejuízos” alcançável com os meios tutelares normais, a possibilidade de evitação de prejuízos futuros provocados pela previsão de uma actuação ilegal, activa ou omissiva, da Administração Tributária.

Para obter esta tutela especial, exige-se ao requerente que invoque e faça prova da existência de “fundado receio de uma lesão irreparável” e que a mesma resulte da provável “actuação da administração”.

Como em todas as acções cautelares, o decretamento da medida deverá bastar-se com juízos indiciários quanto à existência de fundado receio de uma lesão irreparável do próprio requerente, aliás como esclarecem a melhor doutrina e a jurisprudência5.

5 Cons. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Volume 1, Áreas Editora, página1082 e ss.; Jurisp. do STA – Ac.

As providências cautelares a favor do contribuinte

JORGE LOPES DE SOUSA6 admite a utilização da tutela directa, sem necessidade de

alegação e prova do “prejuízo irreparável”, através do regime instituído no CPTA, sempre que a mesma resulte da procura da obtenção da tutela plena e em tempo útil, nos termos do artigo 96.º, n.º 2 CPPT - normativo que determina que no máximo em dois anos o processo judicial tributário deva estar concluído –, aplicável se enquadrável nos casos do art. 120.º CPTA. No âmbito desta tutela antecipatória, podemos assumir os exemplos dos casos de pagamento de tributos, com vista a obter a sua restituição provisória ou, se ultrapassado o prazo legal de decisão, o decretamento da medida com vista a obter a suspensão da execução sem obrigação de prestação de garantia ou do levantamento da mesma.

E no âmbito do disposto no art. 147.º, n.º 6 do CPPT, o que devemos entender por “lesão irreparável”?

Parece claro que a mesma se refere a actos ou a omissões de actos por parte da Administração Tributária, mas resta saber se existem restrições objectivas.

E devemos incluir nesta tutela a aplicação de leis tributárias, as futuras (iminentes) liquidações de tributos, os actos em matéria tributária?

Neste caso, qual o papel a assumir pela acção de Intimação para um Comportamento? E os actos praticados na execução fiscal, são abrangidos pela tutela cautelar?

Neste caso, qual o papel reservado à Reclamação Judicial7?

Ou, num âmbito mais genérico, como enquadrar a admissibilidade das providências cautelares, no nosso regime, à luz do princípio solve et repete?

JORGE LOPES DE SOUSA exemplifica: sempre que ocorra a possibilidade de paralisação da actividade comercial de uma empresa, com perda de clientela, haja dispêndio de quantia que comprometa a estrutura económico-financeira da empresa e a sua subsistência, ocorra a possibilidade de sofrer danos por quem não tem outros meios de subsistência, possa diminuir a qualidade de vida do requerente da providência ou a satisfação das suas necessidades primárias, ou quando exista lesão “acto consumado” (impossibilidade de reconstituição da situação se não for decretada), estaremos perante casos em que a tutela cautelar pode ser despoletada pelo visado. E estes exemplos, como se vê, são transversais a toda a actividade tributária com efeitos na vida do administrado, fora e dentro do procedimento de liquidação

6 Idem.

7 Prevista no art. 276.º do CPPT, conferindo uma tutela abrangente em sede de execução fiscal, de acordo

As providências cautelares a favor do contribuinte

de tributos e da execução fiscal, abrangendo essencialmente actos em matéria tributária potencialmente lesivos de interesses fortes do mesmo.

Podemos chamar à colação outros exemplos livres em que a tutela cautelar nos parece fazer sentido, nomeadamente nos casos em que haja Impossibilidade de atempado registo de situação tributária regularizada (quando efectivamente esteja) e a urgência na obtenção da certidão de inexistência de dívidas e suas consequências (com vista à participação em concursos, por exemplo), casos em que haja manifesta dificuldade (custos e demora) na anulação de actos de compensação ou penhoras ilegais, com as inerentes consequências ao nível da certificação da situação tributária regularizada.

Note-se que em todos os exemplos acima indicados, referimo-nos a situações em que o dano – pela actuação ou omissão da Administração Tributária - ainda é potencial, não se deu, embora seja muito provável ou certo.

Por isso se justifica a tutela antecipatória em vez da tutela anulatória (obtida, por exemplo através da Reclamação judicial contra os actos ilegais praticados na execução fiscal).

E mais: mesmo nos casos em que haja omissão de comportamento, a tutela nem sempre é conseguida por via da Intimação para um Comportamento, na medida em que o mesmo não reveste a natureza urgente e a consumação dos efeitos (negativos) da omissão podem não ser possíveis de tutelar que não pela via cautelar.

O art. 112.º do CPTA, por seu turno, prevê um elenco exemplificativo de medidas cautelares que podem ser requeridas, nem todas com utilidade em matéria tributária, das quais destacamos a suspensão de eficácia de actos administrativos ou normas, as autorizações provisórias para a prática de actos ou a intimação da administração para a adopção de condutas.

De grande importância é a norma prevista no artigo 120.º do CPTA, a qual, para além de conferir ao julgador os estritos critérios de decisão, determina a obrigatoriedade de cumprimento da medida decretada, pela entidade demandada, sob pena de execução da decisão e que adiante veremos em pormenor.

No documento Contencioso Tributrio (páginas 84-87)