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Tramitação e efeitos

No documento Contencioso Tributrio (páginas 87-91)

Serena Cabrita Neto

3. Tramitação e efeitos

Como vimos acima, a regra geral prevê a aplicação, ao decretamento das medidas cautelares das regras da acção de Intimação Para Um Comportamento (nos termos da remissão prevista no art.147.º, n.º 6 do CPPT). Esta remissão parece ter um alcance restrito porquanto só n.ºs 3 e 4 daquele normativo parecem ter aplicabilidade prática ao caso das medidas cautelares (este último parcial, pois a prova nem sempre será apenas documental), pelo que a necessidade de recorrer às regras (subsidiárias) do CPTA é evidente e natural.

As providências cautelares a favor do contribuinte

Assim, a aplicação subsidiária do disposto nos artigos 112.º e ss. do CPTA, por força da remissão genérica operada no art. 2.º do CPPT, determina que terá legitimidade para apresentar a providência quem a tenha para interpor a acção principal (que podem ser todas as admitidas em Processo Tributário).

Aquando da interposição da acção, o ónus de alegação do fundado receio de uma lesão / ou da violação do prazo legal de decisão é do contribuinte ou o ofendido com legitimidade para a acção principal, sendo esse pressuposto essencial para que a providência possa ser sequer conhecida.

A providência interposta assume, como não podia deixar de ser, um carácter instrumental face à acção principal interposta ou a interpor, mas tem uma tramitação autónoma (art. 113.º CPTA), podendo também ser interposta em simultâneo à acção principal (art. 114.º, n.º 1, al. b) e c ) do CPTA).

Quanto ao pressuposto processual da competência, dispõe o artigo 114.ª, n.º 2 do CPTA que o tribunal competente é mesmo que deve julgar a causa principal, regra aliás coincidente com as dos demais ramos de direito.

O artigo 114.º prevê ainda, no seu n.º 3, os requisitos que deve ter a petição, a saber: a) Indicação do Tribunal;

b) Identificação do Requerente (nome, residência/sede) e da entidade demandada, c) Identificação dos contra-interessados que possam ser directamente prejudicados, d) Indicação do processo de que depende/irá depender/em curso,

e) Indicação da providência pretendida,

f) Alegação articulada dos fundamentos e apresentação de prova sumária, g) Fazer prova do acto ou norma em relação ao qual se pretende a providência.

Caso os requisitos não estejam preenchidos, poderá ocorrer a sanação de deficiências, nos termos previstos no art. 114.º, n.º 4 do CPTA, sendo concedido um prazo de cinco dias para o efeito.

Após a apreciação do tribunal, ocorre o despacho Liminar – art. 116.º CPTA – de admissão ou rejeição, podendo este último ocorrer caso não tenha existido, quando ordenado, o suprimento das deficiências do requerimento inicial, haja manifesta ilegitimidade do Requerente ou da entidade requerida ou haja manifesta ilegalidade da pretensão, o que implica uma apreciação material do peticionado, por parte do tribunal.

No caso de rejeição, há a possibilidade de se apresentar novo requerimento.

Segue-se a fase da citação da Entidade Demandada para contestar (10 dias) e ainda para, ao abrigo do princípio de igualdade de armas, esta oferecer as provas que pretenda produzir –

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artigo 118., n.º 2 do CPTA . Em caso de não contestação (“não oposição”), e ao contrário do que sucede nas acções comuns, existe uma cominação de “presunção de veracidade dos factos invocados pelo Requerente”, nos termos do art. 118.º, n.º 3 do CPTA, presunção essa que, ainda assim, não implica o decretamento da providência que, comos e prevê no n.º 5 do art. 120.º do CPTA pode, ainda assim, ser rejeitada, verificados certos condicionalismos8.

A decisão da providência, nos termos do artigo 119.º CPTA é proferida em cinco dias após a produção de prova ou do termo dos articulados, existindo a possibilidade de se antecipar a decisão do mérito na acção principal, nos termos do art. 121.º do CPTA.

Importante referir que a Doutrina tem manifestado dúvidas quanto à aplicabilidade ao processo tributário desta possibilidade de antecipação da decisão, nomeadamente quando se tratem de actos tributários stricto sensu, apesar da remissão global do para o CPTA indiciar o contrário.

Quanto à decisão propriamente dita, o legislador dá directivas ao julgador, indicando que a providência apenas deve ser decretada quando:

 seja evidente a procedência da pretensão formulada/a formular no processo principal  haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de difícil reparação para os interesses que se quer assegurar/reconhecer no processo principal – com ponderação do interesse público e eventual exigência de garantia pecuniária (n.ºs 2 e 4)

Este normativo encontra razão de ser no carácter excepcional da tutela cautelar, ainda mais se justificando quando, em sede de ordenamento jurídico tributário se poderá estar a tratar de ponderações de interesses públicos.

Quanto aos efeitos das providências quando decretadas, regulados no art. 128.º e 131.º do CPTA, temos, por um lado, o efeito da mera apresentação do requerimento (com a citação da Entidade Requerida), quando é requerida a suspensão de eficácia. Neste caso, com a citação, recebido o duplicado do requerimento, verifica-se o efeito suspensivo imediato – excepto em caso de apresentação, no prazo legal, de resolução fundamentada por parte da Entidade Requerida, com fundamento no interesse público, a apreciar pelo Tribunal quanto à sua pertinência.

Em qualquer caso, quando decretada a providência, a Administração Tributária deve impedir com urgência a execução do acto, podendo a execução indevida ser atacada no próprio processo por via de incidente, nos termos do n.º 6 do artigo 128.º do CPTA.

8 E para além do escrutínio que, em qualquer caso, o julgador possa fazer quanto à pertinência da acção, nos

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Ainda com relevância, temos a figura do Decretamento Provisório – prevista no artigo 131.º CPTA – aplicável nos casos especiais de tutela de direitos, liberdades e garantias que não possam ser exercidas em tempo útil. Este regime especial determina que a providência seja decretada em 48 horas – carácter muito urgente – e que a audição do interessado possa ser feita por qualquer meio adequado / eventual audição do requerido. A decisão emanada nestes casos não será impugnável9, existindo porém notificação posterior às partes para pronúncia

quanto ao levantamento, manutenção ou alteração da medida, que só pode ser efectuada pelo juiz.

Fora dos casos do Decretamento Provisório, vemos que, nos termos do art. 122.º do CPTA, o efeito da decisão e o decretamento da providência deve ser imediatamente cumprida pela Administração Tributária, podendo as medidas decretadas ser sujeitas a termo ou condição e subsistindo as mesmas até à sua caducidade10, alteração ou revogação. As mesmas

podem, ainda, ser alteradas, nos termos do disposto no artigo 124.º CPTA.

Podemos, em jeito de conclusão, assumir que os casos de decretamento provisório farão sobretudo sentido quando a procedência a tomar seja de carácter positivo, sendo o efeito suspensivo “normal” relativo aos casos em que existam providência com a finalidade de obter a suspensão de um acto por parte da AT.

4. Conclusões

Feito o percurso normativo sobre o sistema cautelar tributário existente, partindo da CRP e passando pelas normas processuais aplicáveis em matéria tributária, é legítimo procurarmos retirar algumas conclusões quanto ao sentido e alcance da tutela cautelar tributária.

Assim, importa questionar se, quanto às matérias tributárias “há espaço” para uma tutela cautelar.

Quanto a este ponto, e não obstante a natural resistência verificada por parte da Administração Tributária – que considera aplicáveis apenas os meios tutelares que classicamente são utilizados pelos contribuintes quando se julgam ofendidos nos seus direitos, com pouca abertura para as novas formas processuais - , julgamos que faz todo o sentido, em circunstâncias em que se assiste à manifesta melhoria da eficácia na liquidação e cobrança de tributos por parte da Administração, que também os meios de defesa evoluam, se

9 Situação original no seio do direito administrativo-tributário em que o sistema garantístico é usualmente

tendente a permitir o ataque judicial de todas as decisões.

10 As providências cautelares, por natureza provisórias, caducam quando ocorra alguma das causas previstas

As providências cautelares a favor do contribuinte

transformem, se adaptem a formas mais rápidas, mais imediatas, com vista a permitir a

manutenção da tutela jurisdicional plena e efectiva a que alude o art. 268.º, n.º 4 da CRP.

Ou seja, a evolução dos meios à disposição da Administração Tributária não pode ser desacompanhada - sob pena de um intolerável agravamento da desigualdade de armas entre a mesma e os cidadãos -, da evolução dos meios aos quais se faz apelo para obter a tutela contra actos ilegais, pelo que essa não pode, obviamente, olvidar a tutela preventiva, cautelar. Por isso, afigura-se-nos claro que esta tutela é mais uma disponível a ser utilizada pelos contribuintes.

Não cremos que haja qualquer incompatibilidade da tutela cautelar com os princípios constitucionais da tributação, desde logo porque não se visa, com esta, evitar o pagamento de impostos ou a ablação do principio solve et repete.

Pretende-se antes, proteger os administrados das incursões que se antecipam de ilegais, por parte da Administração Tributária, que é composta por homens e mulheres que, naturalmente, também se enganam, sendo aliás, a sua eficácia, a nosso ver, verificável até mais em situações de prática de actos em matéria tributária do que nos actos de liquidação.

Por outro lado, o papel do juiz será fundamental na boa utilização que se venha a fazer destes meios, uma vez que a jurisprudência a emanar permitirá regular os limites e a adequação destes processos.

O facto de existirem outros meios tutelares judiciais não afasta, a nosso ver, o espaço para a tutela cautelar, desde logo porque a acção de Intimação Para Um Comportamento não reveste natureza urgente e, portanto, não é eficaz na antecipação dos danos e a reclamação judicial contra os catos do órgão de execução se destina à tutela póstuma, de anulação do acto ilegal já praticado (e apenas em sede de execução fiscal). Cremos, portanto, haver um amplo espaço para estas medidas, não ocupado por outros meios cautelares.

Por fim, uma referência ao facto de ser positiva a comunhão de procedimentos entre o direito tributário e o administrativo, operada pela remissão que o CPPT faz para o CPTA.

O CPTA é um diploma moderno e estruturado, pelo que o regime legal nos parece escorreito e complexivo, conferindo o acesso à tutela jurisdicional efectiva em matéria tributária.

Caberá aos tribunais garantir a boa aplicação das regras, em prol da justiça. *****

No documento Contencioso Tributrio (páginas 87-91)