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2.4) O processo de terceirização no bojo da reforma do Estado na década de

Dentro das medidas de diminuição do tamanho do Estado, o então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado pretendia, segundo sua ótica, maximizar a eficiência do Estado em sua governança, de forma a deixar a cargo de outras instituições aquilo que não fosse a atividade essencial de sua função.

23 Há, aqui, a explicitação clara da contradição, no próprio uso da dicotomia presente no termo

relação entre Estado e sociedade, ou seja, são espaços diferentes, com existência autônoma, que se

relacionam. Porém, se apenas entidades diferentes e autônomas se relacionam (Guareschi, 1996), aqui Estado estaria sendo pensado à parte de sociedade. Essa questão da configuração do Estado como esta doà de t oàeàfo a àdaàsociedade, bem como do mercado, nos levará à análise da tese de Giorgio Agamben (2010) acerca do paradoxo da soberania em outro capítulo.

24 Retomaremos esta questão em discussão sobre o aumento do poder do Estado, ao invés de

sua diminuição, nas atividades de flexibilização de cunho neoliberal, na qual nos pautaremos principalmente em Foucault (2005, 2008a).

25Co stitue :à u aàe tidadeàpú li aàdeàdi eitoàp ivadoà ueà ele aàu à o t atoàdeàgest oà o à

oàEstadoàeàassi à àfi a iadaàpa ialàouà es oàtotal e teàpeloào ça e toàpú li o à (Bresser-Pereira, 1997, p. 29).

A terceirização aparece como peça fundamental nesse processo, entregando ao mercado a execução de tudo que ele possa dar conta (ou melhor, de tudo que seja de interesse do mercado). Para tanto, faz-se necessária a diferenciação daquilo que é essencial e monopólio do Estado daquilo que lhe é auxiliar.

Na reforma do Estado brasileiro, são tidas como áreas exclusivas do Estado as atividades propriamente de governo, em que o poder de Estado é exercido. Aqui, tratamos as ações de legislar, regular, julgar, policiar, fiscalizar, definir políticas e fomentar (Bresser-Pereira, 1997).

Porém:

[…]àpara que estas funções do Estado possam ser realizadas é necessário que os políticos e a alta burocracia estatal, no núcleo estratégico, e também a média administração pública do Estado, contem com o apoio de uma série de atividades ou serviços auxiliares: limpeza, vigilância, transporte, copeiragem, serviços técnicos de informática e processamento de dados etc. Segundo a lógica da Reforma do Estado da década de 90, estes serviços devem em princípio ser terceirizados, ou seja, devem ser submetidos a licitação pública e contratados com terceiros. Dessa forma, esses serviços, que são serviços de mercado, passam a ser realizados competitivamente, o à su sta ialà e o o iaà pa aà oà Tesou o à B esse -Pereira, 1997, p. 29).

São diversas as noções implícitas nesse discurso, como a suposta falta de competitividade dos serviços prestados pelo governo. A terceirização aparece aqui como promessa de aumento de competitividade e qualidade de serviços.

A terceirização de atividades dentro de uma mesma instituição pública cria, necessariamente, a existência de um duplo regime jurídico: o dos estatutários e o dos empregados (ou contratados). A condição de servidor estatutário fica restrita às a ei asà deà Estado,à e ua toà ueà osà e p egados à o stitui ia ,à segu doà osà documentos da reforma do Estado, uma situação intermediária entre o servidor estatutário e o trabalhador privado.

No trecho citado há uma representação da situação do terceirizado como sendo intermediária à do servidor e à do emprego em empresa privada. Nesse caso, há uma hierarquização implícita. Os servidores públicos gozam de estabilidade de vínculo e

direitos previdenciários. Os funcionários regidos pela CLT,26 nas empresas particulares, possuem direitos trabalhistas, mas não estabilidade de vínculo. Quando o trabalho terceirizado é apresentado como uma situação intermediária entre ambos, dá-se a impressão de que, ao menos, não haverá perdas quando comparado ao trabalho em instituições privadas. Mais ainda: há a impressão de algo mais, em direção aos direitos adquiridos pelos servidores públicos.

Porém, como veremos no próximo capítulo, mais de quinze anos após a solidificação das medidas tomadas na reforma do Estado, as falas dos trabalhadores terceirizados deixam claro que a vivência dessa situação não seria assim avaliada.

Por exemplo, segundo Joana:

Pra mim tudo isso aqui é temporário. Eu estava numa empresa de distribuição e ela fechou, lá não era terceirizada não, era funcionária mesmo. Entrei aqui, mas estou procurando emprego, outra coisa mais fixa […] porque aqui eles mesmos falam que não sabem se vai ter contrato [se a empresa vai vencer novamente a licitação para

prestação de serviços quando o tempo do atual contrato licitado vencer, ao final de 2014]. (Joana, funcionária da limpeza, trabalhadora terceirizada Speed há 1 ano)

Nessa fala, claramente não vemos narrada uma condição entre o servidor público e o trabalhador regulado pela CLT. Vemos a descrição do trabalho terceirizado o oà se doà su e p ego ,à eà ais:à oà t a alhoà te ei izadoà a a te izadoà o oà e p egoàte po io ,àp e a izadoàe àte osàdeàví ulo,àe pe tativasàdeà a ei aàeà geração de renda de forma a permitir ao trabalhador tecer planos para seu futuro. Segundo Castel (2013), conforme veremos no capítulo 4, o que distingue a condição de proletário da de integrante da classe operária é, justamente, a possibilidade de planejar o futuro, de forma a se ter a liberdade de viver para além da perspectiva de se ganhar o necessário diário para sobreviver.

26 CLT refere-se à Consolidação das Leis do Trabalho, originada pelo Decreto-Lei nº 5.452 de 1º

de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda a legislação trabalhista existente no Brasil e regulando as relações individuais e coletivas de trabalho.

Cap.3) Os terceirizados e as relações humanas fraturadas no