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O processo de reeducação da sociedade no contexto do Novo Acordo Ortográfico

No documento Vida (páginas 58-64)

4 O CONTEXTO DO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO E O PAPEL DA PUBLICITÁRIA ÉTICA NA SOCIEDADE

4.1 ASPECTOS DO CONTEXTO DO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

4.1.2 O processo de reeducação da sociedade no contexto do Novo Acordo Ortográfico

Silva (2010) coloca que a língua portuguesa, sexto idioma mais falado no mundo por 240 milhões de pessoas, em oito países, no mínimo, é falada, conforme estimativas recentes. Por isso, uma reforma ortográfica é algo que causa intensas consequências. Ainda que as reformas feitas não modifiquem mais que 2% total do idioma, o novo acordo é um projeto amplo e de diferentes envolvimentos. Ele interfere no meio editorial, nas escolas, na imprensa e noutros setores da sociedade nos quais a escrita seja fundamental. Inevitavelmente, o número de alterações em alguns países será maior do que em outros. Por exemplo, em Portugal, as mudanças atingem cerca de 1,6% do campo lexical, enquanto, no Brasil, a porcentagem é de 0,5%. Conforme o Sindicato Nacional dos Editores de Livros e da Câmara Brasileira do Livro, todavia, esse número já atinge mais de 320 milhões de livros.

Segundo Erasmo Nuzzi (2001), da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, a palavra globalização foi inserida no dicionário português somente a partir dos últimos trinta anos. Seu significado é bastante amplo, abrangendo, atualmente, cultura, comércio, meios de comunicação e multinacionais que ignoram as antigas fronteiras nacionais dos países dominantes. Na realidade, a globalização em geral e o impressionante poderio representado pelas grandes fusões empresariais transformaram as mega organizações em superpotências, acima do conceito de Estado, já que o globo terrestre passou a ser a esfera operacional dessas corporações.

A globalização como é conhecida hoje é mérito dos portugueses, pois foram eles que a partir do século XV através das grandes navegações e dos grandes descobrimentos, que provaram a teoria de astrônomos, filósofos, cosmólogos e outros sábios. Eles afirmavam a esfericidade da Terra e a possível existência de outros continentes para além da Europa, Ásia e África. Ressalta-se, nesse aspecto, o maior navegador da história, Vasco da Gama, responsável pela

divulgação da fé cristã, da língua sonora e da cultura portuguesa ao extremo do globo. (NUZZI, 2001).

Para Arnaldo Niskier (2001), da Associação Brasileira de letras, a simplificação da terminologia da língua portuguesa colaboraria para ajudar a memória dos seus estudantes. É válido destacar que a língua é bastante influenciada pela televisão, cuja força deve ser reconhecida. Atualmente, há certo desamor pela língua, fato que não justifica o desrespeito pela mesma.

Não é correto, ainda segundo Niskier (2001), apoiar uma discriminação linguística e separar o falar do rico do falar do pobre. Existe uma realidade plurilinguística, entendendo-se que a norma culta deve ser mantida e respeitada nos códigos escritos. Cavalcanti (2009) acredita na eficácia da escrita livre. Lembra que as pessoas comunicam-se, e bem, via internet, com grafias alternativas e oscilantes. Destaca, também, que, na grafia renascentista, havia oscilações e, nem por isso, serviu de barreira para que Portugal dominasse dois oceanos e chegasse à Índia e às Américas. “Nosso destino, enquanto ser humano, é a liberdade; ela virá, cedo ou tarde, em toda sua plenitude, para atingirmos a potência de linguagem necessária à construção do Novo Milênio”. (CAVALCANTI, 2009, p. 518). Niskier (2001, p. 78) complementa ao dizer que “a linguagem manifesta a liberdade criadora do homem”.

Bechara (1986) diz que uma língua histórica é um conjunto de sistemas que apresentam semelhanças e diferenças entre si, de modo que nenhum falante sabe toda uma língua histórica, mas a variedade de um dialeto regional (sintópica), de um nível social (sinstrática) e um estilo de língua (sinfásica). No entanto, sabe-se que esse falante tem capacidade para entender mais de uma dessas variedades, pois reconhece que há outros que utilizam a língua diferente dele. Conforme Coseriu (1980, apud BECHARA, 1986), a língua funcional, aquela que se torna homogênea, tem sua gramática a qual serve de intercomunicação na comunidade a que pertence. A linguagem, além disso, é sinônimo de liberdade e historicidade do homem, ao garantir um vínculo entre os falantes do presente e do passado. Aliás, a liberdade é histórica e não de arbítrio individual. (COSERIU, 1980, apud BECHARA, 1986). Cabe ao professor da língua materna transformar o aluno num poliglota da própria língua, permitindo-lhe escolher a forma mais adequada de usá-la, de acordo com cada momento. (BECHARA, 1986).

De acordo com Simone (1979 apud BECHARA, 1986), o campo de estudos da linguística é abrangente e promissor, pois a linguagem não é apenas

uma disciplina escolar, é um dos fatores decisivos para o progresso pleno do cidadão. Bechara (1986) explica que o privilegiamento da língua oral percebido na década de 60 dá-se por dois fatores: um de natureza linguística e outro de natureza política. As línguas históricas registradas são códigos do que foi falado e ouvido, para depois ser escrito e lido. Assim, a linguística norte-americana, por exemplo, pôde formar precisos modelos de descrição de línguas indígenas, que nunca conheceram. No entanto, pretendeu-se, em seguida, criar padrões gramaticais, a fim de separar, ainda que sistematicamente, a forma correta da incorreta.

Bechara (1986) lembra, nesse sentido, que há outros fatores procedentes da política, como a classe que se apresenta como nobre e, ao mesmo tempo dominante e opressora, e destacam o respeito que deve existir com o saber linguístico de cada indivíduo, afirmando-lhe o fluxo de intercomunicação social. Entretanto, não lhe dá o direito de ampliar e enriquecer esse patrimônio inicial. A tese populista, na ótica democrática, é tão falha quanto a tese que a combate, pois as duas insistem na natureza “monolíngue”, ou seja, só permitem uma variedade do código verbal, ou a norma culta (da classe dominante) ou a norma coloquial (da classe dominada). (BECHARA, 1986). Aqui, pode-se lembrar o alcance antiético, ou seja, injusto de tal atitude já proposto por Dussel (2000) e por Freire (2002) no capítulo primeiro desta pesquisa com respeito à educação cultural libertadora.

Essa situação crônica parece-se a uma espécie de apartheid cultural. De fato, não há como afirmar que exista uma política persistente nacional da língua portuguesa, pois o efeito, como se vê, é claro: fala-se mal e escreve-se pior ainda. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 3394/96) é muito simples com relação às preocupações com a língua portuguesa. Dos seus 92 artigos, somente um parágrafo – do Artigo 26 – traz esse cuidado, e dispõe, brevemente, sobre a obrigação no currículo escolar do ensino da língua portuguesa. (NISKIER, 2001).

Segundo Bechara (1986), há uma crítica injusta em relação à gramática escolar, ao expor que ela impõe-se, como totalidade histórica, como única forma de uso possível da língua histórica. Todavia, o ensino dessa gramática, como ensino adquirido, junta-se – e não contrapõe-se – à modalidade transmitida, a coloquial ou familiar. O ensino da gramática normativa é, pelo contrário, libertador, pois apresenta ao falante as possibilidades que tem para usar a língua, ao apresentar-lhe as variedades da língua histórica. Focar o ensino da gramática na linguagem, e não

mais na língua, é o ponto decisivo para disponibilizar orientações mais estimulantes e produtivas entre “saber português” e “saber gramática”, duas aptidões distintas, ainda que extremamente conexas. (BECHARA, 1986).

O ensino da língua materna, segundo Bechara (1986), desde os gregos até os nossos dias, sempre se confundiu com o aprendizado da gramática escolástica, a qual envolve um conjunto discretamente orgânico, elaborado pela Antiguidade clássica. Com o passar dos séculos, surgiu a escola. Ela tentou seguir os métodos desse ensino mesmo que não existissem provas de sua eficácia. Esse método dava frutos aos alunos muito mais pelo envolvimento consciente e adesão a um sistema linguístico diferente daquele que era natural, do que pela manipulação de regras aprendidas na aula de gramática. A gramática tenta fixar o uso chamado idiomático, por isso, assume um papel didático. Porém, como pretende fixar esse mesmo uso, apresenta-se como dogmática, pois é uma gramática acadêmica ou das autoridades. Como protege alguns usos e discrimina outros, deve explicações, uma vez que pretende ser científica. Ainda assim, a gramática não se confunde com a linguística, já que aquela objetiva normatizar o uso idiomático da modalidade padrão, enquanto esta, como ciência, aborda a linguagem nos seus aspectos e realizações. (BECHARA, 1986).

4.1.2.1 A mídia brasileira no processo de informação e formação linguística

Por muito tempo, a imprensa brasileira manteve o hábito de ser bem escrita, o que valia como condição essencial ao trabalho na redação, representada, até então, pelos maiores redatores do país, como Machado de Assis. Essa fase entra em transição com a industrialização da imprensa, quando nasce a valorização da reportagem externa e dos repórteres-narradores, hábeis para apurar, porém, ágrafos ao escrever. (REBELO, 2001)

Por outro lado, uma benéfica epidemia invadiu a imprensa brasileira. Atualmente, os grandes jornais publicam seções de valorização da língua portuguesa. Como, por exemplo, a Folha de S. Paulo, com sua competente e bem escrita seção “Inculta e Bela”, do professor Pasquale Cipro Neto, que também escreve “Ao pé da letra”, em O Globo. Há outros exemplos, como o Jornal do Brasil,

O Estado de S. Paulo e o Correio Brasiliense. As motivações que levam são diversas, como a deteriorização, por culpa, talvez, do sistema de educação básica brasileiro, do falar e do escrever mal que vivenciamos. Em segundo lugar, está o pouco apreço que os brasileiros têm pela leitura, em vista de outros países. Como última e provável hipótese, está a forte influência da televisão, que presta um desserviço à educação brasileira, pois seus comunicadores, atores, apresentadores falam mal, sem citar os programas que deseducam. (NISKIER, 2001).

A discussão acerca da língua no jornalismo vai muito além do texto, pois abrange, também, técnicos notáveis, como a transcrição do palavreado de difícil leitura das fontes, como nos assuntos de economia. Assim, o ponto essencial do idioma, no jornalismo, é a preservação da norma culta da língua portuguesa. Sabe- se que a língua é viva, que se renova e se permite evoluir de acordo com as mudanças do mundo; e sabe-se que esse processo ocorre, principalmente, através da língua falada, que acrescenta, transforma e altera as palavras. Porém, é a norma culta, com suas regras e seu conservadorismo, que possibilita a continuidade da língua. O ensino e a prática do jornalismo devem ter, portanto, cuidado com essa questão. As normas cultas devem ser relevadas não só porque foram aprovadas oficialmente, pelo Congresso Nacional, mas porque são boas. (REBELO, 2001).

O que se vê e lê nos meios de comunicação é um bilinguismo desorientador que desobedece as regras. A universidade tem função importantíssima no que diz respeito à defesa e à propagação dessas regras; deve ser um templo da língua portuguesa. É o mínimo que deve ser feito, pois é inadmissível haver jornalismo, principalmente, impresso, sem o domínio da língua. A universidade não deve entregar-se à lógica do mercado, que encomenda um padrão de profissional bitolado, submisso aos anseios das comparações. (REBELO, 2001).

Mauro Salles (2001), pela sua experiência, aconselha os estudantes e lembra que, mesmo diante de toda a evolução na comunicação, nada foi inventado melhor do que a palavra. Independente do canal de comunicação, sem a palavra não se comunica. Portanto, no Brasil, a comunicação está diretamente ligada à língua portuguesa. Sabendo disso, é obrigação do brasileiro dominá-la, já que não há substituto para ela. O melhor caminho para isso não é, sobretudo, através de cursos de gramática ou estudos aprofundados, mas através da leitura.

Segundo Salles (2001), antes de dominar a tecnologia, é fundamental conhecer a comunicação através do domínio da língua. Todo estudante, por

exemplo, enquanto aprendiz, deve ser estimulado ao gosto do próprio aprendizado, uma vez que a tecnologia é apresentada a ele tão constantemente como a evolução da língua. Com o gosto pelo aprendizado e ao colocar o aprendizado da língua como prioridade, esse estudante dominará a língua e será, sobretudo, seu defensor e da comunicação eficaz. “Pela comunicação a gente pode realmente chegar até a paz. Sem comunicação, a gente não terá outro caminho a não ser partir para a guerra” (SALLES, 2001, p. 107)

É fato que a linguagem portuguesa cresceu e coloca-se aqui como uma das causas a inclusão de termos ligados à evolução científica e tecnológica, como as palavras acessar, lincar, internet e outras. É impossível travar esse conhecimento, mesmo que ele represente um linguicídio. Entretanto, é necessário poupar excessos imitativos. (NISKIER, 2001).

4.1.2.2 Empecilhos crônicos: língua confusa e precariedade de ensino

Para Aldo Bizzocchi (2001), parte da aversão ao progresso da língua portuguesa no mundo não está ligada a fatores geopolíticos ou econômicos, mas a fatores da própria língua. A excessiva complexidade gramatical da língua portuguesa, se comparada às demais línguas românicas ou outras, e a grande divergência das variedades lusitana e brasileira do idioma nas perspectivas ortográfica, fonética, sintática e léxica são aspectos desencorajadores do interesse internacional pela língua portuguesa. É notório que a lamentável ausência de uma integração cultural ativa entre os países lusófonos contribui – e muito – para o afastamento linguístico entre os mesmos, ao contrário do que acontece em outras comunidades, como na de língua inglesa. Tal distanciamento cultural deve-se, principalmente, à maioria dos países lusófonos terem um índice de escolaridade bastante precário.

Os lusófonos vivem uma aprazível época em defesa da língua portuguesa. Não pode ser admissível o que se chamaria de desfiguração linguística nacional, o que sacrificaria o patrimônio cultural do Brasil, construído em cinco séculos, através de contribuições indígenas, africanas e portuguesas, além dos brasileirismos. No entanto, a inclusão de estrangeirismos não deve ser eliminada

completamente, visto que esse crescimento é natural e acontece, inclusive, em nações mais desenvolvidas, como a França. É desnecessária a utilização abusiva de neologismos, pois há uma forte aversão ao sucateamento da língua portuguesa, especialmente, por parte de seus defensores. (NISKIER, 2001).

Fernanda Leitão (2001), jornalista no Canadá, diz que é responsabilidade de cada lusófono cooperar para a construção da lusofonia. “Ninguém defende o que não ama. Ninguém ama o que não conhece.” (LEITÃO, 2001, p. 123). Esse é o motivo da falta de preocupação de muitos lusófonos não defenderem a sua língua, porque, muitas vezes, ficam anos sem abrir um livro em português ou mesmo sem falar a própria língua.

Há um longo caminho a ser percorrido para levar a língua portuguesa adiante, todavia, é animador ver jovens querendo aprender o português e conhecer a história e cultura do país a que são ligados pelo sangue. “A Língua Portuguesa é a própria razão de ser da Comunicação Social lusa” (LEITÃO, 2001, p. 125). Então, a comunicação social deve espelhar o respeito que merece a língua e a cultura portuguesa. Aceita-se um jornalista sem estilo, porém, não sem gramática. Esse é um comunicador irresponsável, e o jornalismo é muito sério para admitir profissionais com esse perfil. (LEITÃO, 2001)

A Lusofonia é um bem da alma para quantos utilizam a língua portuguesa, porque é uma união num mundo desunido. Mas tão grande é o empreendimento que exige boa ferramenta e bons operários. O jornalismo é uma dessas ferramentas. (LEITÃO, 2001 p. 126).

O que se disse do comunicador social jornalista e da mídia acima antecipa as considerações específicas desta pesquisa no que se refere às expectativas com os profissionais da publicidade e propaganda.

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