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A PUBLICITÁRIA ÉTICA COMO EDUCADORA SÓCIO-CULTURAL NO CONTEXTO DO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO, A PARTIR DA PEÇA “VIDA:

No documento Vida (páginas 67-73)

4 O CONTEXTO DO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO E O PAPEL DA PUBLICITÁRIA ÉTICA NA SOCIEDADE

4.3 A PUBLICITÁRIA ÉTICA COMO EDUCADORA SÓCIO-CULTURAL NO CONTEXTO DO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO, A PARTIR DA PEÇA “VIDA:

MENSAGEM DE ANO NOVO (2008-2009)”, DO GRUPO RBS.

Viu-se, no primeiro capítulo desta pesquisa, com Brandão (2005) e Freire (2002), que a educação é um hábito social, como qualquer outro, por isso, para um sujeito ser educado, precisa estar inserido num contexto social. Com Laplantine (2000) e Eagleton (2005), aprendeu-se que a cultura é um conjunto de saberes de um determinado grupo e que há várias culturas, ilimitadas e que dialogam entre si, como a linguagem. Freire (2002) e Dussel (2000) destacam a importância do sujeito livre como criador de sua história e cultura, ainda que, inevitavelmente, influenciado

pela endoculturação. (GONÇALVES, 2010). Nesse contexto, o comunicador Sant‟Anna (2001) acresce que a publicidade estimula o progresso e que suas leis são semelhantes às leis das outras ciências sociais, as quais visam o desenvolvimento coletivo.

Para poder analisar a vivência exitosa dessas colocações por parte da mídia em relação à responsabilidade social do tema do Novo Acordo Ortográfico, escolheu-se como objeto de estudo a peça publicitária “Vida: Mensagem de Ano Novo (2008-2009)”, assinada pelo Grupo RBS (ver Anexo A). A peça foi elaborada pelos criativos da Agência Matriz, cujo cliente antigo é o Grupo RBS. O redator da campanha foi Telmo Ramos, que participou também da direção de arte das peças. (AGÊNCIA MATRIZ, 2010).

No segundo capítulo desta pesquisa, foi mostrada, com Teyssier (1997), Bechara (1999) e outros, a história da língua portuguesa, bem como de seus acordos ortográficos, com Bueno (1967), Filho (1972) e outros. Percebeu-se, com esses autores, que a história da língua portuguesa envolve, diretamente, a história e cultura da sociedade lusófona e que, por isso, não é simples a aceitação da imposição de um novo Acordo Ortográfico. O atual acordo ortográfico foi exposto através de textos oficiais à Academia Brasileira de Letras (2010) e complementares. Esse estudo foi completado pelas considerações de alguns comunicadores sociais, principalmente da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, a respeito do processo de reeducação da sociedade no contexto do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Telmo Ramos (2010), redator do anúncio em análise, é formado em Publicidade e Propaganda pela PUC-RS e trabalha nessa área desde 1982. O publicitário relata que, a cada ano, os criativos da agência procuram enquadrar um tema diferente à mensagem de ano novo do cliente Grupo RBS. Na criação da campanha de 2008-2009, pareceu apropriado usar o tema do Novo Acordo Ortográfico. Aqui, vale lembrar o texto do Decreto nº 6.583, que retifica a data que entrará em vigor o Novo Acordo Ortográfico, tornando-se essa, portanto, 1º de janeiro de 2009. (ABL, 2010). Quanto a sua preocupação com relação à educação cultural, principalmente no contexto da reforma ortográfica portuguesa, Ramos (2010) acredita que a readaptação acontecerá de forma gradual e que ele próprio ainda não se acostumou com as novas regras. O comunicador escreve, ainda, que não elaborou outras campanhas com o mesmo tema e também não conhece outras

que tenham utilizado. Dessa forma, acredita que os criativos da Agência Matriz foram os pioneiros.

Eloy Simões (2010), redator publicitário homenageado com o troféu Jeca Tatu, versão 2010, no 5º Encontro de Redação Publicitária, em Paraty-RJ, também desconhece outras campanhas que tenham utilizado o mesmo tema. Simões (2010) também relata que em nenhum momento do 5º Encontro de Redação Publicitária falou-se no Novo Acordo Ortográfico e que nenhum publicitário dá importância para o assunto, além de a nova ortografia nada interferir na produção publicitária e na boa comunicação. O comunicador opina que a única forma da linguagem publicitária colaborar na reeducação da sociedade para o escrever correto e o bem comunicar é escrever correto. Opina ainda que é obrigação do governo divulgar a nova ortografia e que somente um problema institucional que prejudicasse a empresa levaria a iniciativa privada a preocupar-se com ela.

Fischer (2002), ao discorrer sobre marketing cultural, visto no primeiro capítulo desta pesquisa, descreve que é papel do governo levar a educação cultural à sociedade, porém, os produtores culturais são as pessoas mais apropriadas para desempenhar essa função. Sabendo disso, acredita na importância de estreitar as parcerias entre o governo e produtores culturais, a fim de que divulguem a cultura de determinada sociedade, de forma eficaz e cumpram a responsabilidade do papel educador cultural libertador. Sant`Anna (2001) lembra que a comunicação é essencial ao meio social e Laplantine (2000) destaca que a distinção entre a sociedade animal e a sociedade humana está na forma de comunicação propriamente cultural.

Freire (2002) enfatiza que o ser humano é, naturalmente, um ser criador, que faz cultura, e, dessa forma, liberta-se. Do ponto de vista publicitário, Petit (2006) diz que o grande redator não precisa ser erudito, acadêmico em letras ou muito conhecedor das regras gramaticais – muitas vezes, isso representa, inclusive, um bloqueio. O bom redator deve ser solto, livre para escrever, pode até mesmo fazer uso de neologismos, caso a comunicação seja boa, já que não é um erro, mas uma recriação idiomática, a qual não precisa seguir a boa ortografia. A redação publicitária é, acima de tudo, persuasiva, objetiva, sem muitos floreios. Curiosamente, muitas vezes, os redatores têm vergonha do produto que anunciam, criando frases e expressões frias, visivelmente sem paixão e, assim deixam claro que não acreditam no produto que vendem; é a relação de negócio que muitos

publicitários mantêm com seus clientes. (PETIT, 2006). Aqui, tem o apoio de Cavalcanti (2009), já mencionado, o qual acredita na eficácia da escrita livre. Armando Sant`Anna (2001), já estudado no primeiro capítulo, faz uma observação quanto às críticas negativas com relação à publicidade, as quais a apontam como fator causal do sistema sócio-econômico em que vivemos. No entanto, o autor ressalta que a publicidade é um fator agravante desse sistema e não sua causa, visto que a ambição pelo dinheiro e sucesso, por exemplo, existe há muito mais tempo que a publicidade.

Com relação ao processo de readaptação da sociedade à nova ortografia da língua portuguesa e o papel da publicitária ética como educadora cultural nesse contexto, a comunicadora social Silvânia Siebert (2010) acredita, para que isso aconteça, que se deve falar mais sobre o assunto, promover debates, criar programas nos diversos veículos de comunicação. A publicitária motiva ao dizer que esse movimento é essencial para a compreensão da língua portuguesa e mais, para o entendimento do próprio ser humano e do mundo. Siebert (2010) fala que, quando o homem entender que língua é poder, acredita que esse será mais comprometido com o vivido. Nesse ponto, complementa Niskier (2001), quando ele diz que a televisão é uma das maiores influenciadoras da língua portuguesa e lamenta a existência de um atual desamor pela língua por parte dos lusófonos.

Fernanda Leitão (2009), vista no segundo capítulo desta pesquisa, diz que é papel do lusófono defender a lusofonia e que, muitas vezes, isso não acontece porque o próprio lusófono não conhece a própria língua, como acontece com os brasileiros que moram no Canadá. Dessa forma, não pode amar o que não conhece. Por essa razão, o processo dessa união da sociedade lusófona é trabalhoso e depende de boas ferramentas e bons operários. A jornalista acredita que o jornalismo é uma delas. Ramos (2010) conta que, desde que a Agência Matriz tem o Grupo RBS como cliente, foram feitas muitas campanhas emocionantes. A veiculação da campanha analisada nesta pesquisa, a qual usa como tema o Novo Acordo Ortográfico, chamou a atenção do público porque foi dada uma abordagem inédita ao tema, ao utilizar uma mensagem mais pop, mais urbana, o que causou um bom efeito.

Silvânia Siebert (2010) lembra que o termo afeto remete a uma relação com outro sujeito ou situação e que preenche com sentidos as palavras e expressões. A publicitária, ao citar Lacan, diz que o afeto é uma paixão da alma, e

que isso está relacionado diretamente à linguagem, uma vez que participa do processo de significações do mundo. Nesse aspecto, complementa Eagleton (2005), estudado no primeiro capítulo desta pesquisa, quando diz que o ser humano é um corpo material movido dentro de um meio simbólico e, por isso, é livre para fazer história, através da possibilidade de dar significações no seu entorno.

Segundo Siebert (2010), a linguagem é composta por afeto, por isso, é difícil situar uma relação direta com um acordo ortográfico entre os países lusófonos, através de uma reforma ortográfica imposta, com regras formais e a finalidade principal de unificar a língua escrita, ainda que a língua falada continue diferente entre esses países. A afetividade, por não acontecer por regras formais como o acordo ortográfico, provoca sentimentos até mesmo de perda e falta de identidade, como a palavra ideia, que não tem mais acento. Assim, é complementada por um dos entrevistados desta pesquisa (Anexo E), quando esse diz que é esquisito ver a palavra ideia sem acento e autoestima sem hífen, embora tenha achado “legal” a peça publicitária em análise.

Para Eloy Simões (2010), o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um modismo de elite que não intervém na cultura de massa. Aponta que caso a nova ortografia chegue à massa, há a possibilidade de mudar algo, o que é pouco provável, pois as regras e, principalmente os motivos que levaram à assinatura do atual acordo ortográfico não são divulgados de forma adequada. Siebert (2010) complementa escrevendo que uma das consequências do Novo Acordo Ortográfico é Portugal mudar sua posição de metrópole e igualar-se, mesmo que apenas com relação à escrita, às suas colônias. Nesse ponto, tem razão Melo (1975), ao propor o desarmamento de espíritos, em Coimbra, situação mencionada no segundo capítulo desta pesquisa. Aqui, destaca-se Bueno (1967), estudado no segundo capítulo, que fundamenta as condições para que um acordo ortográfico dê certo: o governo oficializá-lo e, principalmente, a imprensa aceitá-lo. Essa colocação é comprovada com a pesquisa feita com os espectadores da peça “Vida: Mensagem de Ano Novo (2008-2009)”. Todos afirmam que já ouviram falar do Novo Acordo Ortográfico e a maioria deles pela televisão.

A maioria dos espectadores entrevistados também afirma não conhecer as novas regras da ortografia lusa e que não está interessada em conhecer. Essa afirmação faz sentido ao perceber que todos os entrevistados desconhecem, ou conhecem de forma sutil, as principais razões que levaram à aprovação do atual

acordo ortográfico português. Esses mesmos entrevistados, em sua totalidade, aprovaram a peça publicitária do Grupo RBS, em especial, seu texto, o qual transmitiu, criativamente, a mensagem de ano novo junto ao alerta da reforma ortográfica. O grupo pôde aprender, claramente, algumas regras da nova ortografia, ao mesmo tempo em que percebeu a publicidade do Grupo RBS.

O jornalista e publicitário Eloy Simões (2010) também aprovou a mensagem da peça em análise, considerando-a maravilhosa e com seu papel educador, todavia opina que parte de uma questão de oportunismo. Niskier (2001), citado no capítulo anterior, considera competente e benéfica a epidemia que invade a imprensa brasileira quando essa cria oportunidade para falar e educar a sociedade sobre a língua portuguesa. Salles (2001) relata que nada foi inventado que substitua a palavra e ressalta que a comunicação é o único caminho possível para a paz. Nesse ponto, é válido lembrar Fernanda Leitão (2001), quando diz que a língua portuguesa é a própria razão de ser da Comunicação Social lusa e que, por isso, a comunicadora social deve promovê-la na sociedade, defendendo seu uso correto. Sant`Anna (2001) e Freire (2002) complementam a análise quando falam sobre a responsabilidade social do comunicador.

Do ponto de vista publicitário, Petit (2006) complementa lembrando que o produto propaganda lida com todo o tipo de ideias e informações, desde notícias de menor impacto, a pensamentos e até filosofia de vida. É imprescindível ao bom publicitário ser mais completo, com conhecimento amplo, a fim de poder organizar melhor suas ideias e colocá-las em prática. A disparidade das origens das pessoas que trabalham com propaganda é um de seus principais conflitos, o que acarreta em problemas graves, principalmente de comunicação; no entanto, é mais um fator que pode fazer do profissional de propaganda alguém culturalmente rico. (PETIT, 2006).

No documento Vida (páginas 67-73)