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2 TABAGISMO – UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

2.5 O PROGRAMA DE CONTROLE DO TABAGISMO NO BRASIL

Em meados da década de setenta, a epidemia de tabagismo avançou consideravelmente no Brasil, provocada pela da ação das indústrias de tabaco que ocasionaram aumento do consumo dos seus produtos e, das doenças tabaco- relacionadas (JAQUES, 2010; COSTA E SILVA; ROMERO, 2011; JAQUES; TEIXEIRA, 2011). A consolidação do tabagismo, para as agências internacionais, como problema de saúde pública e o aumento das discussões acerca dos malefícios, oriundos do tabagismo, fizeram com que se ampliassem as iniciativas propondo a regulamentação da sua comercialização e consumo no país e a

formação de grupo antitabagista compostos por organizações médicas e associações civis no Brasil (JAQUES; TEIXEIRA, 2011).

A luta antitabágica fez com os projetos de lei ganhassem pauta no Congresso Nacional, a partir de 1960, mostrando a preocupação dos riscos associados aos malefícios do tabaco para a sociedade. Em 1979, foi elaborado o primeiro Programa Nacional Contra o Fumo por associações médicas, centros universitários, secretarias de saúde e outras reunidas pela Sociedade Brasileira de Cancerologia (JAQUES; TEIXEIRA, 2011; COSTA E SILVA; ROMERO, 2011). Assim, os debates e as mobilizações da sociedade civil cresceram e foram de fundamental importância para ampliação das ações de controle do tabaco no país.

No Brasil, as ações de controle do tabagismo, com atuação governamental, tornaram-se mais sistematizadas a partir de 1985, com a Portaria Nº. 655/GM, que nomeou um Grupo Assessor do Ministério da Saúde para o desenvolvimento de ações para controle do tabagismo no Brasil, sob a coordenação das divisões nacionais de Pneumologia Sanitária e de Doenças Crônico-Degenerativas. O Programa Nacional de Combate ao Fumo teve os seguintes objetivos iniciais: implantar o Programa nas unidades federadas; dimensionar a epidemia tabágica; reduzir a prevalência de fumantes e conseguir legislação de controle (MIRRA; ROSEMBERG, 2000).

A partir de 1989, o Ministério da Saúde assumiu, por meio do Instituto Nacional de Câncer, o papel de organizar o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT). Esse programa é desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Saúde e com vários setores da sociedade civil organizada, sobretudo das sociedades científicas e de conselhos profissionais da área da saúde. De forma geral, objetiva reduzir a prevalência de fumantes e a morbimortalidade consequente ao consumo de derivados do tabaco no Brasil. Especificamente, visa reduzir a iniciação do tabagismo, principalmente entre jovens, aumentar a cessação do fumar entre os que se tornaram dependentes e proteger todos dos riscos do tabagismo passivo (BRASIL, 2003a; CAVALCANTE, 2005).

As diretrizes do PNCT guiam suas estratégias de forma a atuar sobre determinantes sociais e econômicos que favorecem a expansão do consumo de tabaco e a envolver a criação de um contexto social e político favorável à redução do consumo

de tabaco. São elas, a saber: equidade, integralidade e intersetorialidade nas ações; construção de parcerias para enfrentamento das resistências ao controle do tabagismo; redução da aceitação social do tabagismo; redução dos estímulos para a iniciação do tabagismo; redução do acesso aos produtos derivados do tabaco; proteção contra os riscos do tabagismo passivo; redução das barreiras sociais que dificultam parar de fumar; aumento do acesso físico e econômico ao tratamento para cessação do tabagismo; controle e monitoramento dos produtos de tabaco comercializados no país, desde seus conteúdos e emissões até as estratégias de

marketing e promoção desses produtos; monitoramento e vigilância das tendências

de consumo e dos seus efeitos sobre a saúde, a economia e o meio ambiente (CAVALCANTE, 2005).

As ações educativas envolvem dois níveis básicos de atuação: as ações pontuais e as ações contínuas. As primeiras referem-se às comemorações de datas alusivas ao tema (31 de maio - Dia Mundial Sem Tabaco; 29 de agosto - Dia Nacional de Combate ao Fumo e 27 de novembro - Dia Nacional de Combate ao Câncer), participação em eventos como congressos, seminários, feiras de saúde, além de disseminação de informações pela mídia, a fim de sensibilizar a população sobre os malefícios do tabagismo. Já as ações contínuas ocorrem por meio da implantação de programas estruturados nas escolas, unidades de saúde e ambientes de trabalho, visando à prevenção da iniciação no tabagismo, criação de ambientes livres da poluição tabagística ambiental e sensibilização de profissionais de saúde para que aconselhem seus usuários fumantes a pararem de fumar e os apoiem nesse processo, buscando manter um fluxo contínuo de informações sobre o tabagismo, seus riscos para quem fuma e os riscos da exposição de não fumantes à poluição tabagística ambiental (BRASIL, 2006a; BRASIL 2009b).

Para alcançar os objetivos e ações delineadas, o PNCT tem articulado três estratégias operacionais essenciais: a descentralização, a intersetorialidade e a

construção de parceria com a sociedade civil. A descentralização das ações ocorre

por meio das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, segundo a lógica do Sistema Único de Saúde (SUS), visando ao fortalecimento de uma base geopolítica, por meio da qual é articulada uma rede nacional para gerenciamento, formada por uma rede de núcleos gerenciais nas secretarias de saúde estaduais, regionais e municipais, para a expansão das ações do PNCT, de forma equitativa e racional em

todo o País. Atualmente, nos 26 estados da Federação e no Distrito Federal, as secretarias de saúde possuem uma Coordenação do PNCT que, por sua vez, vem descentralizando as ações para os municípios. A Intersetorialidade das ações, feitas pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro, tornou possível a discussão de questões relacionadas ao tabaco com outros setores governamentais, permitindo ação conjunta e integrada. Já a construção de parceria

com a sociedade civil organizada têm sido fundamental para a potencialização da

sua abrangência nacional e, principalmente, para o fortalecimento de um controle social que possa apoiar o Programa nas dificuldades referentes às ações de contraposição à indústria do tabaco (CAVALCANTE, 2005).

A partir de 1999, o Ministério da Saúde ofereceu, pela primeira vez, aos Estados a oportunidade de estabelecerem convênios entre o Fundo Nacional de Saúde (FNS) e as Secretarias Estaduais de Saúde (SES), com o INCA atuando como intermediário, com vistas a estruturar e desenvolver ações contínuas para o controle do tabagismo. Os convênios com as SES propiciaram atividades multissetoriais e favoreceram a reestruturação das equipes e a inclusão do controle do tabagismo na estrutura formal do INCA (COSTA E SILVA, 2006).

As ações do PNCT têm diminuído a aceitação social do uso do tabaco, fazendo com que um número cada vez maior de fumantes deseja cessar o tabagismo (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2007). No Brasil, pesquisas mostram que a maioria dos fumantes desejam parar de fumar, porém somente 3% têm êxito a cada ano, 85% dos quais conseguem sem ajuda, o que coloca em evidência o grande potencial que a abordagem para apoio à cessação do tabagismo possui para reduzir a prevalência de fumantes (CINCIPRINI, 1997). A crescente procura dos serviços de saúde por parte de usuários que querem parar de fumar tem impulsionado o interesse de profissionais de saúde no atendimento a essa demanda. A fim de propor mudanças para modificar essa situação, o Ministério da Saúde, por meio do INCA e em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Organizações não governamentais (ONGs), investiu esforços na socialização dos conhecimentos sobre cessação de fumar, para que os profissionais de saúde, nas suas rotinas de atendimento, possam oferecer uma abordagem mais qualificada ao fumante.

A implantação dos Programas de Controle do Tabagismo nas Unidades de Saúde em todo país tem sido uma das principais metas do PNCT. Isso implica implementar uma política de restrição ao consumo – Programa Unidades de Saúde Livres do Tabaco – e, simultaneamente, de apoio à cessação do uso do tabaco – Programa Ajudando seu Paciente a Deixar de Fumar. O primeiro passo nessa direção foi dado com a publicação do livro Ajudando seu Paciente a Deixar de Fumar, publicado em 1996, visando instrumentalizar os profissionais de saúde com estratégias e material técnico de apoio que permitam aumentar a eficácia da abordagem para interromper o hábito de fumar. A partir de então, foi iniciado o processo de sensibilização de instituições de saúde e de seus profissionais para que compreendam o tabagismo como uma doença crônica, que merece e precisa ser abordada com o mesmo nível de prioridade das outras doenças, ao mesmo tempo, que precisa ser entendida como um processo no qual o fumante precisa ser preparado e acompanhado para cessar o tabagismo (BRASIL, 2001).

Com o crescente interesse nos métodos para cessação do fumar e nas diferentes modalidades terapêuticas, considerando a abordagem cognitivo-comportamental, as terapias medicamentosas e como utilizá-los, os métodos alternativos e a abordagem para grupos especiais de paciente, o INCA realizou, em 2001, o I Encontro de Consenso sobre Abordagem e Tratamento do Fumante para obter uma conformidade acerca das condutas no tratamento do fumante no Brasil. Como fruto dessa reunião, foi estabelecido um Consenso sobre condutas no tratamento do fumante no Brasil, denominado de “Abordagem e tratamento do Fumante”, publicado em 2001. O Consenso estabeleceu a abordagem cognitivo-comportamental como base do tratamento dos fumantes, podendo ser utilizado o apoio medicamentoso em condições específicas. Classificou a abordagem cognitivo-comportamental em abordagem breve/mínima, abordagem básica, abordagem específica/intensiva, abordagem dos fumantes que tiveram lapso ou recaídas, abordagem do fumante que não deseja parar de fumar e abordagem do não fumante (BRASIL, 2001).

Para alcançar os objetivos de motivar os fumantes a deixarem de fumar e aumentar o acesso deles aos métodos eficazes para tratamento da dependência da nicotina, o PNCT tem envolvido a articulação de diferentes tipos de ações, como a formação de profissionais de saúde; a inserção do tratamento do tabagismo na rotina de assistência à saúde; a organização da rede de saúde para atender à demanda de

fumantes e também de profissionais de saúde interessados em tratar o tabagismo, além do financiamento de ações voltadas para a abordagem e tratamento do fumante na rede Sistema Único de Saúde (SUS). A fim de proporcionar uma maior efetividade do programa, tornou-se necessário estabelecer políticas públicas de saúde que viabilizassem não só a infraestrutura de atendimento, como também o financiamento da abordagem cognitivo-comportamental e do apoio medicamentoso pelo SUS (MEIRELLES; CAVALCANTE, 2006).

O Ministério da Saúde, em 2002, como forma de incluir e financiar a abordagem e tratamento do tabagismo no SUS, publicou a Portaria Nº. 1.575/02 do MS/GM, que criou Centros de Referência em Abordagem e Tratamento do Fumante e incluiu a abordagem e tratamento do fumante no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde - SIA/SUS (BRASIL, 2002a). No entanto, essa Portaria apresentou alguns problemas que acabaram inviabilizando seu objetivo, pois a Abordagem e o Tratamento do Fumante ficaram limitados às unidades de saúde de alta complexidade ou hospitais especializados, tornando muito restrito o acesso do paciente aos serviços de saúde credenciados para tal fim. Essa situação gerou uma pressão intensa de fumantes que desejavam parar de fumar e que precisavam de tratamento para a cessação do tabagismo. Diante desse quadro, o Ministério da Saúde revogou a Portaria Nº. 1.575/02 do MS/GM e publicou a Portaria Nº. 1.035/04 do MS/GM (BRASIL, 2004b), que ampliou a abordagem e tratamento do tabagismo para atenção básica e média complexidade e definiu que os materiais de apoio e medicamentos para o tratamento do tabagismo serão adquiridos pelo Ministério da Saúde (MS) e encaminhados aos municípios com unidades de saúde capacitadas e credenciadas para a abordagem e o tratamento do fumante. Essa portaria foi regulamentada pela Portaria Nº. 442/04 do MS/SAS (BRASIL, 2004c), que aprovou o Plano para Implantação da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no SUS e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas a serem utilizadas na abordagem ao fumante.

O Plano para Implantação da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no SUS estabelece que a atenção ao tabagista pode ocorrer em qualquer unidade de saúde ambulatorial ou hospitalar, integrante do SUS e poderá integrar a rede de atenção ao tabagista. Porém, essa unidade de saúde deve ser obrigatoriamente credenciada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) para realização da

abordagem e tratamento do fumante. Esse credenciamento é realizado pelo INCA, e o estabelecimento deve preencher os seguintes critérios para receber os materiais de apoio utilizados durante as sessões de abordagem cognitivo-comportamental e os medicamentos do Ministério da Saúde: ser integrante do SUS; ser livre da poluição tabagística ambiental; ter profissionais de saúde de nível universitário, capacitados para abordagem e tratamento do tabagismo segundo metodologia do MS/INCA. Esse modelo de tratamento ofertado aos usuários preconiza a abordagem cognitivo-comportamental do fumante, com intervenções cognitivas e treinamento de habilidades comportamentais visando à cessação e a prevenção à recaída e, quando houver indicação, o tratamento medicamentoso (BRASIL, 2004c).

O Protocolo Clínico e de Diretrizes Terapêuticas estabelece que o indivíduo deva passar por uma consulta de avaliação clínica, antes de iniciar as sessões de abordagem cognitivo-comportamental. Nessa consulta, é avaliada a motivação do indivíduo em deixar de fumar, seu nível de dependência física à nicotina, se há indicação ou contraindicação de uso do apoio medicamentoso, existência de comorbidades psiquiátricas e sua história clínica. A abordagem intensiva cognitivo- comportamental consiste em sessões individuais ou em grupo de apoio, com 10 a 15 participantes, coordenados por um ou dois profissionais. Essas sessões são estruturadas em quatro sessões semanais, duas sessões quinzenais e uma reunião mensal aberta, com a participação de todos os grupos, para prevenção da recaída, até completar um ano. Durante as sessões, os indivíduos que tiverem indicação poderão utilizar apoio medicamentoso do adesivo transdérmico de nicotina (21mg, 14mg e 7mg), goma de marcar de nicotina (2mg) ou cloridrato de bubropiona (150mg) (BRASIL, 2004c). Além disso, o material de apoio, que são as cartilhas elaboradas pelo Instituto Nacional de Câncer para o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (Deixando de fumar sem mistérios), pode ser utilizado durante as sessões de abordagem cognitivo-comportamental e ser fornecido aos usuários para reforçar as informações e estratégias trabalhadas durante o grupo para deixar de fumar e na prevenção à recaída (BRASIL 2004f).

Segundo dados do VIGITEL (BRASIL, 2010), a prevalência de fumantes com idade acima de 18 anos nas capitais brasileiras declinou, entre os anos de 2006 e 2010, de 16,2% para 15,1%, respectivamente. Entre homens, houve diminuição da prevalência de 20,2% para 17,9%, o que não ocorreu entre as mulheres, que se

mantiveram nesse mesmo patamar (12,7%). Assim, a frequência de ex-fumantes, tendeu a ser maior entre os homens (31%) do que nas mulheres (22,2%). Esse levantamento, também, mostrou que a frequência de ex-fumantes foi maior entre os que têm menor escolaridade (26,3%) do entre que os estratos de maior escolaridade (18,1%).

Apesar das dificuldades de acesso, por parte de muitas pessoas, aos serviços de saúde para o tratamento, os resultados acima mostram, assim como mostram outros estudos (CAVALCANTE, 2005; IGLESIAS et. al., 2008; GODOY, 2010), que as medidas adotadas pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo têm-se mostrado efetivas, fortes e abrangentes. No entanto, são muitos os desafios a serem superados, pois existem poucos serviços públicos no tratamento dos fumantes (CARAM et al., 2009) e são escassos os dados sobre as características desses serviços.