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4 O SUS, A ATENÇÃO AO TABAGISTA E A SAÚDE COLETIVA

4.1 O SUS E A POLÍTICA DE ATENÇÃO AO TABAGISTA

A reforma sanitária brasileira foi um movimento político-ideológico que reuniu diversos segmentos da sociedade para lutar pela democratização da saúde no Brasil. Foi um processo político que mobilizou a sociedade brasileira a fim de propor novas políticas e novos modelos de organização de sistemas, serviços e práticas de saúde (ARRETCHE, 2006; VASCONCELOS; PASCHE, 2009).

Os reformistas, conseguiram por meio da aprovação na Assembleia Constituinte, estabelecer, na Constituição de 1988, o direito à saúde como direito de cidadania e dever do Estado. Assim, as Leis Nº. 8.080 e 8.0142/90 definiram o Sistema Único de Saúde (SUS), seus princípios e suas diretrizes, que detalharam a organização e o funcionamento do Sistema. O Sistema Único de Saúde (SUS) é a forma organizacional pelo qual o Estado brasileiro efetiva a política de saúde no Brasil, compreendendo um conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde, e que aglutina o conjunto das organizações públicas de saúde existentes em nível

municipal, estadual e nacional e, ainda, os serviços privados de forma complementar (BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990b).

O SUS foi institucionalizado como um sistema descentralizado e hierarquizado na Constituição de 1988, ficando sob a responsabilidade do município a prestação de atendimento à população, bem como o planejamento e a execução dos serviços de saúde. O Governo Federal e os Estados ficaram responsáveis pela cooperação técnica e financeira para o desempenho dessa função, ao alocar recursos e regular o desempenho das ações municipais e estaduais (ARRETCHE; MARQUES, 2007). No modelo brasileiro, o governo federal, representado pelo Ministério da Saúde, está encarregado de formular e de tomar todas as decisões mais importantes da política nacional de saúde e de exercer as funções de financiamento e coordenação das ações intergovernamentais, que definem as ações de saúde de estados e municípios. Nesse, caso, a implementação de políticas pelos governos locais são fortemente influenciadas pelos recursos institucionais do governo federal (ARRETCHE, 2000). No entanto, as transferências federais “estiveram mais orientadas para a promoção da descentralização do que para a promoção da redução da desigualdade (ARRETCHE; MARQUES, 2007, p. 203)”.

A descentralização das ações de saúde remonta à década de 80, com as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), institucionalizando-se e ganhando maior abrangência e densidade a partir da aprovação das suas bases legais (SILVA et al., 2007). O SUS vem sendo operacionalizado pelas Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde (NOB), que funcionam como instrumentos reguladores do processo de descentralização das ações e serviços de saúde. A Norma Operacional de Assistência à Saúde, NOAS-SUS 01/02, propõe a regionalização da atenção à saúde como uma macroestratégia para a estruturação de redes articuladas e cooperativas, em territórios delimitados, com populações definidas e mecanismos que garantam o acesso dos usuários aos serviços nos níveis de complexidade necessários à resolução dos problemas de saúde (BRASIL, 2002b).

A descentralização está sendo uma estratégia importante na implementação do SUS, pois possibilitou a municipalização da saúde, entendida por Cunha (1994,

apud PAIM, 1999) como um processo que se dá pelo reconhecimento da

responsabilidade política do município com a saúde dos seus cidadãos. A partir daí, o município passou assumir a formulação de políticas de âmbito local, o planejamento, a organização, a execução, a avaliação e o controle das ações e serviços de saúde na área de atuação. A devolução de poderes para o município, por meio da descentralização das ações e serviços de saúde e da transformação da relação entre o poder público e a sociedade, é uma são estratégia de concretização dos princípios constitucionais de universalidade, integralidade, equidade e controle social da política de saúde no Brasil.

Dessa forma, a descentralização política permitiria uma maior autonomia e poder de decisão aos municípios na organização e funcionamento das redes de saúde. Contudo, a excessiva normatização e burocratização, que buscam controlar as condições para realização de ações entre os entes federados e os serviços de saúde, expressas, principalmente, no financiamento, impõem-se como elementos contraditórios, a autonomia prevista anteriormente, para a criação, o desenvolvimento e mudanças nas políticas e ações nos municípios (PASCHE, 2006).

Nesse contexto, a política de saúde institucionalizada no SUS trouxe mudanças relevantes com implicações na organização do controle do tabagismo no Brasil e na concepção do direito à saúde, na medida em que envolveu alterações na gestão do sistema de saúde nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e no modelo de atenção à saúde (CARVALHO, 2000).

A Política de Controle do Tabagismo é um reflexo desse processo, pois é uma política formulada pelo Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer (INCA), na qual um dos componentes operacionais vitais para o Programa Nacional de Controle do Tabagismo tem sido a descentralização, segundo lógica do SUS, que encarregou os Estados e, principalmente, os Municípios de executarem a Política de Controle do Tabagismo a nível local, seguindo todas as normativas preconizadas pelo INCA para esse controle.

Assim, para que as ações de apoio à cessação do tabagismo atinjam a todo território brasileiro, ocorreu um fortalecimento de uma base geopolítica, por meio da

articulação de uma rede de núcleos gerenciais, nas secretarias de saúde estaduais, regionais e municipais, para a expansão das ações do PNCT (CAVALCANTE, 2005). Contudo, o acesso ao tratamento é ainda irregular, como também é baixo o nível de conscientização e de capacitação, no interior do SUS, para o apoio das intervenções relacionadas ao tratamento para parar de fumar. Como parte de uma política de acesso universal para o tratamento da dependência da nicotina, o apoio à cessação do tabagismo é, ainda, um desafio e merece mais atenção e direcionamento estratégico. Além disso, é necessário que haja revitalização e fortalecimento dos programas estaduais e municipais, para manutenção de suas atividades, bem como o estabelecimento de um mecanismo regular de financiamento para a sustentabilidade do Programa, da mesma forma que o planejamento conjunto e a avaliação entre as partes interessadas (IGLESIAS et al., 2007).

Desse modo, o processo de descentralização do sistema de saúde não tem garantido o processo decisório de implementação da política de forma bem sucedida nas instâncias do SUS. Há, ainda, necessidade de investimento no fortalecimento das capacidades administrativas e institucionais do governo central e dos subnacionais no encaminhamento da descentralização, revertendo a lógica, de responsabilização única do município pelos sucessos e/ou fracassos de determinadas políticas (CARVALHO, 2009). Além disso, faz-se necessário estabelecer a autonomia de gestão dos entes estaduais e municipais, bem como os mecanismos de repasse financeiros a fim de equalizar os gastos na atenção dirigida aos sujeitos com problemas relacionados ao tabaco e a outras drogas (BRASIL, 2003b).

Nesse contexto, é preciso, ainda, destacar que a Política Nacional sobre Drogas, aprovada pela Resolução Nº. 3/GSIIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005, pressupõe que é responsabilidade do Estado:

[...] estimular, garantir e promover ações para que a sociedade (incluindo os usuários, dependentes, familiares e populações específicas), possa assumir com responsabilidade ética, o tratamento, a recuperação e a reinserção social, apoiada técnica e financeiramente, de forma descentralizada, pelos órgãos governamentais, nos níveis municipal, estadual e federal, pelas organizações não governamentais e entidades privadas (BRASIL, 2005, p.5).

Desse modo, o Estado deve garantir acesso às diferentes modalidades de atenção em um processo contínuo e permanente (BRASIL, 2005). Além disso, deve promover e garantir a articulação e integração da rede de atenção aos usuários de SPAs, as demais redes assistenciais do Sistema Único de Saúde, para que realmente tornam-se efetivas e eficazes na Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas (PEIXOTO; SIQUEIRA, 2011)

Nesse sentido, é essencial que a atenção aos portadores de Transtorno Mental, especialmente os decorrentes das Substâncias Psicoativas, dentre elas o tabaco, seja vista com integralidade, equidade e justiça, a fim de que ocorra a “mudança no paradigma de “doentes” para novos cidadãos merecedores de direitos e exercício pleno da cidadania” (BRASIL, 2003b, p.35).

4.2 A SAÚDE COLETIVA E A ATENÇÃO AO TABAGISTA

A saúde coletiva surge no final da década de 70 como uma necessidade da busca e da compreensão das experiências práticas, teóricas e políticas que se acumularam ao longo dos anos e que traziam heranças da medicina preventiva, junto com a saúde pública, e da medicina social (NUNES, 2009).

A saúde coletiva é um campo de conhecimento, uma prática sociopolítica, uma atitude que se conforma numa dimensão teórica, num movimento e num pensamento. É um espaço, ao mesmo tempo, estrutural e estruturante, pois o “capital social” que configura a saúde coletiva é transmitido e socializado e transformado pelos atores sociais que estruturam esse campo (NUNES,1994). É, segundo Canesqui (1995), uma experiência brasileira que emerge de um processo político-ideológico de reorientação do sistema de saúde brasileiro, que marcou a história de saúde do Brasil (PASCHE, 2006).