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O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) e suas implicações

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA

2.5. O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) e suas implicações

O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) foi lançado em 24 de fevereiro de 2000 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro de Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, com a assinatura do Decreto 3.371/00. A Portaria MME Nº 43, de 25 de fevereiro de 2000, que foi a primeira portaria editada para a regulamentação do PPT, apresentava os seguintes pontos como base para a sua implementação:

“...considerando que a Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece que a política energética nacional para o aproveitamento racional das fontes de energia visará, dentre outros objetivos, incrementar em bases econômicas a utilização do gás natural, valorizar os recursos energéticos, proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; considerando que a nova concepção da matriz energética brasileira recomenda a utilização de usinas termelétricas, principalmente com utilização de gás natural, o que propicia condições de atendimento ao mercado a curto prazo e permite ganhos de confiabilidade e eficiência no sistema gerador de energia elétrica;

considerando que a meta estabelecida para o setor elétrico é de implantar um parque gerador termelétrico, de forma a atingir até o ano 2009 um perfil hidrotérmico na proporção de oitenta e vinte por cento, respectivamente, alterando a participação do gás natural na matriz energética nacional de três por cento para dez por cento;

considerando que a geração termelétrica com o seu avanço tecnológico traz inúmeras vantagens, tais como: atendimento aos requisitos ambientais; instalação próxima aos centros de carga, otimizando o carregamento e a expansão dos sistemas de transmissão; geração estratégica para a operação de hidrelétricas; menor prazo de construção e maior facilidade na obtenção de financiamento;

8 No caso do gás natural, os compromissos mínimos contratuais eram o take-or-pay e o ship-or-pay, que serão detalhados no item 3.3 deste trabalho.

considerando que o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia elétrica é fundamental para a prática da livre competição e para a qualidade do serviço, que são alicerces do novo modelo do setor elétrico, sendo prioritário desencadear ações necessárias para sua garantia, no âmbito deste Ministério, em particular até o ano 2003, quando se inicia efetivamente a prática de livre mercado;...”

Assim, de forma resumida, o Programa visava criar as condições para a rápida ampliação da oferta de eletricidade e atender o aumento da demanda de energia elétrica, bem como, solidificar as políticas definidas para o gás natural, de forma a garantir um mercado para o gás que a Petrobras havia contratado da Bolívia. Desta forma, a convergência entre gás natural e eletricidade surgia como uma opção estratégica ótima que atenderia a importantes grupos de interesse compostos por empresas privadas e as grandes empresas estatais do setor de energia.

O Programa garantia aos empreendedores, por 20 anos, suprimento de gás natural a preço fixo, com compensação da variação cambial pela Petrobras, a aplicação do Valor Normativo para o preço de venda da energia gerada, também por 20 anos, com reajuste anual, além de garantir acesso a recursos do BNDES para financiamento do empreendimento, por meio do Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritários no Setor Elétrico. Obviamente, tal solução de parceria estreita entre agentes privados e empresas estatais exigia mudanças ideológicas importantes da parte do presidente Fernando Henrique Cardoso. Estava claro que o processo de privatização havia perdido fôlego e que o governo pretendia contar fortemente com as empresas públicas para materializar sua política energética, a qual, por outro lado, convergia com os interesses dessas mesmas empresas.

O Programa previa a instalação de uma série de termelétricas (o número cresceu de 49, quando do lançamento do Programa, para 55, no início do mês de setembro de 2000), a maioria das usinas operaria a gás natural, com capacidade instalada total prevista entre 15.000 MW e 20.000 MW, as quais, operando em plena carga, gerariam consumos de gás natural entre 60 e 80 milhões de m³/dia. Tal avanço no consumo de gás não apenas resolveria os problemas da Petrobras em suas relações com a Bolívia, mas viabilizariam igualmente uma ampla expansão da cadeia de suprimento de gás, sustentando os investimentos necessários para o atendimento desse súbito crescimento de mercado.

Apesar de todas as condições favoráveis e incentivos implementados pelo governo, o resultado do PPT ficou muito aquém das expectativas. Na Figura 2.5, SILVA (2007) mostra uma relação de 41 projetos inscritos no Programa, que representavam cerca de 16.000 MW,

tendo entrado em operação, até dezembro de 2004, apenas 21 projetos com cerca de 8.000 MW, dos quais a maioria foi conduzida pela Petrobras ou, através do esquema de auto- contratação, pelos grupos controladores de distribuidoras de energia elétrica.

Figura 2.5 - Projetos de Usinas Termelétricas do PPT – Inscritos X Em Operação

Tanto o sucesso relativo como o fracasso prematuro do PPT está associado aos choques de oferta de eletricidade entre 2001 e 2002, cada um em sentido oposto e com conseqüências igualmente antagônicas. Inicialmente, como já mencionado, o cenário de oferta de eletricidade se deteriorou rapidamente. Desde o início dos anos 1990, com a falta de planejamento do setor e a perda de capacidade de investimento das empresas estatais, o nível médio das águas nos reservatórios das hidroelétricas decaiu rapidamente (vide Figura 2.6 em relação ao nível dos reservatórios da região Sudeste do país, que armazena mais de 60% da capacidade de armazenamento do sistema).

Estações chuvosas robustas em 1997 e 1998 permitiram uma recuperação parcial dos estoques de água, porém a situação voltou a deteriorar-se entre 1999 e 2001. As bases criadas pelo novo modelo setorial não foram capazes de promover novos e grandes investimentos em capacidade de geração e transmissão. No início de 2001, o sistema operava sem qualquer capacidade ociosa e abaixo dos níveis de segurança mínimos, de forma que o racionamento de 2001 tornou-se inevitável frente a uma estiagem mais forte e mais prolongada.

Com a depleção da capacidade de armazenamento plurianual das hidrelétricas, dada a limitação da expansão em relação ao crescimento da demanda, o nível dos reservatórios chegou a um ponto que o sistema não conseguiu suportar um período hidrológico adverso (o período úmido de 2000-2001), como também pode ser observado na Figura 2.6, sendo necessário o racionamento de energia, impondo uma redução dramática no consumo. Ao mesmo tempo, os investimentos em termelétricas foram acelerados, tanto daquelas operadas a gás natural, que já vinham em andamento, como na contratação de usinas emergenciais para operarem a diesel e óleo combustível. Na tentativa de expandir rapidamente a capacidade de geração do sistema, as opções térmicas eram as únicas disponíveis. Nesse sentido, o salto final rumo à convergência entre o gás e a eletricidade foi induzido por um momento de pânico.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Ja n- 99 Ju l-9 9 Ja n- 00 Ju l-0 0 Ja n- 01 Ju l-0 1 Ja n- 02 Ju l-0 2 Ja n- 03 Ju l-0 3 Ja n- 04 Ju l-0 4 Ja n- 05 Ju l-0 5 Ja n- 06 Ju l-0 6 Ja n- 07 Ju l-0 7 Ja n- 08

Nível Reservatórios SE/CO Curva Aversão Risco SE/CO

Em %

Figura 2.6 - Nível dos reservatórios do Sudeste – 1991 a 2002 e 1999 a 2008

Fonte: ONS / Deck NEWAVE apud SAUER (2002)

Porém, em 2002 e 2003, como resultado da queda de consumo em quase 20% nos momentos mais críticos, bem como a adição de novas capacidades termelétricas, e,

principalmente, o retorno de chuvas abundantes, o cenário alterou-se completamente e rapidamente estabeleceu-se um choque de excesso de oferta de eletricidade. Em conseqüência, começou a sobrar energia mais barata nas hidrelétricas do que aquela gerada pelas termelétricas.

De acordo com MARTINS (2001), as usinas termelétricas previstas eram, em sua maioria, de ciclo combinado (turbina a gás, caldeira de recuperação e turbina a vapor em condensação), o que leva a alta eficiência (entre 50 e 56%). Entretanto, isso eleva os custos de capital para US$ 400 a US$ 600 por kW instalado, valores esses que, junto com os custos de operação, principalmente para a aquisição do combustível, isto é, em muitos casos, o gás natural importado da Bolívia, elevavam o custo do MWh produzido com essa tecnologia acima de US$ 35, enquanto os custos de geração de uma hidrelétrica já amortizada, como as de Furnas, são da ordem de US$ 20 por MWh.

A tecnologia de turbinas a gás é bastante interessante pela sua modularidade e escala: é possível trabalhar com turbinas de cinco a 500 MW e até com micro-turbinas de 25 a 500 kW. Essas turbinas, em ciclo simples ou aberto, podem rapidamente ser ligadas e entrar na rede para atender a horários de pico, com baixo custo inicial mas alto custo de operação (eficiência da ordem de 30 a 35%).

A opção de se trabalhar com ciclos combinados, entretanto, faz com que a atratividade econômica só seja conseguida com escalas maiores (300 a 1.000 MW) e com fatores de uso da ordem de 80%. Ou seja, isso requer que essas usinas termelétricas sejam usinas de base, operando durante 70 a 80% do tempo, e não de ponta, o que implica na garantia da sua operação mesmo que as hidrelétricas estejam com seus reservatórios cheios.

Dessa forma, em anos hidrologicamente favoráveis, teríamos a situação absurda de ter de verter água das hidrelétricas sem turbiná-las, para garantir a demanda das termelétricas. Ou seja, estaríamos “vertendo gás” para garantir um despacho inflexível provocado pelo pagamento de compromissos mínimos de retirada do contrato de suprimento de gás natural!

As usinas emergenciais a óleo foram penalizadas por contratos que tornaram o custo final da energia gerada excessivamente elevado, pois, a partir de 2000, o preço internacional do petróleo iniciou sua escalada fulminante, tendo se aproximado dos 100 US$/barril no final de 2007. Porém, como será visto abaixo, eram tecnologicamente mais racionais para operarem em sintonia com o sistema hídrico.

Nas termelétricas a gás a ciclo combinado, havia uma incongruência tecnológica, pois foram inseridas termelétricas para operação de base em um sistema que requeria apenas certa complementação térmica, para aumentar o fator de capacidade médio de todo o sistema sem

reduzir a disponibilidade média de água. A escolha não apropriada da tecnologia conduziu a uma redução do fator de capacidade médio, demonstrando uma ineficiência na alocação dos investimentos realizados.

Felizmente, por caminhos tortos, os passivos gerados pelo PPT foram menos dramáticos, pois muitos projetos inscritos no Programa não conseguiram cumprir as exigências, como: obtenção de licenciamento ambiental e autorização da ANEEL, estar com as obras iniciadas e não interrompidas, possuir contratos de EPC e de fornecimento das unidades geradoras firmados, e, ainda, ter sua entrada em operação comercial até dezembro de 2004.

Outro problema nem sempre solucionado pelos empreendedores foi o financiamento do projeto para a compra dos equipamentos e a instalação da planta. Os bancos financiadores exigiam garantias de que seriam pagos. Assim, exigiam que boa parte da energia produzida já estivesse com contratos de venda assinados, os Acordos de Compra de Energia (Power

Purchase Agreement - PPA). Devido ao alto custo da energia gerada pelas termelétricas, as

concessionárias privatizadas não mostraram interesse em assinar tais acordos e os consumidores livres muito menos, pois estavam buscando as melhores barganhas no Mercado Livre não Regulado.

Somente a Petrobras, a Eletrobrás e outras estatais é que, em alguns casos, assumiram esse ônus. Outra exceção foram os projetos de auto-contratação, que tinham a garantia do repasse do VN ao mercado cativo, mesmo a preços muito mais elevados que o da oferta de energia disponível. Porém, mesmo para esses casos, a Petrobras assumiu um ônus importante, pois o custo de oportunidade do gás fornecido às térmicas tornou-se muito grande na medida em que os demais usuários de gás estavam dispostos a pagar mais caro pelo combustível.

O esquálido crescimento econômico do país no período pós-racionamento também ajudou a piorar o desequilíbrio entre oferta e demanda de energia. Por outro lado, o consumo de gás natural passou a ter um crescimento acentuado, não como fonte de geração de energia elétrica, mas, principalmente, como combustível de automóveis e de caldeiras industriais, em decorrência da implantação do Programa de Massificação de Uso do Gás Natural pela Petrobras em 2003.