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“Parcerias Institucionais”

Capítulo 5. O Projeto Via Design

De acordo com o website do SEBRAE:

“O design não só associa produtos e serviços com a qualidade, mas representa, em si, a própria qualidade, aspecto fundamental na conquista da preferência do consumidor ou cliente, em disputa num mercado cada vez mais exigente e globalizado. Em maior ou menor grau, dependendo do caso, o design está presente em todos os processos gerados dentro da empresa. O design flui desde a concepção de um novo produto, no planejamento, passando pela produção, pelo marketing e muito intensamente na fase de comercialização. O design está nos produtos, nas embalagens, no material promocional, nos padrões estéticos e ambientais, na identidade visual do produto e da empresa. Pode determinar a escolha de materiais e modos de produção e, dessa forma, contribuir para a redução de custos e maior adequação a exigências ambientais. [...] O design agrega valor a produtos e serviços. Em outras palavras, significa mais lucro.” (SEBRAE)

A instituição oferece uma clara definição do design de acordo com os seus projetos e propósitos. Dizer que “representa a própria qualidade” pode ser entendido como uma certa forma de controle daquilo que é produzido e oferecido ao consumidor. De acordo com o SEBRAE, o design não estaria presente apenas nos produtos finais, mas em todas as etapas da produção, desde a concepção até a comercialização. Além disso, o que talvez seja o mais impressionante, o design também ajudaria a adequar-se a “exigências ambientais”, o que quer que isso signifique. As “exigências ambientais” mencionadas não são esclarecidas em nenhuma parte do material consultado.

A Gerente de Desenvolvimento Local, Antonieta Contini, segue explicando sobre o trabalho do designer, e recorre a exemplos com a exibição dos catálogos elaborados, o que torna mais concreta a exposição. Sentadas nas cadeiras do seu escritório seguimos a conversa observando as fotos contidas nos catálogos de moda.

“No momento nós estamos desenvolvendo um novo catálogo para o “Fashion

Business”. Estamos com vinte e cinco grupos que algum entra só com acessórios porque

faz parte da coleção, desenvolve-se uma coleção e aí tem um estilista, tem a produção, tem um fotógrafo, tem a designer gráfica, é uma equipe que nós temos hoje para chegar num trabalho. Outra coisa que eu queria colocar é que a gente atua em dois segmentos no mercado: em São Paulo a gente atua com acessório de ambientação de interiores e no Rio de Janeiro é acessórios de moda e alguma coisa de moda, mas é muito pouco, é acessório né , então” (Antonieta Contini, SEBRAE)

Parte da tarefa do SEBRAE consiste na elaboração de catálogos para o lançamento das novas coleções. Ao explicar sobre o processo de confecção dos catálogos, Antonieta Contini revela o processo de articulação do artesanato com o projeto criativo do designer, que resulta na criação de todo um conjunto de produtos, realizados por diversos grupos de trabalho e centrados num conceito-chave, também chamado nesse meio de “inspiração”.

“Então esse é um dos catálogos que eu ia te mostrar, esse é o último que a gente foi para São Paulo então nós estamos lançando um projeto junto com o Renato Imbroisi chamado de “mão dupla”. O que é esse projeto? É um projeto caro, porque a gente quer levar em cima de um caminhão, um caminhão fechado, todo equipado com design gráfico, fotógrafo, designer de produto, com artesã, para esse Brasil afora essa oficina, já com foco para venda. É pra ser itinerante e levar essa experiência para todo Brasil. A gente precisava lançar a idéia e então o Renato fez uma coleção toda em cima do caminhoneiro, então saiu e como o caminhoneiro, borracheiro gosta de folhinha de mulher pelada, né, (risos) nós fizemos uma folhinha com elas, elas como as artistas, elas com seu produto, aí você vê que é toda inspiração no caminhoneiro, corrente, as almofadas com sinais. Está vendo alguns produtos todos inspirados no caminhão? Isso ai é uma coleção bem bonita, cada um é de um grupo, da área rural, então até o crochê nos caminhões, coisa mais bonita. E aqui o pessoal do Varjão, as bonequinhas, está vendo? Os caminhõezinhos, tudo

é do Varjão. Esse aqui, colares, vendeu bastante. Aqui um jogo de cozinha, colchas, chaveiros, caminhões de criança...” (Antonieta Contini, SEBRAE)

Quando ela diz que o catálogo foi feito “em cima” do caminhoneiro, refere-se justamente a essa “inspiração”, que deu unidade de estilo ao projeto.

“Esse já foi para feira e já vendemos bem. Aqui é o crochê, as cobras (risos) e aqui o tapete que ela fez de roupa para a foto. Aqui as almofadas com detalhes do pneu. Então a gente chamou atenção com esse projeto para buscar parcerias, porque precisamos do caminhão, precisamos equipar o caminhão, precisamos de parcerias. Aqui é uma freirinha, ela quis sair também. (risos) Ia sair com mais duas do grupo, então precisamos buscar parceiros. Então você tem que fazer um certo barulho porque senão você não chama atenção. Essa é a caminhoneira, a idéia é que ela mesma dirija o caminhão, ela e a mãe, que a mãe dela também foi caminhoneira” (Antonieta Contini, SEBRAE)

Seguindo a exposição do próximo catálogo.

“Esse foi feito para o “Fashion business” né, pra mostrar a moda Brasília e ainda tinha Apoena, né, junto com a gente. Aí são todos estilistas. Esse que nós participamos foi a primeira participação nossa lá, então trazendo tudo que elas fazem pra roupa, pra moda, os bordados, a bolsinha, os retalhos, as flores feitas em tecidos, a aplicação feita em tecidos que até hoje vende muito em toda feira, os bordados todos... (Antonieta Contini, SEBRAE)

Antonieta Contini explica que são diversos grupos, mas não estão todos no mesmo estágio de organização e nem apresentam a mesma capacidade de oferecer um produto bem acabado e numa certa escala que permita atender às encomendas.

“São vários grupos, cada um faz um trabalho, um é bom no bordado, outro é bom no crochê, outro é bom só faz folha, trabalha só com folhas do cerrado e a gente junta tudo e lança moda...O estilista desenvolve uma coleção inspirada em tudo isso que elas já fazem

né. Olha, esse aqui também é de folha... O trabalho já está sendo exportado bastante.”

(Antonieta Contini, SEBRAE)

O designer desempenha um papel importante na relação da produção artesanal com o cenário do mundo da moda. Além de definir o formato final do produto artesanal e o tipo de acabamento do produto, enfim, de transformá-lo de acordo com as expectativas dessa entidade abstrata chamada “mercado”, ele também responde pela inserção desse produto no universo da moda, onde poderá receber grande destaque.

O papel do designer se mostra central dentro do universo do artesanato de Brasília, em que muitos grupos são apoiados pelo SEBRAE. Ele é o “especialista” em criação, em critérios de gosto, estilo de vida, adequação aos desejos do consumidor, cuja vontade interpreta e representa.

Antes de discutir o papel do designer, procuro elaborar uma breve revisão do tratamento de algumas dessas questões na antropologia por autores clássicos, de forma a relacionar alguns conceitos com as práticas observadas em campo, estabelecendo relações entre observação e teorização.

Georg Simmel (1971 [1904]) aborda a moda e a relação entre indivíduo e sociedade como formas de o indivíduo se colocar no mundo. A noção de estilo de vida, desenvolvida posteriormente, está ligada justamente a esse aspecto teórico da ação do indivíduo diante dos modelos sociais possíveis do ser. Simmel descreve tipos sociais que correspondem a essas possibilidades do ser no mundo, representados como escolhas por um modo de vida, que por sua vez excluem automaticamente outros modos de vida (SIMMEL, 1971[1908]).

O sujeito tenderia a atuar levando em conta as representações ou conteúdos culturais, compartilhados socialmente, sobre o que pertence e o que não pertence ao tipo

característico por ele desempenhado, como um papel social. O que não significa que cada indivíduo desempenhe em sua vida um único papel social, antes o contrário.

Em “Thought Styles” (1996), obra posterior aos clássicos “Natural Symbols” (1970) e “How Institutions Think” (1986), Mary Douglas analisa conflitos culturais acerca de questões de gosto e estilo de vida. Sua abordagem aponta o consumo como governado pelo protesto, de modo comunicacional. Sustenta que as seleções que o indivíduo faz são escolhas por um tipo de sociedade na qual ele quer viver. Dessa forma, Douglas articula o individual ao social. Para ela, a escolha dos objetos assinala uma adesão cultural: “to

understand shopping practices we need to trace standardized hates, which are much more constant and more revealing than desire” (DOUGLAS, 1996:83)

Juntamente com Baron Isherwood, Douglas propõe uma análise do consumo que busca abordá-lo como um sistema de comunicação. “Os bens fazem parte de um sistema vivo de informações” [...] “Os bens são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes. (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004:34,36)

Também concebendo a cultura material como um sistema, Pierre Bourdieu (1979) propõe analisá-lo como um conjunto de posições sociais a partir das quais os indivíduos se manifestam. Tudo o que é comunicado diria respeito ao lugar de fala de cada um, numa marca política da posição do falante/consumidor/indivíduo/ator social. Bourdieu aborda a questão da moda e da criação de grifes, assim, como uma política de construção de crenças sociais baseadas na utilização de imagens. Em “O Costureiro e sua Grife”(2002), Bourdieu mostra como operam as grifes na sociedade capitalista e o campo de disputas por ele engendrado, revelando a forma como é concebida a questão de consumo, como disputa por poder, na teoria desse autor.

Procuro aprofundar essa análise buscando estabelecer relações específicas entre as elaborações teóricas e o exame dos casos concretos observados em campo, para que a teoria possa servir para iluminar o entendimento das práticas e quiçá com isso possam surgir novas visões sobre o tema.

Entre os designers entrevistados durante o trabalho de campo, optou-se por focalizar especificamente aqueles que estão diretamente ligados ao trabalho das artesãs dos grupos apresentados. Além de Kátia Ferreira, da Apoena, também incluo o trabalho de Renato Imbroisi, por considerar que o seu trabalho demonstra significativamente as nuances e complexidades do papel do designer, na medida em que ele atuou com dois dos grupos pesquisados.

Concentro o foco da análise na atuação de Kátia Ferreira e Renato Imbroisi apenas, como forma de promover um aprofundamento maior na observação do papel do

designer no processo como um todo. Essa opção permite que tenhamos uma visão da

dimensão das possibilidades do designer na sociedade, para si mesmo e para os grupos com quem trabalham, e o que representa as escolhas que fazem e o grau de comprometimento do seu trabalho com outros atores envolvidos. Pela análise de mais de um caso, podemos compreender melhor a dinâmica presente e como se relacionam esses diferentes atores.

Discuto em detalhes somente esses dois por considerar que a inclusão de outros

designers na análise poderia desviar o foco do trabalho com poucos benefícios para a

apreciação da relevância e significação do papel do designer. Assim, procuro apresentar diferentes pontos de vista sobre o designer, reunindo a visão das artesãs, do SEBRAE e do próprio designer falando sobre o seu trabalho. Acredito que diferentes olhares, provenientes de locais de fala variados, podem revelar diferentes apreensões da realidade, que reunidas contemplam melhor as complexidades do tema como ele se apresenta no mundo real.